Kronstadt 1921 – Paul Avrich (Parte 2)

Traduzido por Fecaloma – Punk Rock, a partir da versão disponível em: Paul Avrich – Kronstadt – The 1921 Uprizing of Sailors in the Context of the Political Development of the New Soviet State (1970).

Para uma análise do Crítica Desapiedada do evento de Kronstadt, conferir: O Conflito em torno dos sovietes entre o Partido Bolchevique e os trabalhadores da Revolta de Kronstadt (1921) – Aline Ferreira

Parte 1

Parte 3

Anexos

4. O primeiro assalto

Diante da crise interna que estremecia os pilares do regime político, os bolcheviques decidiram pôr fim o mais rápido possível à revolta de Kronstadt. O que estava em jogo ou parecia estar era a própria existência do governo. Para começar, o nome “Comitê Revolucionário Provisório”, adotado pelos líderes rebeldes no dia 2 de março, equivalia, a um só tempo, a uma provocação e a um desafio. Ainda mais ameaçador revelava-se o item um da resolução do Petropavlovsk, subscrito ao preâmbulo do documento. Sob o diagnóstico de “que os atuais sovietes não expressam mais a vontade dos operários e camponeses”, a disposição previa a realização de novas eleições para os sovietes. Na prática, a demanda por um novo pleito eleitoral punha em xeque a legitimidade do poder bolchevique. A proposta reapareceu, a 3 de março, numa publicação do primeiro número do jornal rebelde Izvestiia. O Partido Comunista, lia-se no editorial, afastou-se por completo do povo; apenas os esforços das massas trabalhadoras, atuando por meio dos sovietes livremente eleitos, poderão resgatar a nação da miséria e da opressão[1]. À vista dos recentes protestos em Moscou e em Petrogrado, das incessantes revoltas camponesas no interior do país, manifestações por eleições eram consideradas atos subversivos. O receio de que Kronstadt acendesse a fagulha de um levante geral pelo país afora justificava ao governo a ideia de uma intervenção rápida que pudesse controlar a situação extremamente delicada.

Com a movimentação dos marinheiros, intensificaram-se as manobras belicistas dos emigrados russos, o que constituía outro fator alarmante para as autoridades bolcheviques. Depois de quase três anos de guerra civil, as frequentes conspirações contrarrevolucionárias imprimiram um profundo temor na têmpera dos líderes soviéticos. Uma infindável corrente de boatos alimentava o pavor da “ameaça branca” entre as fileiras do partido (à semelhança da histérica “ameaça vermelha” no Ocidente). Para muitos bolcheviques – especialmente durante os primeiros dias da rebelião, quando a situação era bastante caótica e as informações pouco confiáveis -, Kronstadt emanava o inconfundível sabor de um complô antissoviético. A sucessão de generais brancos – Kornilov, Krasnov, Miller, Yudenich, Kolchak, Denikin, Wrangel -, apoiados pela Entente e pela oposição russa, motivava os bolcheviques a enquadrar o general Kozlovski em um modelo que lhes era bastante trivial. Assim, quando as notícias da revolta chegaram pela primeira vez a Petrogrado, um cunhado de Zinoviev saiu à procura de Victor Serge no Hotel Astoria. Ao encontrá-lo dormindo, gritou apavorado: “Acorda! Kronstadt caiu nas mãos dos brancos. Estamos todos em estado de alerta”[2].

Não é que os bolcheviques soubessem da existência do Memorando Secreto, pois, se assim o fosse, seguramente o teriam denunciado em sua propaganda de guerra. Todavia, tinham ciência dos planos dos emigrados para abastecer Kronstadt e enviar tropas e equipamentos em socorro dos rebeldes. Agentes soviéticos, como vimos, interceptaram a correspondência dos líderes socialistas revolucionários (SR) e conheciam bem as promessas de Chernov. Ademais, a imprensa dos emigrados escancarava aos quatro cantos a campanha de arrecadação de fundos patrocinada pelos Kadets e Outubristas com o intuito de financiar a rebelião. Tampouco as atividades de Tseidler e Grimm na Finlândia passavam despercebidas aos olhos do governo[3]. O clima de euforia e esperança vivenciado pelos exilados em Paris, Berlim e Helsingfors suscitava em Moscou e em Petrogrado o sentimento de urgência que foi expresso na resolução governamental que determinava o fim da revolta de forma rápida e decisiva.

Parecia então que as acusações acerca de um complô contrarrevolucionário não eram meras invencionices alardeadas contra os rebeldes pelos soviéticos; mas, sim, um misto de propaganda com uma sincera ansiedade ante a perspectiva real de um ressurgimento das hostilidades brancas. Por via das dúvidas, os bolcheviques procuravam por todos os meios desacreditar os rebeldes perante a população. Estavam especialmente preocupados com os efeitos da sublevação nos claustros da caserna. Se tropas soviéticas fossem realmente mobilizadas para reprimir o motim, então era mais do que necessário pintar os rebeldes como um perigoso movimento contrarrevolucionário. Assim, Kozlovski foi associado diretamente aos generais brancos da guerra civil e qualificado como o “novo Yudenich” do Báltico[4]. Em uma circular especialmente dirigida ao Exército Vermelho, o governo alegava que os marinheiros de Kronstadt poderiam ter sido dispensados e retornado aos seus lares mas, ao invés disso, preferiram atrapalhar as negociações de paz com os polacos do Riga[5].

Portanto, o governo insistia em classificar o levante como parte de “um grande plano para gerar cisões na Rússia Soviética e enfraquecer o país internacionalmente”[6]. Os brancos não apenas conspiravam para fomentar uma nova intervenção polaca como também se empenhavam em sabotar o processo de détente com o Ocidente. Em particular, pretendiam impedir qualquer mudança favorável na política de conciliação com os norte-americanos. O novo presidente da república (Harding), segundo informava a imprensa bolchevique, estava disposto a reatar os laços comerciais com a Rússia. Crença deveras ilusória que pode ter surgido com a visita ao país de um empresário norte-americano, W. B. Vanderlip, que foi tomado por Lênin como um bem-sucedido homem de negócios com influentes relações em Washington. Da mesma maneira, Lev Kamenev advertiu ao X Congresso do Partido sobre os imensos esforços efetuados pelos contrarrevolucionários para malograr o acordo comercial entre a Rússia Soviética e os britânicos[7]. Segundo comentou Leonid Krasin, emissário soviético em Londres, “certos interesses sinistros estão trabalhando, diuturnamente, para postergar ou mesmo interromper as negociações”. Apesar de tudo, Krasin previa para a rebelião de Kronstadt o mesmo destino seguido por todos os complôs anteriores da Guarda Branca: “Quando recordamos todas as agressões que o governo soviético tem sofrido e enfrentado com grande êxito nesses três últimos anos, o assunto Kronstadt é irrisório. Será tratado da maneira habitual”[8].

A maior preocupação dos bolcheviques, entretanto, era a de se evitar que os emigrados tivessem acesso a Kronstadt e, por conseguinte, convertê-la numa base de operações de desembarque no continente. Uma nova invasão significava nada mais nada menos que o reinício da guerra civil; eventualidade para a qual, em virtude do extremo esgotamento reinante no país, o regime soviético não poderia subsistir por muito tempo. Em outras palavras, o que preocupava as autoridades não era tanto assim a rebelião, mas o que ela poderia desencadear. Segundo explicava Lênin, na sessão de abertura do X Congresso do Partido, o perigo real estava tão somente no fato da rebelião de Kronstadt servir de “degrau, escada, ponte” para uma restauração branca[9]. Daí o sentido, dado por Lênin e seus colaboradores, de forjar uma identidade contrarrevolucionária aos rebeldes de Kronstadt. “Mostrem-nos quem está por trás do movimento – insinuavam os bolcheviques – que nós lhes diremos a quem vocês servem”. Curiosamente, os bolcheviques não tinham os marinheiros por perversos inimigos do povo. Ao invés disso, consideravam-nos como irmãos extraviados para os quais a compaixão fraternal não poupava o castigo merecido. “Esperamos o mais que podíamos – disse Trotsky na ocasião de um desfile das tropas que sufocaram a rebelião – esperamos os nossos camaradas marinheiros enxergar com seus próprios olhos, mas o motim parecia tê-los cegados”. E, em um tom similar, Bukarin dirigiu-se ao Terceiro Congresso do Komintern nos seguintes termos: “Quem disse que o levante de Kronstadt era branco? Não, não era. A bem da verdade, para manter a ordem, fomos forçados a reprimir a revolta dos nossos equivocados irmãos. No entanto, não podemos considerar os marinheiros de Kronstadt como inimigos. São nossos verdadeiros irmãos; em nossas veias corre o mesmo sangue”[10].

Para os comunistas estrangeiros que se encontravam na Rússia, tais como Victor Serge e André Morizet, afirmações como essas eram extremamente desconcertantes. Levados a crer que Kronstadt não era mais que uma mera repetição dos movimentos antibolcheviques da guerra civil, sentiam-se “perplexos e apreensivos”. Os marinheiros não eram tratados com o mesmo rancor que os líderes soviéticos dispensavam às legiões brancas e seus colaboradores. Quando o assunto era Kronstadt, os bolcheviques mostravam-se encabulados e concediam muitas “reservas simpáticas” aos marinheiros; algo que, para os visitantes, parecia trair a boa fé do partido. Todavia, os visitantes estrangeiros deviam compreender o difícil dilema com que se deparavam os seus camaradas bolcheviques: manter o poder e ao mesmo tempo preservar os ideais revolucionários. Atormentado por uma “inexprimível angústia”, Serge submeteu-se a um profundo escrutínio de consciência e chegou a uma conclusão favorável aos comunistas – muito embora o partido, absorvido pela gana de poder, inspirava pouca confiança na população. Serge ressalvou, a propósito, que a rebelião de Kronstadt também detinha de uma parcela de razão. Com efeito, se a ditadura bolchevique viesse abaixo, a situação ficaria à beira do caos: uma revolta camponesa generalizada, uma nova Pugachevshchina, um massacre dos comunistas, um retorno dos emigrados com suas políticas estéreis e ultrapassadas. Enfim, outra ditadura, mas desta vez antiproletária, ao invés de antiburguesa. No entanto, Serge jurou para si mesmo que jamais pegaria em armas contra famélicos operários e marinheiros que, segundo ele dizia, foram levados até o limite de suas forças[11].

Por fim, o grande problema era em que medida se justificava o uso da força contra os rebeldes. Teriam os bolcheviques tratado com seriedade uma negociação pacífica antes de mirar os canhões em direção de Kronstadt? Ou, conforme escreveu Serge, realizado todos os esforços possíveis para evitar um derramamento de sangue? A verdade é que poderiam ter feito muito mais. É certo que, transcorrida a primeira semana, desde o início da rebelião, os bolcheviques fizeram muitos apelos para os rebeldes. Suplicavam para que os marinheiros, em sã consciência, percebessem o quanto eram inconsequentes seus atos. No dia 1º. de março, segundo vimos, Kalinin e Kuzmin estiveram em Kronstadt em missão de paz e participaram ativamente da assembleia ao ar livre na Praça da Âncora. No dia seguinte, Kuzmin defendeu, em discurso proferido na Casa da Educação, as medidas emergenciais do governo. Todavia, diferentemente do que ocorreu nas greves de Petrogrado, não se ofereceu aos marinheiros nenhuma contrapartida, nenhuma concessão. Evidentemente, a situação explosiva requeria, por parte das autoridades, um pouco mais de tato e espírito conciliador. Mas foi exatamente o que faltou aos dois funcionários do governo. O tom desafiador, os modos truculentos e o posicionamento intransigente soaram tão ameaçadores que o resultado não podia ser outro que incitar ainda mais a revolta entre os marinheiros. Desde o início, as autoridades não deram mostras de boa vontade e jamais buscaram o diálogo franco e aberto. O governo ateve-se unicamente a impingir um ultimato vexatório aos rebeldes: ou criar juízo, ou sofrer as consequências.

O resultado não foi apenas desastroso, mas trágico, considerando-se que havia boas chances para uma solução pacífica, já que os insurgentes encaravam de forma amistosa e complacente uma eventual reaproximação com o governo. Porém, os bolcheviques, encalacrados na mais grave crise de sua história, não estavam em condições, sequer em termos emocionais, de firmar qualquer compromisso com os rebeldes. Viviam com os nervos a flor da pele, a ponto de explodir. Temiam os polacos, os emigrados e a Entente. Horrorizavam-se diante da possibilidade de Kronstadt transformar-se na ponta de lança de uma nova campanha intervencionista ou de influenciar um levante no continente já marcado pelo descontentamento popular, com várias ocorrências de sublevação camponesa. Receavam a perda do controle político, a anarquia resultante ou uma restauração branca. Em tais circunstâncias, consideravam bastante arriscado uma negociação com os rebeldes. Qualquer contemporização poderia ser entendida como um sinal de fraqueza ou vacilação perante atos subversivos e provocações, o que poderia precipitar o colapso da autoridade do governo. De fato, após a conquista do poder e três anos marcados por conflitos sangrentos, colocariam os bolcheviques tudo a perder por causa de um motim de impetuosos e indisciplinados marinheiros? Correriam o risco de protelar medidas repressivas na expectativa de que a revolta chegasse por si só a um desfecho pacífico? Não, o tempo não estava a seu favor. Em breve, se produziria o degelo da primavera. Sabemos pelo diário rebelde Izvestiia, de 15 de março, que a neve nas ruas da cidade de Kronstadt já estava começando a derreter[12]. Em poucas semanas o gelo do golfo da Finlândia se fundiria e se tornaria impossível para o governo realizar um assalto de infantaria à fortaleza de Kronstadt. Ademais, os dois navios de guerra encalhados no porto ficariam livres para execução de manobras militares. E, mesmo que a Finlândia persistisse em manter interditado o trânsito entre suas fronteiras, operações de abastecimento e reforços aos rebeldes poderiam chegar por via marítima. Diante deste cenário crítico, os bolcheviques precisavam agir rapidamente. Ora, que governo toleraria por tanto tempo um motim de marinheiros na principal base naval de seu território? Base essa que, se conquistada por inimigos do regime, poderia se transformar num trampolim para uma nova invasão? “Esperamos até não poder mais – disse Trotsky, momentos depois de reprimir a rebelião – mas havia o perigo do degelo e, por isso, fomos obrigados a realizar… o ataque”[13].

Provavelmente, entre tantas preocupações, as autoridades avaliavam aquelas tidas como as mais prementes, tais como: a rebelião poderia se alastrar pelo continente e provocar motins em outras unidades do exército e da marinha. O caso de Oranienbaum parecia justificar tantos temores. Na tarde de 2 de março, emissários de Kronstadt, portando cópias da resolução do Petropavlovsk, atravessaram o caminho por sobre a água congelada em direção de Petrogrado e algumas cidades vizinhas, onde foram distribuídas. Em Oranienbaum, soldados da primeira Esquadrilha Aérea Naval reuniram-se no clube militar e endossaram por unanimidade a resolução. Seguindo o exemplo de Kronstadt, elegeram seu próprio Comitê Revolucionário e, imediatamente, depois de se reunirem novamente, em um hangar nas cercanias, elegeram uma delegação da Esquadrilha Aérea composta por três homens. Estes delegados foram encaminhados à Kronstadt com o objetivo de estabelecer contato com os sublevados. À meia-noite – aparentemente, após a visita e da promessa de união – o Comitê Revolucionário de Kronstadt enviou um destacamento de 250 homens a Oranienbaum. Como vimos antes, estes homens foram recebidos a tiros de metralhadoras e forçados a se retirarem. Quando retornavam à base, os três delegados da Esquadrilha Aérea foram feitos prisioneiros pela Tcheca. Enquanto isso, o comissário da guarnição de Oranienbaum, tendo tomado conhecimento dos preparativos iniciais para a realização de um motim na base sob sua jurisdição, solicitou com urgência reforços ao Comitê de Defesa de Zinoviev. Todos os comunistas de Oranienbaum foram fortemente armados e beneficiados com a promessa de uma porção extra na ração diária. A ideia era eliminar de antemão qualquer insatisfação em razão da crise alimentar e garantir a lealdade dos soldados. Às 5 horas da manhã, do dia 3 de março, um trem blindado, com um destacamento de kursanty e três baterias de artilharia leve, chegava a Oranienbaum de Petrogrado. Os quartéis da Esquadrilha Aérea foram rapidamente cercados e seus homens aprisionados. Umas poucas horas mais tarde, depois de uma sessão de intenso interrogatório, quarenta e cinco homens foram condenados e fuzilados; dentre eles, o chefe da Divisão de Aviadores Navais Vermelhos e o presidente e o secretário do Comitê Revolucionário recém-formado[14].

A supressão do motim de Oranienbaum foi recebida pelos líderes de Kronstadt como o primeiro revés importante do movimento. Confiantes que revolta se espalharia pelo continente, forçando os bolcheviques a ceder ante suas reivindicações, os líderes recusaram-se a tomar uma ofensiva e enviaram apenas uma pequena força a Oranienbaum, com resultados desastrosos. (Os rebeldes de Oranienbaum, por sua parte, demonstraram a mesma ingenuidade ao não assumir, por meio das armas, o controle da própria base). Todavia, se se realizasse uma ofensiva à maneira da Esquadrilha Aérea – como insistiam Kozlovski e seus colegas -, Oranienbaum poderia ter sido capturada com muita pouca resistência; em seguida, os rebeldes poderiam ter marchado sobre Petrogrado e encorajado os habitantes da cidade a sublevar-se contra o governo. Mas, por melhor que fossem os conselhos estratégicos dos especialistas, os rebeldes teimosamente rechaçavam todas as suas orientações. Efetivamente, os marinheiros sentiam-se muito mais protegidos dentro de seu bastião insular do que se aventurando como soldados de infantaria pelo interior do continente. Por terem receio de não contar com homens suficientes para um ataque bem sucedido, preferiam ficar enclausurados no seio de sua fortaleza, aparentemente inexpugnável e cravejada de canhões para todos os lados, de tal forma a resistir ao assédio do governo, na expectativa de verem atendidas suas exigências.

Daqui em diante, toda recomendação para a execução de uma ofensiva foi negligenciada. Quando os “especialistas militares” propuseram quebrar o gelo do entorno da ilha de Kotlin com fogo de artilharia para torná-la invulnerável a um ataque inimigo de infantaria, o Comitê Revolucionário alegou não haver projéteis disponíveis para uma operação que era, em todo caso, inútil, já que a água voltaria a congelar em pouco tempo[15]. Assim, enquanto perdurou a sublevação, não houve uma única tentativa de isolar a fortaleza ou liberar os navios de guerra, ainda que observadores de fora supusessem tal hipótese[16]. De forma similar, quando os especialistas aconselharam os rebeldes a montar barricadas nas ruas da zona leste da cidade, região vizinha ao vulnerável Portão de Petrogrado (sugestão sem dúvida perspicaz, como se revelaria depois), o Comitê Revolucionário insistiu na falta de homens e materiais necessários para o intento, ainda que a realidade teimasse em indicar o contrário. Muito mais tarde, Kozlovski explicou a recusa dos marinheiros em acatar as orientações dos especialistas como sendo uma desconfiança congênita que os marujos nutriam pelo oficialato e autoridades superiores. Após desdenhar a obstinada indisciplina dos marinheiros, Kozlovski lamentou o fato de que a revolta fizera-se antes do degelo do golfo da Finlândia. Foi a impaciência dos marinheiros, que desejavam se desvencilhar do jugo comunista, argumentou Kozlovski, que ocasionou o início prematuro do levante[17].

Paralelamente, a rebelião fracassava em incitar a revolta no continente através de seu exemplo. Só em alguns poucos lugares – especialmente Oranienbaum, Peterhof e Petrogrado – emergiram movimentos dissidentes dispostos a defender a causa rebelde. Mas os comunistas da região foram alertados a tempo e a atividade sediciosa foi rapidamente esmagada. Em Petrogrado, por exemplo, uma delegação de marinheiros de Kronstadt tentou ganhar para o movimento a tripulação dos quebradores de gelo do Truvor (algumas fontes citam o Ermak). Aparentemente, pretendiam com isso desencalhar o Sebastopol e o Petropavlovsk e escavar um fosso na grossa camada de gelo ao redor da ilha de Kotlin, tendo em vista torná-la inacessível a uma invasão de infantaria e, talvez, abrir um canal alternativo para o oeste. Imediatamente, tropas bolcheviques ocuparam o barco e os kronstadtinos e seus simpatizantes foram presos e mantidos sob custódia[18]. Ademais, Kronstadt fez muito pouco para disseminar a revolta em outros lugares. Dos duzentos emissários enviados para distribuir as cópias da resolução do Petropavlovsk nas cidades da província de Petrogrado, poucos conseguiram evitar o cárcere. Até no extremo sul, na cidade de Dno, um trevo da estrada de ferro entre Petrogrado a Vitebsk, marinheiros que levavam panfletos acabaram sendo interceptados e detidos. Os insurgentes também tentaram inutilmente telefonar aos habitantes de Petrogrado e Krasnaya Gorka para explicar as razões da rebelião. Por sua parte, debalde foram os telefonemas das autoridades para o Comitê Revolucionário a fim de persuadi-lo a desistir em virtude da situação desesperadora na qual se encontravam os rebeldes. Ao mesmo tempo, em Kronstadt comunistas leais ao regime fizeram uso das linhas telefônicas para informar o governo sobre o estoque de munições, as reservas alimentares e o moral das tropas rebeldes[19].

Em geral, os rebeldes optaram por uma estratégia defensiva, segundo a qual os líderes acreditavam ganhar tempo até o degelo da primavera. Enquanto isso, dedicavam-se aos assuntos administrativos da ilha, especialmente, no tocante à sua defesa. Esperavam que a pautas da resolução fossem atendidas, mas também não descartavam a possibilidade de uma contraofensiva do governo. “A qualquer momento – advertia o Comitê Revolucionário Provisório, a 4 de março – poderemos sofrer um ataque dos comunistas, que esperam reconquistar Kronstadt; então seremos novamente submetidos ao seu arbítrio e reduzidos à fome, ao frio e à ruína”[20]. Durante a primeira semana, no entanto, o conflito não excedeu os limites estreitos de uma guerra de nervos.

Por que o governo esperou tanto para atacar? A demora, ao que parece, teria sido ditada tanto – se não mais – pela necessidade de realizar os preparativos militares concernentes ao ataque quanto ao desejo de se chegar a uma solução pacífica. No curso dos primeiros dias de março, os bolcheviques apressaram-se em resguardar a velha capital e outros importantes pontos estratégicos nos arrabaldes da cidade, particularmente Krasnaya Gorka e Oranienbaum, Lisy Nos e Sestroretsk, na costa da Carelia. Todos os membros do Partido Comunista de Petrogrado e povoamentos vizinhos foram mobilizados e armados. A 5 de Março, os bolcheviques agruparam uma milícia de uns quatro mil homens, acrescida por voluntários da Juventude Comunista e dos sindicatos locais. Ademais, centenas de kursanty foram recrutados nas imediações de Petrogrado e em cidades tão distantes como Moscou, Orel e Nizhni Novgorod. Tropas especiais da Tcheca (Vokhr) e soldados dos destacamentos de inspeção de estrada também foram escalados para compor as operações de repressão. Os trens que partiam de Petrogrado para Kronstadt eram minuciosamente vistoriados a fim de impedir qualquer contato com os insurgentes. Preocupados com a investida de Oranienbaum (e, talvez, pela recordação do motim antibolchevique de Krasnaya Gorka de 1919), os líderes soviéticos reforçaram as guarnições nos pontos vitais da região e realizaram pessoalmente viagens de inspeção com a finalidade de erradicar qualquer atividade sediciosa.

Mesmo quase encerradas as greves e manifestações em Petrogrado, ainda prevalecia na cidade um ambiente pesado, sintoma de um estado psicossocial que beirava o pânico. Em uma manhã do início de março, Victor Serge deixava o Hotel Astoria quando viu uma serva já idosa caminhando tranquilamente com vários pacotes sobre as mãos. “Aonde a senhora vai indo com tudo isso tão cedo, vovó?”. “Sinto cheiro de confusão no ar – replicou a mulher -, eles vão cortar o pescoço de todos vocês, pobrezinhos; vão roubar tudo de novo”[21]. Por todos os lugares, os judeus passaram a ser alvo de ameaças. Muitas fábricas e oficinas da cidade fecharam as portas devido aos incessantes rumores de confronto. A 3 de março, o Comitê de Defesa de Petrogrado, investido de poderes absolutos em toda a província, implementou severas medidas para reprimir protestos e manifestações. A cidade transformou-se em uma enorme praça de guerra. Tropas patrulhavam os bairros; cartazes eram colados nos muros das ruas com avisos proibindo reuniões e, em caso de desobediência, determinando a pena capital através do fuzilamento sumário. Durante o dia, as ruas ficaram quase desertas e, com o toque de recolher decretado a partir das 9 horas da noite, a vida noturna cessou completamente[22].

Zinoviev, que assumiu uma função tripla de chefe do partido, presidente do Soviete de Petrogrado e Presidente do Comitê de Defesa, fez pleno uso do poder concentrado em suas mãos. Durante toda a crise, atuou de forma célere e eficaz sem se deixar afetar por sua instabilidade emocional ou síndrome do pânico. A 4 de março, Zinoviev convocou uma sessão extraordinária para o soviete debater o principal assunto da agenda: Kronstadt. Além dos membros regulares, também foram convidados representantes de outras instituições – sindicatos, comitês de fábrica, unidades militares e organizações juvenis. Os líderes anarquistas Alexander Berkman e Emma Goldman, que ainda mantinham relações amistosas com o governo, estavam entre os presentes e deixaram vívidas anotações sobre a sessão, que, acrescentadas aos poucos detalhes publicados pela imprensa da época, ajudam-nos a reconstituir o evento[23].

Do início ao fim, a sessão transcorreu tumultuada. Zinoviev e Kalinin denunciavam a revolta como um complô da Guarda Branca, incitado por mencheviques, socialistas revolucionários e agentes de inteligência da Entente. De repente, um homem que estava sentado na primeira fila, um operário da fábrica Arsenal, levantou-se e articulou um discurso em defesa dos insurgentes. Apontando o dedo para Zinoviev, esbravejou: “É a sua cruel indiferença e a do seu partido que nos levou à greve dos trabalhadores. Nossos irmãos marinheiros, que lutaram lado a lado conosco na revolução, apenas prestaram solidariedade aos operários de Petrogrado. Não são culpados de nenhum crime, como você bem sabe, Zinoviev. Você mente descaradamente. O que você quer, Zinoviev, é destruir Kronstadt”. Gritos de “contrarrevolucionário”, “traidor” e “bandido menchevique” – tal como descrito por Emma Goldman – converteram a assembleia em um verdadeiro pandemônio. O operário não se mostrou abalado e, de maneira resoluta, ergueu a voz sobre as demais: “Faz três anos, apenas três anos, que Lênin, Trotsky, Zinoviev e todos vocês foram denunciados como espiões alemães. Nós, operários e marinheiros, partimos em sua defensa e salvamos o governo das mãos de Kerensky. Cuidado, para não terem um final semelhante!”

Neste momento, um marinheiro de Kronstadt tomou a palavra, intercedendo em favor do operário. Declarou que nada havia mudado no espírito revolucionário de seus camaradas e que estes estavam dispostos a defender a revolução até a última gota de seu sangue se assim fosse preciso. Então, passou a ler em voz alta a resolução do Petropavlovsk. Ato contínuo, conforme relato de Goldman, gritos e insultos foram desferidos contra ele. Em meio à confusão generalizada, Zinoviev interpelou o marinheiro, ordenou a rendição imediata de Kronstadt e ameaçou os revoltosos com a pena de morte. Ignorando os protestos de vários delegados, a sessão aprovou uma resolução cujo teor condenava o arroubo tresloucado dos marinheiros rebeldes e determinava a restauração da autoridade, por direito, do soviete de Kronstadt. Caso houver derramamento de sangue, declarava a resolução, a culpa recairá sobre a consciência daqueles que provocaram o motim. “Decidam-se de uma vez por todas! Ou vocês estão do nosso lado, contra o inimigo comum, ou vão perecer na vergonha e na desgraça, juntos com os contrarrevolucionários[24].

Uma das figuras mais esperada era Trotsky, o mais talentoso mediador em épocas de crise. Porém, não conseguiu chegar a tempo para a reunião. Quando a rebelião teve início, Trotsky encontrava-se na região oeste da Sibéria, onde ocorriam vários distúrbios camponeses. Ao inteirar-se das notícias sobre Kronstadt, voltou imediatamente a Moscou a fim de se instruir com Lênin. Então, dirigiu-se apressadamente a Petrogrado e, mal chegando à velha capital, entre os dias 4 e 5 de março, emitiu um severo ultimato (publicado a 5 de março), no qual ordenava a capitulação imediata e incondicional dos marinheiros amotinados:

“O governo dos operários e camponeses da República Soviética decretou a rendição imediata da tripulação rebelde. Ordeno a todos os que ora levantam o punho contra a pátria socialista que abandonem as armas imediatamente. Os recalcitrantes serão desarmados e entregues às autoridades soviéticas. Os comissários e outros representantes do governo, presos durante o motim, devem ser libertados agora mesmo. Somente os que se renderem incondicionalmente poderão contar com a misericórdia da República Soviética. Neste exato instante, estou redigindo uma autorização para dar início às operações de repressão e prisão dos amotinados por força das armas. Os enormes prejuízos que, porventura, a população pacífica de Kronstadt sofrer serão de inteira responsabilidade dos chefes do motim contrarrevolucionário. Esta é minha última palavra”[25].

Sim, foi uma sincera tentativa de impedir um confronto armado, obviamente, fadada ao fracasso. Ao menosprezar a animosidade dos marinheiros, o governo só reforçava a determinação dos rebeldes em resistir até que suas resoluções fossem amplamente acolhidas. “Que coubesse justamente a Trotsky tais palavras aos marinheiros – observou seu biógrafo, Isaac Deutscher – é uma dessas ironias da história. Ah! Kronstadt, a sua Kronstadt, ‘o orgulho e a glória da revolução’. Quantas não foram as vezes em que discursou na base naval nos dias agitados de 1917?! Quantas não foram as vezes em que carregaram-no nos ombros e saldaram-no entusiasmadamente como líder e amigo?! O quão devotamente o seguiam ao Palácio Tauride, à cela em que esteve preso em Kresty, às muralhas de Kazan sobre o Volga, guiando-se sempre pelo seu conselho, obedecendo cegamente às suas ordens! Quantas angústias compartilharam juntos; quantos perigos enfrentaram unidos!” Mas os tempos eram outros e o Comitê Revolucionário Provisório reagiu por meio de uma advertência ao ultimato de Trotsky: “A nona onda (isto é, a maior onda de uma tempestade no mar [“A Nona Onda” também é um quadro de 1857 do pintor romântico Ivan Aivazovsky – N.T.]) a nona onda da Revolução dos Trabalhadores há de se erguer e cobrir a Rússia Soviética, varrendo de sua superfície todos os infames caluniadores e tiranos corruptos – e não será necessário, senhor Trotsky, a sua clemência”[26].

No mesmo dia, 5 de Março, o Comitê de Defesa de Petrogrado editou um novo panfleto que foi lançado às centenas por aviões sobre a cidade de Kronstadt. Se algo pode ser dito sobre este novo folheto, chama atenção o tom da linguagem, ainda mais duro que o ultimato de Trotsky. Por trás dos socialistas revolucionários e mencheviques, estava escrito, escondem-se os oficiais brancos, a rosnar com dentes afiados. Os líderes da rebelião vêm enganando a população com promessas vazias de democracia e liberdade, mas não revelam sua verdadeira face, a do general Kozlovski e seus ajudantes, o capitão Burkser, Kostromitinov, Shirmanovsky, entre outros guardas brancos. Na verdade, lutam pela restauração do czarismo, pela volta de um novo Viren (comandante da Base Naval de Kronstadt até a ocasião de seu assassinato em fevereiro de 1917), dos mesmos que sempre sugaram a jugular do povo. Eles blefam quando falam do suposto apoio que teriam de Petrogrado, da Sibéria e da Ucrânia. A verdade é que estão desesperados e cercados por tropas leais ao governo. Para finalizar, o panfleto enunciava uma advertência profética: no último minuto, quando tudo estiver perdido, os Kozlovskys e os Petrichenkos fugirão para a Finlândia e os abandonarão à própria sorte. Então, o que farão vocês? Se acaso os seguirem, vocês realmente acreditam que terão abrigo na Finlândia? Acaso desconhecem o paradeiro dos homens de Wrangel, morrendo tal como moscas de fome e doença? A mesma sina estará reservada aos amotinados de Kronstadt, a menos que se rendam no prazo de 24 horas. Caso assim o fizerem, serão perdoados. Se resistirem, “serão caçados como perdizes”[27].

Frequentemente, a expressão “caçados como perdizes” é atribuída equivocadamente a Trotsky, sendo, na verdade, cunhada pelo Comitê de Defesa de Zinoviev. Porém, o seu efeito surtiu contrário ao esperado. Ao invés de intimidar, os marinheiros foram invadidos por uma fúria ainda mais incontrolável. Trotsky e Zinoviev transformaram-se nos mais desprezíveis vilões e símbolo de tudo o que era mais odioso e mau no regime soviético. (Lênin, que permanecia nos bastidores, passava incólume à ira de Kronstadt; mesmo na semana seguinte, quando entrou em cena, jamais lhe foi dispensado o mesmo tratamento execrável que recebiam seus dois colegas). O furor rebelde alcançou seu clímax quando as autoridades sequestraram os familiares dos marinheiros que residiam em Petrogrado. Trotsky inaugurou o sistema de reféns durante a guerra civil tal e qual uma moeda de troca usada para chantagear ex-oficiais czaristas que serviam como “especialistas militares”, em caso destes se sentirem tentados a trair o Exército Vermelho. “Que isto sirva de aviso aos traidores – dizia Trotsky, a 30 de setembro de 1918 -, aquele que nos atraiçoar, também estará traindo seus entes queridos: pais, mães, irmãs, irmãos, esposas e filhos”[28]. No caso de Kronstadt, todavia, a decisão de tomar os parentes dos rebeldes como reféns não partiu de Trotsky, como muitos relatos sugerem, mas do próprio Comitê de Defesa de Petrogrado, muito antes chegada de Trotsky. O Comitê de Defesa exigiu a imediata libertação dos três funcionários comunistas que estavam presos desde o dia 2 de março: “Se por acaso algum de vocês tocar em um só fio de cabelo de nossos camaradas, responderemos com a cabeça dos reféns”[29]. A ameaça foi divulgada no dia 5 de março, mesmo dia em que o governo emitiu o ultimato aos rebeldes. A 7 de março, o Izvestiia de Kronstadt lançou um apelo para que o governo libertasse os reféns ao término de 24 horas: “As nossas guarnições declaram que os comunistas de Kronstadt gozam de plena liberdade e suas famílias estão em absoluta segurança. Não seguiremos o exemplo do Soviete de Petrogrado, não tomaremos reféns, pois consideramos tais métodos pérfidos e vergonhosos, mesmo sob condições de extremo desespero. Jamais se ouviu falar, em toda a história, de atos tão abomináveis”[30]. No entanto, a invocação resultou inócua.

Ao tomarem conhecimento do ultimato, Alexander Berkman e Emma Goldman resolveram fazer o que estava ao seu alcance para impedir um banho de sangue. A 5 de março, o casal e mais dois de seus camaradas [Nikifor Perkus e G. Petrovsky – N.T.] enviaram uma carta a Zinoviev na qual propunham a formação de uma comissão imparcial para mediar a contenda. A comissão, que contaria com cinco pessoas, dentre elas, dois anarquistas, ficaria encarregada de formular uma solução pacífica para o conflito. A fome e o frio, justificavam os autores da carta, combinados com a inexistência de qualquer assistência compensatória, compeliram os marinheiros, padecidos por uma extrema aflição, a um protesto espontâneo contra o governo. Inversamente, os autênticos contrarrevolucionários tentariam explorar ao máximo a discórdia. Uma solução imediata, não por força das armas, mas por meio de um acordo amistoso, não os interessa. Recorrer à violência só agravaria ainda mais a crise, favorecendo a causa dos brancos. Ao mesmo tempo, um governo de Trabalhadores e Camponeses fazer uso da força contra trabalhadores e camponeses poderia desmoralizar esse mesmo governo perante o movimento revolucionário internacional[31].

Fracassadas as tentativas de atrair apoio à rebelião no extenso território continental da Rússia, a mediação de Goldman e Berkman proporcionava uma oportunidade única de reconciliação antes que os atores encenassem a tragédia do último ato da rebelião de Kronstadt. Mas os idealizadores da proposta não obtiveram resposta das autoridades soviéticas. A iniciativa não foi em vão, porém. No dia seguinte, 6 de março, o Soviete de Petrogrado telegrafou para o Comitê Revolucionário a fim de sondar qual o grau de abertura para um diálogo os marinheiros estavam dispostos a conceder em caso de uma negociação que estabelecesse a visita de uma delegação mista composta por membros do soviete, filiados e não filiados ao partido, que atuassem na qualidade de observadores neutros das partes beligerantes. Com ou sem anarquistas, o fato é que este foi o primeiro gesto no sentido de uma conciliação desde que rebelião tomou forma. Desgraçadamente, o aceno esbarrou na recusa dos marinheiros. Repletos de amargura contra um governo que acabara de fazer reféns suas esposas e filhos, os rebeldes responderam num tom sarcástico que “não confiavam na condição de não partidários dos delegados não partidários”. Como resposta, exigiram a presença de operários, soldados e marinheiros não partidários eleitos pela população de Petrogrado na presença de observadores enviados por Kronstadt e mais quinze por cento de delegados comunistas designados pelo Soviete de Petrogrado[32]. A resposta grosseira e impertinente jogou por terra um acordo com o governo. Depois disso, não houve mais nenhuma tentativa para garantir uma negociação de paz com os insurgentes.

A 7 de março, o prazo venceu. O ultimato de 24 horas, fixado no dia 5 de março, foi prorrogado por mais um dia. Mas a data limite expirou sem que nenhuma das partes desse um passo para um entendimento. Tempo suficiente, porém, para o governo organizar os preparativos militares necessários para a repressão. Uma corrente humana afluiu para Petrogrado e fortalezas dos arredores. A cada dia, chegavam mais kursanty, destacamentos da Tcheca e unidades leais ao Exército Vermelho, transferidos de todas as regiões do país. Ademais, foram convocados os mais notáveis “especialistas militares” e comandantes vermelhos. No dia 5 de março, M. N. Tukhachevsky, um oficial muito experiente, apesar da pouca idade, assumiu o comando do Sétimo Exército e de todas as tropas do distrito militar de Petrogrado, ao substituir D. N. Avrov no Comitê de Defesa. Nascido em uma família nobre da província de Penza, Tukhachevsky serviu como escudeiro do exército czarista no corpo Imperial de Cadetes Tenentes durante a Primeira Guerra Mundial. Com a Revolução de Outubro, tornou-se leal aos bolcheviques e chegou a ser um dos principais líderes militares da guerra civil. Em 1920, aos 26 anos de idade, comandou as forças vermelhas na frente norte da Polônia, onde quase teria conquistado Varsóvia, não fosse o marechal Pilsudski[33].

Agora o jovem comandante enfrentava uma das mais difíceis missões de sua carreira. O Sétimo Exército havia permanecido em Petrogrado ao longo de toda a guerra civil (bloqueando o avanço de Yudenich, em 1919) e seus homens, emocionalmente cansados, “desejavam a dispensa”[34]. Encerrada a guerra, os soldados só queriam retornar aos seus lares. Eram, em sua maioria, interioranos e compartilhavam do descontentamento camponês. Por isso, o programa rebelde não lhes despertava crítica – na verdade, os lemas de Kronstadt inspiravam-lhes até alguma simpatia. Ademais, as manifestações operárias em Petrogrado afetavam, de um modo geral, o moral das tropas. Obviamente, enviar esses homens para um combate fratricida, contra os famosos marujos reverenciados como o “orgulho e glória” da revolução, envolvia um risco temerário. Os soldados podiam muito bem se recusar a atirar contra os rebeldes ou, inclusive, passar para o lado deles. Assim, Tukhachevsky tratou de chacoalhar o estado de ânimo de seus soldados, providenciando alimentação adequada e equipamentos em bom estado. Mas, para liderar o assalto, confiou nos cadetes militares, nas forças especiais da Tcheca e nas unidades comunistas de outras regiões.

Kronstadt, enquanto isso, fortificava suas posições defensivas para barrar o ataque. Naturalmente situada em um ponto estratégico avançado, a cidade possuía numerosas guarnições e uma excelente defesa. Os rebeldes contavam com uns treze mil marinheiros e soldados e mais ou menos dois mil homens recrutados entre a população civil. A ilha de Kotlin encontrava-se rodeada por muitos fortes e unidades de bateria construídos, em sua maior parte, em fins do século XIX, pelo general e eminente engenheiro russo E. I. Totleben. Ao norte, pela linha costeira da Carelia, estavam situados os fortes Totleben e Krasnoarmeets e uma série de sete fortes numerados. Ao sul, localizavam-se os fortes Peter, Paul, Kronstantin, Alexander e mais dois fortes numerados. Instalados em torres blindadas, todas as baterias e os fortes estavam muito bem armados e equipados com canhões pesados. A cidade propriamente dita achava-se rodeada por uma grossa muralha e protegida por vários canhões estrategicamente bem posicionados. Em suma, Kronstadt possuía 135 canhões e 68 metralhadoras instalados em fortes e barcos de guerra. Uma dúzia de canhões de 12 polegadas e dezesseis de 120 milímetros guarneciam, cada um, o Petropavlovsk e o Sebastopol. Construídos às vésperas da Primeira Guerra Mundial, entre os primeiros encouraçados da Armada Imperial Russa, os dois navios eram embarcações modernas. O Petropavlovsk, restaurado após ter sido seriamente avariado por um torpedo britânico em 1919, apresentava muito boas condições de serviço. Todavia, como vimos mais acima, estavam praticamente inutilizados, pois a espessa camada de gelo circundava de proa à popa os dois encouraçados à maneira de uma arapuca. De nada adiantou aos rebeldes triturem parte do gelo que rodeava os navios, pois o espaço aberto não foi suficiente para possibilitar manobras náuticas precisas e, com isso, desobstruir as respectivas linhas de fogo bloqueadas pelas próprias embarcações. Não obstante as circunstâncias adversas, o Petropavlovsk e o Sebastopol possuíam canhões muitos superiores aos de Krasnaya Gorka. O forte mais poderoso no continente dispunha somente de quatro canhões de 12 polegadas em condições de operar e os demais armamentos estavam danificados desde o motim de 1919 sem nunca terem sido reparados completamente. De resto, os equipamentos de artilharia não tinham calibre suficiente para provocar estragos consideráveis a grandes distâncias. Portanto, em caso de um eventual duelo de artilharia, tal como vislumbrava o autor do Memorando Secreto, Krasnaya Gorka não poderia fazer frente à fortaleza da ilha com seus navios de guerra. O arsenal de Kronstadt somava ao menos vinte e quatro canhões de 12 polegadas em boas condições, doze de 11 polegadas e cinco de 10 polegadas. Além do Petropavlovsk e do Sebastopol, os rebeldes dispunham ainda de oito barcos atracados no porto e nos diques de reparação, incluindo um encouraçado, três cruzeiros pesados, quinze canhoneiras e vinte rebocadores. Não obstante, como não havia nenhum navio quebra-gelo, a frota de Kronstadt estava inoperante[35].

Abater a fortaleza não seria tarefa fácil para os bolcheviques. Além da excelente defesa, Kronstadt também se favorecia de uma ampla extensão de gelo que a separava dos fortes localizados no continente. Situava-se a 8 km de Oranienbaum e a 20 km de Krasnaya Gorka, ao sul do Golfo, e a 11 km de Lisy Nos e a 17 km de Sestroretsk, ao norte da costa da Carelia. Assim, um ataque de infantaria teria de cruzar uma assustadora e extensa planície de gelo, tornando qualquer tentativa de invasão alvo fácil do fogo mortífero da artilharia e das metralhadoras escondidas atrás dos bunkers de ferro e concreto. Atravessar as águas congeladas do golfo era o pior dos pesadelos dos soldados – mais do que a fadiga causada pela guerra ou a simpatia pelos kronstadtinos. Este panorama nada animador minava o estado de ânimo das forças comunistas reunidas nas praias do Golfo da Filândia, à espera de uma ordem para avançar.

Todavia, por mais inexpugnável que pudesse parecer, a fortaleza de Kronstadt apresentava várias fragilidades preocupantes. Entre elas, destacam-se: as escassas reservas de munição, que eram insuficientes para resistir a um cerco prolongado; a falta de roupas e calçados de inverno; e a falta de combustível, que afetava as embarcações – no caso do Petropavlovsk, restavam somente 300 toneladas de reserva (a média diária consumida era de 40), e no Sebastopol, nada. Pior ainda, os armazéns de alimentos esgotavam-se rapidamente. E, muito embora os habitantes da ilha cultivassem batatas nas hortas coletivas, as provisões de enlatados e carne de cavalo estavam em um nível alarmantemente baixo. Não havia farinha no estoque e só se contava com um pouco de pão de baixa qualidade, suficiente apenas (segundo algumas estimativas bem informadas) para duas semanas de ração diária de 250 gramas por pessoa[36]. Diante de tantas incertezas, pelo menos alguma coisa estava muito clara: tanto os bolcheviques como os marinheiros rebeldes sofreriam muito antes da rebelião chagar ao fim.

As operações militares tiveram início no dia 7 de março. Às 6h45 da noite, as baterias comunistas de Sestroretsk e Lisy Nos, na costa norte, abriram fogo contra Kronstadt. As descargas visavam debilitar as defesas rebeldes a fim de viabilizar o quanto antes um assalto de infantaria. Quando os fortes responderam ao ataque, o canhão de Krasnaya Gorka, na costa oposta, replicou com rajadas de balas. Por sua vez, o Sebastopol revidou com eloquentes tiros de canhões de 12 polegadas. Estava em curso um duelo de artilharia de grandes proporções. Em Petrogrado, Alexander Berkman atravessava a perspectiva Nevsky quando ouviu os estrondos dos canhões. Estão atacando Kronstadt! O trovejar da guerra produziu um efeito demolidor no líder anarquista, destruindo de uma vez por todas o que ainda restava de sua pouca fé no regime bolchevique. “Dias de angústia e bombas” – registrou no seu diário. “Meu coração está paralisado, desesperado; algo morreu dentro de mim. A pessoas nas ruas estão abatidas pela tristeza, atormentadas. Ninguém se anima para um bate-papo. O troar dos canhões pesados dilacera-me, rasgando o ar”[37].

No dia 7 de março comemorava-se o Dia das Mulheres Trabalhadoras. Debaixo do ribombar dos projéteis que explodiam, a rádio de Kronstadt enviou uma saudação às trabalhadoras do mundo todo. Os rebeldes denunciavam os comunistas como “inimigos do povo trabalhador” e conclamavam o fim da tirania e do despotismo de qualquer espécie. “Que as mulheres possam realizar tão logo a libertação de toda forma de violência e opressão. Longa vida às mulheres trabalhadoras livres e revolucionárias! Longa vida à revolução social em todo o mundo![38]

O fogo cruzado dos canhões não durou muito tempo. As condições meteorológicas mudaram rapidamente. Uma forte nevasca correlacionada a uma densa neblina reduziu a visibilidade a zero. Os disparos cessaram de lado a lado. Kronstadt quase não sofreu dano significativo e contabilizou apenas dois feridos. Todavia, o Comitê Revolucionário manifestou seu agravo por meio de uma nota. Principiam os primeiros tiros, declarava o Izvestiia de Kronstadt na manhã seguinte, mas o “navio pirata” dos bolcheviques que se aproxima será por nós naufragado. “Todo poder aos sovietes! Soltem suas mãos do poder, mãos que estão maculadas pelo sangue dos que caíram pela causa da liberdade, dos que lutaram contra os Guardas Brancos, os latifundiários e a burguesia!”[39].

De acordo com o plano de Tukhachevsky, o bombardeio de artilharia deveria abrir caminho para o assalto da fortaleza. O ataque deveria partir das praias do norte e do sul no continente ainda antes do amanhecer. Na manhã seguinte, em meio a uma volumosa tempestade de neve, os soldados de Tukhachevsky, camuflados com sobretudos brancos, marcharam sobre o golfo da Finlândia. Na linha de frente, avançavam os cadetes escoltados por unidades de elite do Exército Vermelho e, na retaguarda, oficiais da Tcheca que, armados com metralhadoras, tinham ordens explicitas para atirar em qualquer um que se atrevesse a desertar. Do outro lado, os kronstadtinos aguardavam atentos a chegada das tropas inimigas. À medida que estas se aproximavam dos fortes e baterias, eram recepcionadas com tiros fatais de artilharia e metralhadora. Muitos projéteis caíam e explodiam na superfície abrindo na grossa camada de gelo uma tumba de água onde dezenas de soldados fizeram sua última morada. Eis o prólogo de um horrível fratricídio, lamentou Serge[40]. Momentos depois das primeiras vítimas terem sido tragadas pelo golfo, alguns dos soldados vermelhos, incluindo um corpo de kursanty de Peterhof, desertaram e passaram para o lado dos insurgentes. Outros se recusavam a continuar, apesar das ameaças da retaguarda, disposta a atirar ao menor sinal de vacilação. O comissário do grupo do norte relatou que suas tropas desejavam enviar uma delegação a Kronstadt para tomar conhecimento de suas queixas. Na noite anterior, segundo parece, soldados bolcheviques haviam ido até a cidade em pequenos grupos para trocar livros com os kronstadtinos[41]. No final, somente uma fração das tropas de assalto conseguiu alcançar os fortes exteriores, mas foram obrigados a bater em retirar ante a vigorosa saraivada de balas de Kronstadt.

Ao amanhecer, a tormenta de neve cessou, desvelando a ampla planície de gelo recoberta de corpos espalhados por todos os lados. Restabelecida a visibilidade, as baterias comunistas reiniciaram o ataque à fortaleza, enquanto os canhões de Kronstadt contra-atacavam causando estragos no setor ferroviário de Oranienbaum a Peterhof e em uma série de edifícios que se consumiram pelas chamas. Uma operação de sondagem foi realizada pela infantaria soviética sem obter qualquer resultado. Durante a tarde, os aviões comunistas sobrevoaram o golfo e, pela primeira vez, desde a campanha de Yudenich, no Báltico, em 1919, bombardearam as fortificações de Kronstadt. Os ataques aéreos continuaram esporadicamente ao longo do dia, mas não provocaram muitos danos. Por volta das 6 horas da tarde, uma bomba explodiu na cidade, destruindo uma casa e ferindo levemente um garoto de 13 anos. Durante toda a revolta, a péssima visibilidade ocasionada pelo clima hostil e as eficientes baterias antiaéreas rebeldes quase neutralizaram por completo os ataques pouco efetivos da aviação bolchevique[42].

A 8 de março, mal havia iniciado o combate e o Soviete de Petrogrado anunciou em tom triunfal “a derrota plena” das tropas rebeldes. No mesmo dia, na sessão de abertura do X Congresso do Partido em Moscou, Lênin pronunciou um discurso em que se mostrava confiante numa vitória rápida do governo. “Não disponho ainda das últimas notícias de Kronstadt – disse – mas eu não tenho nenhuma dúvida de que a rebelião, maquinada pela figura oculta de algum general da Guarda Branca, será aniquilada dentro de uns poucos dias, senão horas”[43]. Tais declarações, como se constatou depois, eram bastante prematuras. Na realidade, o assalto do dia 8 de março resultou em um redundante fracasso. Os comunistas perderam centenas de homens sem conseguirem abrir sequer uma brecha nas defesas de Kronstadt[44]. Em seu afã para reprimir a revolta, empregaram um contingente militar insuficiente – talvez uns 20 mil homens despreparados para um assalto à poderosa fortaleza. Ademais, tropas criteriosamente selecionadas por demonstração de fidelidade hesitaram em um momento crucial. Em parte, porque relutavam em atirar contra marinheiros e soldados comuns como eles próprios; e, sobretudo, porque temiam atravessar desprotegidos a superfície do golfo, expondo-se ao fogo cruzado das devastadoras baterias e dos fortes de Kronstadt.

Naquela noite, um grupo de bolcheviques aproximou-se de Kronstadt pelo flanco sul e hasteou uma bandeira branca. Dois membros do Comitê Revolucionário Provisório, Vershinin e Kupolov, saíram a cavalo para encontrá-los. De acordo com um kursanty, do partido bolchevique, Vershinin, que era marinheiro do Sebastopol, lançou um apelo para que todos se unissem contra os opressores judeus e comunistas. Em seguida, propôs novas eleições para sufragar uma autoridade revolucionária legítima através dos sovietes livres[45]. Mas Vershinin foi preso no ato enquanto Kupolov conseguiu fugir a galope.

Os rebeldes ficaram indignados com a traição torpe dos bolcheviques. Mas, afinal, relevaram, dada a enorme compaixão que sentiam dos soldados bolcheviques tombados durante a batalha. Em um editorial intitulado “Que todo o mundo saiba”, o Comitê Revolucionário responsabilizava o “marechal-mor” Trotsky pelo o derramamento de sangue [No original, entre aspas, “Field Marshal”. Marechal de campo era o posto militar mais alto no Império Russo czarista, abolido pela revolução em 1917. Notem a ironia. Marechal-mor é por conta deste tradutor – N.T.]. Para evitar mais violência, o comitê propôs que se enviasse novamente a Petrogrado [no original “Kronstadt”, provavelmente um erro de edição – N.T.] uma delegação apartidária para dar esclarecimentos sobre os verdadeiros objetivos do movimento. “Que todo trabalhador do mundo saiba que nós, os guardiões do poder soviético, zelamos pelas conquistas da Revolução Social. Venceremos ou morreremos sob as ruínas de Kronstadt, lutando pela causa justa da classe trabalhadora. Somente os trabalhadores do mundo poderão nos julgar. O sangue dos inocentes recairá sobre as cabeças dos fanáticos comunistas completamente embriagados pelo poder. Longa vida ao poder dos sovietes!”[46].

5. O programa de Kronstadt

A rebelião de Kronstadt durou pouco mais de duas semanas. Todavia, neste curto lapso de tempo, uma comuna revolucionária admirável floresceu sob a liderança do Comitê Revolucionário Provisório que, sem contar com qualquer planejamento prévio e em longo prazo, revelou um dom excepcional para auto-organização e improvisação estratégica. No dia 2 de março, como vimos acima, durante uma conferência realizada na Casa da Educação, o comitê foi criado a partir da eleição de uma comissão de cinco representantes do movimento insurrecto. Entretanto, dada a complexidade requerida pela administração da defesa e das guarnições da cidade, logo se tornou patente a necessidade de ampliação dos encargos na organização. Assim, na noite de 4 de março, após o fim do expediente de trabalho, cerca de duzentos delegados das fábricas e unidades militares de Kronstadt – presumivelmente os mesmos que haviam participado na assembleia da Casa da Educação – reuniram-se no Clube Militar e, aos gritos de “Vitória ou morte!”, elegeram um comitê revolucionário formado por quinze dos mais experientes marinheiros da frota[47].

Para viabilizar as tarefas diretivas dos assuntos civis e militares de Kronstadt, o novo comitê transferiu seu quartel general do navio de guerra Petropavlovsk para a Casa do Povo, no centro da cidade. Para preencher as funções executivas auxiliares da presidência do comitê, exercida por Petrichenko, foram eleitos Yakovenko e Arkhipov, ocupando ambos a vice-presidência, e Kilgast, para o cargo de secretário. As demais atribuições foram divididas por setores específicos de responsabilidade: couberam a Valk e Romanenko, os assuntos civis; a justiça, a Pavlov; os transportes, a Baikov (cujo trabalho habitual em Kronstadt havia sido o de chefe de transportes do departamento de construções de fortalezas); Tukin foi encarregado do abastecimento de alimentos; e Perepelkin, da agitação e propaganda[48].

De acordo com o Item 9 da resolução do Petropavlovsk, foi abolido o racionamento diferencial de comida, instalado sobre os privilégios de ração especial a alguns setores, com exceção de hospitais e creches. Pessoas enfermas ou sob prescrição médica também podia ter acesso à alimentação extra. Em todos os demais casos, os alimentos deveriam ser distribuídos equitativamente através de cupons de troca. O Comitê Revolucionário passou a vigiar e supervisionar as duas entidades oficiais – Gorkommuna e Gorprodkom – que forneciam alimentos para Kronstadt [Gorkommuna – Comuna Municipal – e Gorprodkom – Comitê de Produção Municipal – eram duas associações que forneciam produtos alimentícios a Kronstadt durante a administração bolchevique – N.T.]. Periodicamente, os pontos de distribuição eram divulgados no jornal Izvestiia do Comitê Revolucionário Provisório. O comitê utilizava também a rádio do navio Petropavlovsk para emitir boletins especiais à população da cidade e para estabelecer comunicação com o mundo exterior[49].

Nos primeiros dias do levante, foi imposto o toque de recolher a partir das 11 horas da noite e um rigoroso controle da circulação dentro e fora da cidade. As escolas fecharam até segundas ordens. Ao mesmo tempo, o Comitê Revolucionário publicou uma série de éditos que afetavam a estrutura política de Kronstadt. De acordo com o item 7 da resolução do Petropavlovsk, foi abolido o departamento político da fortaleza e instituído um novo programa educacional no Clube Militar. A Superintendência de Operários e Camponeses [Comissariado do Povo para Inspeção dos Trabalhadores e Camponeses, tradução livre de Narodnyy Komissariat Raboche-Krest’yanskoy Inspektsii ou “Rabkrin”, substituiu em 1920 o Comissariado do Povo para o Controle do Estado. No original Workers’ and Peasants’ Inspectorate – N.T.] foi substituída por uma comissão de delegados sindicais projetada para, segundo suspeitamos, atuar como uma “secretaria itinerante de controle”, na forma como prevista no artigo 14 da Constituição do Petropavlovsk [Não se trata da “resolução” mas de uma “constituição” adotada pelo Comitê Revolucionário Provisório a 2 de março. No original charter – N.T]. Ademais, para executar as ordens do Comitê Revolucionário em nível local, uma troika revolucionária – sem membros comunistas – foi eleita em todas as instituições públicas, sindicatos, fábricas e unidades militares[50].

Enquanto durou a rebelião, a conferência dos delegados, que havia se reunido na Casa da Educação, permaneceu exercendo atividades deliberativas ao lado do Comitê Revolucionário, por intermédio da participação de marinheiros, soldados e trabalhadores, que oscilavam entre duzentos a trezentos associados. Como vimos, a conferência do dia 4 de março ampliou as funções do Comitê Revolucionário. Nos dias 8 e 11 de março, criou, entre outras coisas, o novo Conselho Sindical de Kronstadt, isento da dominação e do controle do Partido Comunista. Não é surpreendente, todavia, que sua agenda estivesse quase toda ocupada por questões relativas à defesa e ao abastecimento de alimentos e combustível da cidade[51]. Dada a sua importância, uma autoridade descreveu a conferência como um tipo distinto de parlamento[52] ou, mais precisamente, uma espécie de soviete interino – um protótipo dos “sovietes livres” que haviam dado origem à revolta.

Por trás de todas estas atividades decisórias, os marinheiros constituíam uma força militante dinâmica, sendo, portanto, o elemento mais engajado da população de Kronstadt. Em questões de organização, planejamento e propaganda, os marujos, tripulantes dos navios de guerra, eram sempre os primeiros a tomar a iniciativa e, até o final, desempenharam o protagonismo na curta história da rebelião de Kronstadt. Nem um único soldado (e muito menos um oficial) ocupou uma única cadeira no Comitê Revolucionário Provisório e, quanto aos operários e empregados civis, estes formaram apenas uma pequena minoria no conselho. Entretanto, se os marinheiros assumiram a linha de frente, não se contentou a mero papel coadjuvante a guarnição de Kronstadt – “os especialistas militares” e as tropas do Exército Vermelho que constituíam os efetivos das baterias e dos fortes da ilha -, que não hesitou em momento algum diante do empreendimento rebelde e aderiu prontamente ao movimento. Também manifestaram apoio incondicional à rebelião os habitantes da cidade. Obviamente, os cidadãos de Kronstadt sempre se mostraram muito suscetíveis à influência dos marinheiros, já que mantinham mutuamente estreito contato profissional devido à atividade econômica em torno da base naval. Desde então, Kronstadt foi sacudida de sua indiferença e, por um breve intervalo de tempo, vivenciou intensamente uma nova era de esperança. Um jornalista finlandês, que visitou a ilha no auge da rebelião, impressionou-se com o “entusiasmo dos kronstadtinos, que pareciam cumprir uma missão e um propósito maior”[53].

De certo modo, o estado de ânimo da população de Kronstadt, conforme se tem observado frequentemente[54], resgatava os dias de grande efervescência e exaltação dos anos de 1917. Para os marinheiros, que se autoproclamavam “Communards”, 1917 era a tão sonhada Idade de Ouro. Assim sendo, lutavam para reconquistar o espírito da revolução, época em que desabaram as travas da disciplina e os ideais revolucionários não estavam contaminados pela urgência do poder. Quatro anos antes, quando uniram sua sorte à dos bolcheviques, supunham compartilhar dos mesmos objetivos revolucionários. Os companheiros bolcheviques pareciam-lhes partidários da extrema esquerda, apóstolos da sublevação de massa que eliminaria a opressão e a injustiça e comprometidos com a fundação de uma república de trabalhadores a partir dos sovietes livres. “O socialismo – declarou Lênin, em novembro de 1917 – não se constrói de cima para baixo. O automatismo burocrático e estatal é alheio ao seu espírito; o socialismo é vivo, criador; é unicamente criação das massas populares”[55]. Nos meses que se passaram, todavia, o que se viu foi a edificação de um poder centralizado sob a égide da ditadura de um partido. Obviamente, os marinheiros julgaram-se traídos e saíram com a sensação de que os princípios democráticos por que tanto combateram foram abandonados por um partido que se arvorou à condição de uma nova elite de privilegiados. Durante a guerra civil, a frota sempre demonstrou lealdade aos bolcheviques, mesmo sem nunca ter desistido de suas aspirações de retomar o sentido original da revolução. Agora que os brancos não representavam mais obstáculo, os marinheiros estavam decididos a fazer dos ideais de Outubro uma realidade efetiva. Por isso, levantaram-se.

Do ponto vista político, a revolta foi descrita, e com razão, pelo Izvestiia de Kronstadt, como o desenlace de um conjunto de esforços pelos quais revolucionários desiludidos empenharam-se, no intuito de erradicar o “pesadelo” da ditadura comunista[56] e, daí, restaurar o poder real dos sovietes. Do ponto de vista histórico, as raízes do soviete remontavam às tradicionais aldeias comunais de autogestão local da Rússia. Como bem observou Emma Goldman, o soviete não era mais que “uma forma desenvolvida e revolucionária do antigo mir russo, profundamente arraigado nos hábitos e costumes da população, e que nascia tão naturalmente no solo da Rússia como as flores desabrocham no campo”[57]. Para Lênin, todavia, os sovietes livres, independentes do controle do partido, foram sempre objeto de censura. De uma forma instintiva, o líder bolchevique duvidava do espontaneísmo das massas populares. As vicissitudes inerentes à organização da democracia local, receava Lênin, poderiam servir de escada para uma reação conservadora ou levar o país ao caos econômico e social. No curso de uma revolução, no entanto, os sovietes locais brotam por todos os lugares e são úteis, assim reconhecia Lênin, enquanto força capaz de destruir a velha ordem, além de serem instrumentos valiosos para a conquista do poder. Eis por que o lema “todo poder aos sovietes” tornou-se um dos principais emblemas do partido. Porém, após o golpe de outubro, Lênin retomou, na prática, suas antigas teses sobre o centralismo político, ao impor uma ditadura revolucionária às massas anárquicas e indisciplinadas. O sistema soviético como uma nova forma superior de governo, à maneira da “ditadura do proletariado” formulada por Marx, tal como Lênin propugnou, transformou-se em marca fantasia de uma burocracia nascente. O fato é que, a partir de 1921, os sovietes foram paulatinamente submetidos ao controle partidário.

Contra essa fórmula corrompida de revolução, os marinheiros ergueram sua voz em um uníssono protesto. Os motivos, segundo vimos, orbitavam em torno do ideal popular referente à “república de trabalhadores”, a qual contrastava frontalmente com a ditadura dos bolcheviques, travestida de “ditadura do proletariado”. Sem demora, os marinheiros tornaram-se os principais adversários da dominação unilateral do partido único. Para eles, não havia alternativa, senão abolir o monopólio do poder comunista. Por isso, exigiam novas eleições para os sovietes. Por isso, encamparam uma luta intrépida em prol da liberdade de expressão, de imprensa e de reunião de operários e camponeses. Como observou Berkman, por muito tempo, os marinheiros foram os mais tenazes sustentáculos do sistema soviético, fazendo do lema bolchevique de 1917 o seu grito de guerra: “todo o poder aos sovietes”[58]. Porém, diferentemente dos bolcheviques, entendiam os sovietes como associações livres, em harmonia com as verdadeiras aspirações do povo, por meio da representação de todas as organizações de esquerda – socialistas revolucionários (SR), mencheviques, anarquistas, maximalistas. Daí que o lema inscrito no cabeçalho do Izvestiia incluía um adendo sugestivo: “Todo o poder aos sovietes, não aos partidos”. No dia 6 de março, a rádio do Petropavlovsk transmitiu a seguinte mensagem: “A nossa causa é justa. Resistiremos em nome do poder dos sovietes, não dos partidos. Resistiremos em nome de uma representatividade universal dos trabalhadores livremente eleita. Os sovietes foram cooptados e manipulados pelo Partido Comunista, nunca levam em conta nossas demandas e necessidades. Quando nos dão alguma resposta, são tiros, balas de revólver, unicamente”[59].

Todavia, a reivindicação por sovietes livres não fazia dos marinheiros democratas no sentido de quem professa igualdade de direitos e liberdade para todos. Ao mesmo tempo em que condenavam os bolcheviques, reclamavam para a sociedade russa uma rigorosa postura classista. Para eles, o conceito de liberdade só se aplicava aos operários e camponeses, jamais aos latifundiários e às classes médias. Assim devia ser a “republica dos trabalhadores”: o poder da vontade geral das massas laboriosas sobre seus antigos opressores e exploradores. No programa de Kronstadt nunca se concedeu espaço para um parlamento liberal, nos moldes da Europa ocidental; e é muito simbólico, a esse respeito, o fato de um marinheiro de Kronstadt ter sido o responsável por dissolver a assembleia constituinte de janeiro de 1918. Três anos mais tarde, os marinheiros continuavam a opor-se radicalmente a uma assembleia legislativa ou qualquer instituição análoga. Aos seus olhos, o parlamento nacional estava fadado a ser controlado, quer por uma nova minoria de privilegiados, quer pelos mesmos grupos que a revolução havia extirpado da Rússia. Para os marinheiros, o regime democrático representativo não servia para nada. Somente a democracia direta, das massas proletárias, coadunava com a prática dos sovietes livres. “O baluarte dos trabalhadores são os sovietes, não a assembleia constituinte”, anunciava o Comitê Revolucionário Provisório[60]. Em resumo, o parlamento e os sovietes eram formas antagônicas de governo, sendo o primeiro um instrumento da supremacia burguesa e, o segundo, o verdadeiro poder dos trabalhadores. Diante da nova conjuntura, temiam que uma assembleia pudesse se converter, desta vez, numa ferramenta dos bolcheviques, em sua escalada ao poder absoluto. Depois da queda de Kronstadt, um jornalista soviético perguntou a um grupo de rebeldes sobreviventes por que não postularam o restabelecimento da assembleia constituinte. “As listas do partido são dominadas por comunistas” (A raz spiki-znachit kommunisty), retrucou um deles com um sorriso amarelo. O que desejamos, continuou, é a autogestão dos operários e camponeses, que só é possível através da autodeterminação dos sovietes[61].

Naturalmente, o programa econômico de Kronstadt passava ao largo do sistema do comunismo de guerra. Era um reflexo das ambições camponesas e operárias, que pressupunham a supressão das políticas coercitivas a que todos estavam submetidos por quase três anos. Os kronstadtinos (seguindo um arcaico costume russo) acusavam o governo – e somente o governo – de todos os males que afligiam o país. Eximiam de toda culpa os fatores da crise gerados pelo caos e a destruição da guerra civil, a devastação nos campos de batalha, as tentativas de intervenção ou sansões dos aliados, a escassez crônica de combustível e matérias-primas, a carestia alimentar ou a falta de insumos para tratar os doentes em meio à fome e a peste. Todo o sofrimento e penúria eram imputados ao regime bolchevique: “A dominação comunista tem reduzido a Rússia à pobreza, à fome, ao frio e à carência absoluta. Fábricas e moinhos estão fechados. Estradas de ferro, à beira de um colapso. O campo está sendo esfolado até os ossos. Não temos nem pão, nem gado, nem ferramentas para lavrar a terra. Não temos vestimentas, sapatos ou combustível. Os operários estão famintos e amedrontados. Os camponeses e os habitantes das cidades perderam toda a esperança de uma vida melhor. Dia após dia, a morte anda a espreitar cada vez mais de perto. Os traidores comunistas são os únicos responsáveis por tudo isso”[62].

Os marinheiros, assim como os camponeses, dos quais provinham muitos deles, condenaram com veemência a “nova servidão” imposta pelo regime bolchevique, que se materializava, principalmente, no confisco de alimentos pelas tropas do governo. “Tinha razão o camponês – declarava o Izvestiia de Kronstadt – quando disse ao VIII Congresso dos Sovietes: ‘Tudo anda às mil maravilhas, a terra é nossa mas os cereais pertencem ao governo; a água é nossa mas os peixes pertencem ao governo; os bosques são nossos mas a madeira pertence ao governo’”[63]. Todo agricultor, por mais pobre ou desesperado que seja, que resiste ao saque do governo, acrescentava o jornal, é denunciado como um “kulak” ou “inimigo do povo”. O Izvestiia também criticava a criação de granjas estatais em algumas das melhores terras aráveis expropriadas da burguesia. O cerceamento da terra, que os camponeses acreditavam sua por direito, reintroduziu o trabalho assalariado tal como na época czarista. Para os insurgentes, as políticas implementadas pelos bolcheviques violavam o espírito essencial da revolução, que havia abolido a “escravidão do salário” e toda forma de exploração. O Izvestiia clamava por fazer valer o direito do camponês de cultivar o solo em pequena escala com suas próprias mãos e para usufruto próprio, pois as granjas estatais eram “o latifúndio de um novo proprietário: o Estado. Quanto aos camponeses, despojados das terras recém-conquistadas, nada possuíam. Eis a paga do socialismo bolchevique: em troca do cereal, das vacas e dos cavalos confiscado, as invasões da Tcheca e os pelotões de fuzilamento. Que excelente negócio sob os auspícios de um governo de trabalhadores: chumbo e baionetas por restos de migalhas de pão!”[64].

No setor industrial, os rebeldes também mantinham a expectativa de que operários e pequenos artesões fossem igualmente donos de seu próprio destino e livres para apoderar-se dos produtos de seu trabalho. Todavia, não eram a favor do “controle operário”, como se costuma pensar frequentemente. A simples tarefa de supervisão da produção por comitês locais de fábrica era, em seu parecer, inadequada e ineficaz: inadequada, porque em lugar de permitir aos trabalhadores o gerenciamento coletivo das fábricas, delegava a responsabilidade das posições-chave de comando aos antigos gerentes e técnicos burgueses; insuficiente, por não proporcionar a necessária coordenação com outras empresas. Tampouco aprovavam a nacionalização da indústria sob o controle estatal da produção gerenciado por técnicos e especialistas designados pelo governo. “Após desorganizarem a produção por intervenção do ‘controle operário’ – argumentava o Izvestiia de Kronstadt -, os bolcheviques implantaram a nacionalização das fábricas e oficinas. O trabalhador passou então de escravo do capitalismo a escravo das empresas estatais”. Os sindicatos, por seu turno, foram convertidos em “templos da centralização do poder comunista” e, em vez de gerir fábricas e promover o desenvolvimento da cultura e educação dos trabalhadores, ficaram reduzidos a um papel decorativo. Para os rebeldes, somente a convocação de novas eleições poderia restituir a liberdade dos sindicatos com “plena autodeterminação” dos trabalhadores. Quanto aos artesões e donos de oficina, era lhes concedido a mais completa autonomia, desde que não empregassem o uso de mão de obra assalariada no processo de manufatura. “A Kronstadt revolucionária – proclamava o Comitê Provisório – luta por um socialismo diferente, por uma república soviética dos trabalhadores, na qual o produtor é patrão de si mesmo e dono exclusivo dos produtos de seu trabalho”[65].

A tônica pela qual girava a rebelião repousava na desilusão dos marinheiros com a dominação comunista. O único medo dos bolcheviques, declarava o jornal rebelde Izvestiia, é perder o poder e, para que isso não ocorra, consideram “permissível usar de todos os meios possíveis, desde a calúnia, passando pela violência, o logro, o assassinato, até a vingança contra as famílias dos rebeldes”[66]. Os bolcheviques transformaram a revolução numa caricatura de operários e camponeses. Já os trabalhadores de carne e osso foram subjugados e todo o país silenciado pelo partido e sua polícia secreta. As prisões estão lotadas, não só de contrarrevolucionários, mas de trabalhadores e intelectuais. “No lugar do velho regime – lamentava o Izvestiia -, foi inaugurado um novo regime arbitrário, insolente, clientelista, ladrão e especulador; um regime terrível, para quem é imperativo ajoelhar perante o altar das autoridades, implorar por cada pedaço de pão, por cada botão de roupa; um regime pelo qual não se detém do próprio trabalho e sequer se pertence a si mesmo; um regime de escravidão e degradação… a Rússia Soviética tem transformado toda a Rússia em um vasto campo de concentração”[67].

Como resolver isso? Como resgatar o sentido original da revolução? Até 8 de março, data em que os bolcheviques deram início ao ataque, os insurgentes ainda confiavam numa solução pacífica. Tinham para si que os princípios justos que guiavam o movimento por si só mobilizariam o apoio de todo país – em especial, Petrogrado -, ao ponto de forçar o governo a fazer as necessárias concessões políticas e econômicas. Todavia, a ofensiva comunista imprimiu uma mudança radical no curso da rebelião. Daí por diante, foram ignoradas todas as oportunidades para um acordo ou uma negociação de paz. Para ambos os lados, não restou outra saída a não ser o caminho da guerra. Kronstadt ergueu um novo estandarte: a “terceira revolução”. Os rebeldes conclamavam a união de toda a população para dar cabo à tarefa iniciada em fevereiro e outubro de 1917: “Marcham perseverantes operários e camponeses, sempre avante! Passaram por cima do regime burguês da assembleia constituinte e agora deixam para trás a ditadura do partido comunista, com sua Tcheca e seu capitalismo de Estado, cujo garrote sufoca as massas trabalhadoras e ameaça estrangulá-las… Kronstadt lança a pedra angular da terceira revolução, ao romper os últimos grilhões que acorrentavam as massas trabalhadoras. A terceira revolução irá desbravar um novo e amplo caminho para a criação socialista”[68].

É muito comum entre historiadores, ocidentais ou soviéticos, associar o programa de Kronstadt a algum partido de esquerda antibolchevique. Cabe se perguntar se há alguma verdade em tais comparações. Sem dúvida, em muitos aspectos, os reivindicados rebeldes coincidem, de fato, com o espectro ideológico da oposição política de esquerda. Os mencheviques, os socialistas revolucionários (SR) e os anarquistas também contestavam o monopólio político bolchevique e, por extensão, o sistema do comunismo de guerra. Todos esses grupos lutavam por sovietes e sindicatos livres, direitos civis para operários e camponeses e, sobretudo, pelo fim do terror que encarcerava socialistas e anarquistas nas masmorras do governo. Ainda em outubro de 1917, socialistas revolucionários (SR) e mencheviques impulsionaram a ideia pela formação de um governo de coalizão em que todos os partidos socialistas estivessem representados, recebendo, inclusive, apoio sincero de um grupo de bolcheviques: “A nossa posição é a de que se faz necessário constituir um governo socialista de todos os partidos que estão integrados nos sovietes. Do contrário, não há alternativa: o monopólio de um único partido redundará no terror político. Não podemos e não desejamos aceitar tal estado de coisas. Prevemos que a política atual caminhará… para o estabelecimento de um regime irresponsável e a ruína da revolução e de todo país”[69].

Os rebeldes dividiam com os socialistas revolucionários (SR) uma preocupação básica, a saber, a questão camponesa e a situação dos pequenos produtores, conquanto dispensassem pouco interesse para os problemas complexos da indústria em grande escala. Mas a afinidade parava por aí. Como vimos, os marinheiros divergiam radicalmente dos socialistas revolucionários (SR), sobretudo, acerca das demandas de que estes não abriam mão, quais sejam, a restauração da assembleia constituinte e o apoio incondicional ao respeitado líder socialista revolucionário Victor Chernov. Não é necessário ir mais longe, basta isso para descartar toda e qualquer influência dos socialistas revolucionários sobre o movimento rebelde de Kronstadt. O mesmo se poderia dizer a respeito dos mencheviques, que foram em seu tempo os campeões na defesa do soviete, desde sua aparição em 1905. Todavia, a despeito da base teórica da fundação do primeiro soviete de Petersburgo, de autoria do líder menchevique Akselrod, coincidir com as concepções dos marinheiros sobre estes conselhos, que deviam ser apartidários e contar com a participação de trabalhadores, soldados e marinheiros, a influência menchevique nunca chegou a ser muito grande em Kronstadt, tradicional bastião da extrema esquerda. Embora muitos mencheviques pudessem ser encontrados entre artesões e trabalhadores da cidade e dos estaleiros (por exemplo, os operários Valk e Romanenko, membros do Comitê Revolucionário, foram identificados pelas fontes soviéticas como mencheviques), o programa de Kronstadt fazia tabula rasa das principais questões que afetavam o proletariado industrial. Portanto, o envolvimento dos mencheviques na revolta dos marinheiros – a coluna dorsal da insurreição – foi ínfimo. Vale lembrar ainda que a liderança menchevique de Petrogrado e demais cidades sempre se posicionou desfavorável à derrubada do regime bolchevique por força das armas.

A influência do anarquismo, em compensação, sempre foi muito poderosa na frota de Kronstadt. Mas a tese de que o levante tinha inspiração anarquista é falsa. Para começar, os anarquistas mais renomados que atuavam em Kronstadt em anos recentes já não estavam mais em cena quando estourou a rebelião. Anatoli Zhelezniakov, o valente e jovem marinheiro que dissolveu a assembleia constituinte, foi morto na luta contra os brancos[70]; I. S. Bleikhman, um dos oradores mais populares da Praça da Âncora nos anos de 1917, faleceu poucos meses antes de irromper a revolta; e Efim Yarchuck, figura líder do soviete de Kronstadt durante a revolução, encontrava-se em Mouscou, onde, quando não estava preso, vivia constantemente vigiado pela Tcheca. Nem mesmo a história de Kronstadt, escrita por Yarchuck, ou outra fonte bibliográfica anarquista do período, assinala um papel de relevo aos anarquistas em 1921. Ademais, uma lista completa de anarquistas que morreram na guerra civil ou caíram vítimas da perseguição soviética nos primeiros anos da década de 1920, dentre eles, Zhelezniakov, Yarchuck e Bleikhman, não elenca sequer um nome de algum kronstadtino[71]. Somente um membro do Comitê Revolucionário Provisório (Perepelkin) esteve sempre associado ao anarquismo, ainda que de forma indireta. Na verdade, a única menção aos anarquistas no jornal do movimento aparece na publicação do manifesto do Petropavlovsk: “Liberdade de expressão e de imprensa a todos os operários, camponeses, anarquistas e partidos socialistas de esquerda[72].

[É muito comum em textos publicados na internet identificar Stepan Petrichenko como adepto do anarcossindicalismo. A fonte parece ser a Wikipedia, que nas suas referências cita um artigo polonês intitulado “Naissaar: The Estonian ‘Island of Women’ Once an Independent Socialist Republic” (tradução para o inglês), de Kazimierz Popławski, editor-chefe da Przegląd Bałtycki, presidente da Fundação Bałtycka e graduado em relações internacionais. Grosso modo, o artigo versa sobre a criação da República Soviética dos Marinheiros e Construtores da Fortaleza da Ilha de Naissaar (Narva, cidade na Estônia), pela tripulação do Petropavlovsk, em 17 de dezembro de 1917. Petrichenko, que já era marinheiro do Petropavlovsk, segundo o artigo, tornou-se o líder do Conselho dos Comissários do Povo. Logo, o conselho declarou que, “de acordo com a constituição, Naissaar é agora uma república independente (soviética)”, em seguida oficializou o hino da Internacional e hasteou a bandeira rubro-negra do anarcossindicalismo. A republica teve fim com a ocupação da Estônia pelos alemães a 26 de fevereiro de 1918. Lamentavelmente, o artigo não apresenta nenhuma referência bibliográfica. Curiosamente, a bandeira dos kronstadtinos (que ilustra este capítulo – no alto) é a mesma usada pela República de Naissaar.  Em outro verbete, a Wikipedia, em língua portuguesa, menciona que Petrichenko teria travado contato com Nestor Makhno quando de sua licença e viagem para a Ucrânia (“Stepan Petrichenko, the leader of the Kronstadt rising, returned to his native Ukraine between April and the autumn of 1920”, John Rees, em: In defence of Bolshevik Revolution in 1917 in Russia – ou In defense of October -, International Socialism 52, 1991; infelizmente, não tive acesso a integralidade do texto). Já a Wikipedia em inglês menciona que Petrichenko teria elogiado a makhnovtchina mas não teria se convencido a se tornar um anarquista – não cita fontes. Peço desculpas pela extensão da nota – N.T.].

Ainda assim, ecos do anarquismo, outrora tão vívidos na Kronstadt dos anos de 1917, persistiam na tripulação. Perepelkin pode ter sido o único anarquista conhecido entre os líderes rebeldes, porém, sendo coautor da resolução do Petropavlovsk e chefe de propaganda e ação, desfrutava de boa reputação para propalar seus ideais libertários entre os marinheiros. Alguns dos bordões do movimento – “sovietes livres”, “terceira revolução”, “abaixo a comissariocracia” – foram lemas anarquistas durante a guerra civil, assim como a máxima “todo poder aos sovietes, não aos partidos”, claramente de matriz anárquica. Por outro lado, a maioria dos anarquistas teria rejeitado a ideia de tomar o “poder”. Os marinheiros, por sua parte, nunca cogitaram a eliminação completa do Estado, condição fundamental de qualquer plataforma anarquista.

Em todo caso, os anarquistas de toda a Rússia ficaram bastante entusiasmados com o levante e saudaram Kronstadt como “a segunda comuna de Paris”[73]. Contudo, quando as tropas do governo foram mobilizadas para reprimir o movimento, dos aplausos os anarquistas passaram às denúncias. No ápice da insurreição, um panfleto de cunho anarquista foi distribuído pelas ruas de Petrogrado. No texto, lia-se uma crítica contundente à população da cidade, que dava as costas aos rebeldes enquanto o estrepitar dos tiros de artilharia assolavam o Golfo da Finlândia. Ora, os marinheiros levantaram-se por sua causa, povo de Petrogrado, nada mais justo que, em retribuição, sacudir a letargia e, unidos, dar um basta à ditadura comunista, para que então o anarquismo possa prevalecer[74]. No entanto, para que se evitasse um banho de sangue, outros anarquistas, como Berkman e Goldman, optaram pela via da mediação pacificadora, que se revelou infrutífera, afinal.

Em resumo, a rebelião não foi articulada nem inspirada por nenhum partido ou grupo em particular. O conjunto da frota era formado por radicais de várias tendências – socialistas revolucionários (SR), mencheviques, anarquistas e recrutas comunistas. Portanto, nenhuma ideologia ou plataforma política organizada em torno de uma bandeira exerceu qualquer influência no movimento de Kronstadt. Mais do que um programa coerente e propositivo, o credo professado pelos rebeldes era um emaranhado confuso, vago e indefinido de orientações revolucionárias dos mais diversos matizes, não chegando a constituir mais que um rol de objeções contra o governo, um grito de protesto contra a miséria e a opressão. Realmente, os marinheiros careciam de um projeto sistematizado e propositivo sobre assuntos envolvendo a agricultura e indústria; muito pelo contrário, entregavam-se cegamente àquilo que Kropotkin definiu como “o espírito criador das massas” e que devia animar os sovietes livremente eleitos.

Não sendo possível enquadrar a ideologia do movimento de Kronstadt nas principais correntes de esquerda da época, então seria interessante considerá-la, talvez, como uma espécie de anarcopopulismo, profundamente inspirado na tradição Narodnik de “terra e liberdade” e “vontade do povo”. De certa forma, o ideário rebelde recuperava o antigo sonho de uma federação interligada por uma tênue rede de comunas autônomas, onde camponeses e operários pudessem viver em plena harmonia e cooperação, sob um regime de liberdade econômica e organização política de base popular. Tal perspectiva ideológica colocava Kronstadt muito próxima aos maximalistas SR, uma minúscula célula ultrarradical do partido socialista revolucionário (SR), que estava situava entre a esquerda SR e os anarquistas. O programa de Kronstadt, em quase todos os pontos importantes, publicados pelo jornal Izvestiia, coincidia com os ideais maximalistas. Por isso, não era descabida a afirmação do governo de que o diretor do jornal rebelde (chamado Lamanov) seria um maximalista[75]. Os maximalistas preconizavam a revolução total, opunham-se à assembleia constituinte e idealizavam “uma república soviética de trabalhadores” fundada em sovietes livremente eleitos e com o mínimo de autoridade central e estatal. Politicamente, Kronstadt compartilhava das mesmas aspirações. Simbolicamente, o lema “todo poder aos sovietes, não aos partidos”, adotado pelos kronstadtinos, havia sido, em sua origem, uma divisa maximalista. No campo das políticas econômicas, os paralelos chegavam a ser ainda mais gritantes. Na agricultura, os maximalistas também denunciavam as requisições de cereais e as granjas estatais e, em contrapartida, defendiam o uso pleno e exclusivo da terra pelos camponeses. Na indústria, rechaçavam o controle operário sob a supervisão de gestores burgueses e defendiam a “direção sistemática da organização social produtiva por representantes da classe trabalhadora”. Ambos, rebeldes e maximalistas, rejeitavam a nacionalização das fábricas e o sistema centralizado de direção estatal, advertindo repetidas vezes sobre o perigo do “burocratismo”, que reduzia o trabalhador a uma peça descartável na engrenagem de uma gigantesca máquina impessoal. Para os maximalistas, o governo deveria se ocupar apenas de funções mínimas de coordenação e planejamento, resumidas nas seguintes palavras de ordem: “não à direção do Estado, não ao controle do operário; sim à direção dos trabalhadores, sim ao controle do Estado”. Em suma, exigiam a transferência imediata dos meios de produção a quem realmente fazia uso deles, o povo; reivindicação basilar que se repetia em todos os lemas maximalistas: “Toda terra para os camponeses”, “Todas as fábricas para os operários”, “Todo pão e manufatura para os produtores”[76].

[O autor se refere à União dos Socialistas Revolucionários Maximalistas, expulsa do PSR em 1906. Após a Revolução de 17, a imprensa ocidental passou a designar os bolcheviques de maximalistas. Por isso, o texto-resposta “Sobre o maximalismo” (1919), do escritor brasileiro Lima Barreto, não nos deve causar estranheza. A confusão deve-se, provavelmente, a um erro de tradução, pois bolchevique significa “maioria”. Porém, no jargão revolucionário russo da época, o termo maximalismo aplicava-se a um “programa máximo”, em oposição a minimalismo, cuja noção implicava uma série de concessões, inclusive, a convocação de uma assembleia constituinte. No prólogo do livro Historia del movimiento makhnovista (1918-1921) – Piotr Archinov, Tupac Ediciones/La Malatesta, Buenoa Aires, 2008 -, Volin escreve a respeito de Archinov: “A causa que o fez passar para o anarquismo foi o minimalismo dos bolcheviques, que não correspondia, segundo Archinov, com as aspirações reais dos operários, e que no passado, o mesmo minamalismo de outros partidos, causou a derrota da revolução de 1905-6” (pág. 15). Quanto a interpretação de Avrich sobre as afinidades dos marinheiros de Kronstadt com os maximalistas, a mesma crítica já havia sido feita nos anos de 1920 aos makhnovistas da Ucrânia pelos anarquistas Marc Mrachny e V. Judoley (Archinov, Piotr, Op. cit., págs. 232 e 233). Caberia aqui especular o contrário e indagar até que ponto o anarquismo foi influenciado, ainda que de maneira muito indiretamente, pelos populistas russos (Narodniki) nas figuras de Kropotkin e do mais brilhante dos anarquistas, Mikhail Bakunin, principalmente, após a I Internacional quando a concepção revolucionária bakuninista torna-se majoritária no movimento anarquista (*Recordando que o Catecismo revolucionário de Bakunin é muitas vezes confundido com o texto homônimo de Netcháiev). Peço desculpas pela extensão da nota – N.T.].

Que o imaginário coletivo dos rebeldes era essencialmente anarcopopulista fica evidente pelo uso de um vocabulário peculiar e pela referência aos mitos sociais atinentes. Não à toa, homens de cujas emoções e retórica reproduziam exatamente os sentimentos dos camponeses e operários assumiram a responsabilidade pelo setor de propaganda rebelde. Com seus slogans simples e sentenças arrebatadoras, capturavam o coração do povo através de uma rude eloquência popular. Os propagandistas de Kronstadt escreviam e falavam em tom coloquial (como observou um pesquisador)[77], livre do jargão marxista e de expressões afetadas por estrangeirismos. A palavra “proletariado” era cuidadosamente evitada, dando-se preferência, bem ao gosto populista, ao genérico “trabalhadores” – camponeses, operários e “intelligenstia trabalhadora” -, que não priorizava um sujeito revolucionário específico em desfavor de outros. Por isso, optavam pelo conceito amplo de revolução “social”, em vez de “socialista”, pois a luta de classes não era entendida no sentido estreito da contradição operário industrial versus burguesia, mas numa acepção larga, tipicamente Narodnik, de conjunto das massas laboriosas contra todos aqueles que lucram com a miséria e a exploração do povo, o que incluía indistintamente políticos, burocratas, latifundiários e capitalistas. As ideologias ocidentais – o marxismo e o liberalismo, igualmente – quase não tinham espaço em seu repertório ideológico. O desprezo pelo governo parlamentar também era uma herança populista e anarquista. Herzen, Lavrov e Bakunin, todos eles, condenaram o parlamento como uma instituição corrupta e adventícia, cujo tagarelar empolado escondia unicamente os interesses das classes alta e média em prejuízo dos enjeitados e despossuídos. Para estes últimos, a salvação estava na autogestão local e comunal legada pela tradição socialista russa.

[É preciso não confundir o uso corrente da palavra populista com os populistas russos do século XIX, os Narodniki. O primeiro é um conceito pejorativo formulado pela historiografia conservadora latino-americana empregado inicialmente para caracterizar um líder caudilhista que granjeia o apoio popular em seu embate contra as oligarquias, sendo atualmente generalizado para referenciar qualquer chefe de Estado personalista ou que governe em nome/ou supostamente em nome da classe trabalhadora. O segundo diz respeito a uma interpretação do socialismo ocidental, bastante heterogênea e adaptada à realidade da Rússia, que intelligentsia russa elaborou a partir de meados do século XIX. O escritor russo Ivan Turguêniev, para zombar da juventude populista, vulgarizou o neologismo niilismo em seu clássico Pais e filhos, de 1862. Nietzsche, “o primeiro niilista”, leitor assíduo da literatura russa, fez do niilismo o mote de sua filosofia, o martelo destruidor da resignação, do ressentimento, dos valores decadentes, da servidão voluntária, da massificação, mas condição necessária da vontade de criar novos valores para uma existência afirmativa. Nietzsche, que odiava o Estado, poderia ter parafraseado Bakunin, amigo de Wagner: “A ânsia de destruir é também a ânsia de criar” (Bakunin). Peço desculpas pela extensão da nota  – N.T.].

Ademais, os kronstadtinos ostentavam um forte nacionalismo eslavo, em virtude de suas origens predominantemente camponesas. Os clamores internacionalistas não iam além do discurso e a verdade é que os marinheiros mostravam pouco interessa pelo movimento revolucionário mundial. Nas conversas travadas no dia a dia, os assuntos estavam muito mais focados na situação concreta do povo russo e no seu futuro do que em temas abstratos e gerais. Até mesmo o conceito de “terceira revolução” escondia traços messiânicos à semelhança da doutrina da “terceira Roma” na Moscóvia do século XVI: “A autocracia desmoronou. A assembleia constituinte foi expulsa para o reduto dos amaldiçoados. A comissariocracia avança cambaleante. É chegado o momento do verdadeiro poder dos trabalhadores: o poder dos sovietes”[78]. Em algumas circunstâncias, contudo, o regionalismo camponês mesclava-se com certos elementos culturais da tradição revolucionária europeia; como quando na ocasião de uma cerimônia fúnebre ortodoxa realizada na Catedral dos Marinheiros em homenagem aos rebeldes mortos em combate. Após o ato solene de encerramento, os presentes entoaram o refrão da “Marseillaise”[79]. Mas o caráter populista predominante no movimento não se manifestava apenas na liturgia religiosa ou nas convicções sociopolíticas. Os mitos folclóricos da tradição entrelaçavam com fios escarlates a trama complexa da ideologia revolucionária de Kronstadt.

Um destes mitos, profundamente consolidado na psique camponesa, era a crença de que o Estado centralizado formava um corpo estranho, forçosa e artificialmente enxertado sobre os ombros da sociedade, como um fardo pesado e opressivo. O ódio que o povo devotava aos governantes tinha profundas raízes históricas nas revoltas cossacas e camponeses dos séculos XVII e XVIII[80]. Para Stenka Razin e Pugachev, a pequena nobreza governante não pertencia ao povo russo, o narod, mas a uma classe à parte de parasitas que sugavam o sangue dos camponeses. No imaginário popular remanescia uma percepção maniqueísta cujas forças do bem, encarnadas no povo humilde, estavam em eterno confronto com as forças do mal, o Estado e seus funcionários. Herdeiros da tradição espontaneísta de revolta popular (buntarstvo), na luta contra o despotismo burocrático, os marinheiros de Kronstadt descendiam diretamente desses primeiros rebeldes. Assim como Razin e Pugachev enfrentaram “os boiardos e capatazes”, os kronstadtinos combatiam “os comissários e burocratas”. Os antigos crimes cometidos pela nobreza agora eram praticados por uma nova classe dominante, o Partido Comunista: o único responsável por todas as desgraças do povo, ou seja, fome, guerra civil, escravidão e exploração.

A aversão dos marinheiros aos funcionários estatais, expressão de um inveterado sentimento plebeu, foi sintetizada pelo título “Nós e Eles”, de um editorial do Izvestiia de Kronstadt, publicado logo após o primeiro assalto bolchevique. Em destaque, o termo “comissariocracia”, epíteto favorito dos rebeldes para nomear o regime soviético: “Lênin costumava dizer que ‘o comunismo é o poder soviético mais a eletrificação’ […de todo país – N.T.]. Mas o povo está convencido de que no regime bolchevique o comunismo é a comissariocracia mais os pelotões de fuzilamento”[81]. Os funcionários bolcheviques eram criticados por formar uma nova casta de privilegiados. De acordo com o editorial, eram pessoas egoístas que desfrutavam de altos salários, maiores porções de ração e alojamentos aquecidos, para os quais eram negados ao resto da população. Recordemo-nos dos ataques a Kalinin, expulso da Praça da Âncora debaixo de vaias e gritos: “Você mora numa casa quentinha”; “Olhe para todos os cargos que você conseguiu; aposto que ganhou muito de dinheiro com eles”. Os funcionários do partido eram acusados de roubar os frutos da revolução e impor uma nova forma de escravidão sobre o “corpo e alma” da Rússia. “Eis o brilhante reino do socialismo, onde todos estão submetidos à ditadura do Partido Comunista”, lastimava o último número do rebelde Izvestiia. “Temos alcançado o estado socialista através da estrita obediência de funcionários dos sovietes que votam em conformidade aos ditames do comitê partidário e de seus comissários associados. O lema ‘quem não trabalha não come’ foi alterado pelo novo regulamento ‘soviético’ que ordena ‘tudo para os comissários’; para os operários, camponeses e a intelligenstia trabalhadora, a labuta tediosa ou longas férias de trabalhos forçados nos cárceres do governo”[82].

Como era de se esperar, Zinoviev e Trotsky tornaram-se o alvo principal da ira de Kronstadt. “Sob as luzes de castiçais luxuosos, nos aposentos dos palácios czaristas, ricamente adornados, estão sentados confortavelmente em poltronas macias Trotsky e Zinoviev, entretidos horas a fio em meditações sobre qual a maneira mais eficiente para verter o sangue rebelde”[83]. Zinoviev era o abominado chefe de uma das seções do partido que reprimiu a greve dos operários de Petrogrado e que, durante a rebelião, num ato de extrema baixeza, fez de reféns os familiares dos marinheiros. Mas a bête noire, suprassumo da fúria dos rebeldes, era o Comissário de Guerra e presidente do Conselho Revolucionário de Guerra, Leon Trotsky, o implacável autor do ultimato do dia 5 de março e o responsável pela ordem de ataque três dias depois. Em sua homenagem, os rebeldes colecionavam um arsenal de alcunhas nada elogiosas: “Trotsky, o sanguinário capitão-mor”; “reencarnação de Trepov”; “Maliuta Skuratov… chefe da oprichnina comunista” [“Oprichnina”: tribunal ou reinado do terror da época do czar Ivan, o Terrível – N.T.]; “o gênio do mal da Rússia”, que “como um falcão mergulha com garras afiadas sobre nossa heroica cidade”; um monstro da tirania que está “atolado até o pescoço no sangue dos operários”. A 9 de março, o Izvestiia rebelde publicou esta nota: “Ouça, Trotsky, apesar das ofensas endereçadas a Kronstadt pelos comissários do partido, os líderes da Terceira Revolução lutam pelo verdadeiro poder dos sovietes”[84].

Fiéis à tradição populista, os rebeldes traçaram uma linha separando Lênin de Trotsky e Zinoviev – quase como uma reminiscência das narrativas populares que traziam alusões a histórias de traidores boiardos que ocultavam do czar o sofrimento do povo. As classes baixas russas tradicionalmente poupavam de seu ódio o soberano, o qual o veneravam como um paizinho ungido; inversamente, os corruptos palacianos e os conselheiros da corte real, exímios na arte da intriga, eram tidos como a encarnação do próprio mal e perversidade. Não era o autocrata, isolado e distante, que oprimia os pobres: “Deus está nos céus – rezava o velho provérbio -, e o czar, longe, longe demais”. Quem esfolava os camponeses e a gente pobre das cidades, submetendo-os na mais profunda miséria e degradação, eram os senhores feudais e funcionários do governo.

É bastante significativo que a figura de Lênin tenha encontrado eco na tradição popular, notadamente, entre os rebeldes de Kronstadt. Na primeira semana do levante, enquanto Trotsky e Zinoviev, em Petrogrado, despejavam ameaças sobre os marinheiros e preparavam uma ofensiva contra a fortaleza, Lênin permanecia em Moscou às voltas com o decreto, do dia 2 de março, que declarava fora da lei Kozlovsky e seus supostos cúmplices. Enquanto o jornal de Kronstadt andava ocupado em denunciar os “gendarmes” Trotsky e Zinoviev por “ocultarem a verdade” do povo, Lênin não era citado sequer uma única vez[85]. Todavia, na sessão de abertura do X Congresso do Partido, realizada a 8 de março, Lênin surgiu dos bastidores e condenou a revolta como obra de generais da Guarda Branca e outros elementos pequeno-burgueses inseridos na população da cidade. Depois do discurso de Lênin, o Comitê Revolucionário de Kronstadt criticou-o pela primeira vez. Os camponeses e operários, declarava o Izvestiia, “nunca acreditaram em uma só palavra de Trotsky e Zinoviev”, mas não esperavam de Lênin tanta “hipocrisia”. Um poema publicado no Izvestiia dedicava versos irônicos ao “czar Lênin”. E, agora, o jornal tripudiava o “escritório de Lênin, Trotsky & Cia.”, enquanto antes só se falava de “Trotsky e Cia., sedentos de sangue”[86].

Mesmo assim, Lênin ainda merecia um pingo de simpatia, suficiente para mantê-lo longe de seus cúmplices. Por exemplo, o Izvestiia de 14 de março reproduziu uma nota referente a uma recente discussão sobre os sindicatos em que o líder bolchevique teria desabafado o seguinte: “Tudo isso me aborrece mortalmente. Se eu ainda estivesse com saúde, ficaria feliz em jogar tudo isso para o alto e fugir para um lugar bem distante daqui”. “Mas – acrescentava o Izvestiia – os companheiros de Lênin não o permitiram fugir. Lênin é um prisioneiro, obrigado por eles a proferir calúnias”[87]. Eis aqui, em sua forma mais pura e cristalina, a antiga lenda do czar benevolente cativo dos traidores boiardos. Lênin continuou sendo venerado, como uma figura paternal. Quando os retratos de Trotsky e outros líderes bolcheviques foram arrancados das paredes das oficinas de Kronstadt, os de Lênin permaneceram intactos[88]. Mesmo depois do banho de sangue, Kronstadt não mudou de opinião sobre o líder bolchevique. Em um campo de concentração na Finlândia, Yakovenko, vice-presidente do Comitê Revolucionário Provisório, diferenciava Lênin de seus colegas bolcheviques. Marinheiro barbudo, alto, de poderosa compleição, Yakovenko lutara ao lado dos bolcheviques na Revolução de Outubro. Mas agora estava enfurecido com o partido, que traíra seus próprios ideais e promessas socialistas. Com o rosto vermelho de raiva, amaldiçoava o “assassino Trotsky” e o “canalha Zinoviev”. “Já Lênin, eu respeito” – ponderava. “O problema é que Trotsky e Zinoviev arrastaram-no junto com eles. Ah! como gostaria de ter esses dois em minhas mãos”[89].

Pois bem, Trotsky tornara-se o símbolo por excelência do comunismo de guerra, ou seja, representava tudo aquilo pelo qual os marinheiros haviam se rebelado. O nome do comandante geral do Exército Vermelho significava centralização, militarização, disciplina espartana e recrutamento obrigatório. Com relação aos sindicatos, Trotsky instituíra uma gestão de linha dura e dogmática, contrastando com o enfoque leninista de conciliação. Diferentemente de Lênin, que compreendera a importância da colaboração camponesa para a escalada e sustentação do poder, um resquício da heresia Narodnik na opinião de seus contemporâneos ortodoxos, Trotsky igualmente desprezava o campesinato enquanto força revolucionária. Onde Trotsky mostrava-se intolerante, extravagante e arrogante, exibindo aquilo que Lênin, em seu famoso “Testamento”, chamou de “excessiva confiança em si mesmo”, Lênin era estimado por seus hábitos simples e pela falta de ambições pessoais.

Ademais, Lênin era grande russo [Relativo à Grande Rússia. A partir do século XX, o adjetivo “russo” substituiu “grande russo”; do mesmo modo, “pequeno russo” e “russo branco” passaram a ucraniano e bielorrusso, respectivamente – N.T.], natural da região média do Volga, o coração da Rússia camponesa. Frugal, humilde e austero, Lênin era visto como um simples filho da Rússia, bastante acessível em épocas de sofrimento e com quem o povo podia contar em momentos de grande aflição. Num sentido oposto, Trotsky e Zinoviev eram judeus, sendo ambos identificados não com a Rússia mas com a ala internacionalista do movimento comunista. De fato, Zinoviev presidia o Komintern e Trotsky, de acordo com Comitê Revolucionário de Kronstadt, foi o responsável, durante a guerra civil, pela morte de milhares de pessoas inocentes que eram “de uma nacionalidade diferente da sua”[90]. Embora os rebeldes censurassem o antissemitismo, não há dúvida de que o preconceito contra judeus corria solto na frota do Báltico. Muitos marinheiros provinham da Ucrânia e dos confins fronteiriços do oeste, regiões bem conhecidas por um virulento sentimento antissemita. Para homens de extração camponesa ou operária, os judeus sempre foram o bode expiatório preferido em épocas de escassez e crise. Aliás, a partir do momento em que a revolução extinguiu o feudalismo e o capitalismo da Rússia, o regionalismo inerente à índole dos marinheiros encontrou em seu próprio meio elementos “estranhos” e indignos de confiança: os comunistas e os judeus.

Não obstante, os marinheiros só sabiam da origem judaica de Trotsky e Zinoviev por causa da abundante propaganda antissemita que circulava nos anos da guerra civil, na qual os brancos tentavam associar o comunismo a uma conspiração judaica. “Bronstein (Trotsky), Apfelbaum (Zinoviev), Rosenfeld (Kamenev), Steinberg – todos eles são iguais aos milhares de filhos legítimos de Israel”, lia-se num panfleto em que os brancos acusavam os judeus bolcheviques de arquitetar um complô para dominar o mundo[91]. É muito provável que desvarios do gênero fossem muito comuns na frota do Báltico. As anotações de um marinheiro lotado na base naval de Petrogrado durante o levante de Kronstadt podem nos dar um testemunho de sua recorrência[92]. Em uma passagem particularmente maledicente, o referido marinheiro descreve o regime bolchevique como a “primeira república judaica” do mundo. Noutro fragmento, o tema do “boiardo malvado” da mitologia popular reaparece sob uma versão atualizada, ao rotular os judeus como a “nova nobreza” dos “príncipes soviéticos”. Por óbvio, Trotsky e Zinoviev (ou Bronstein e Apfelbaum, como frequentemente os chama) não escapam de seu fel e o ultimato do governo é classificado como um “ultimato do judeu Trotsky”. Conforme relata o autor das memórias, impressões como as suas eram compactuadas pelos marinheiros, que estavam convencidos de que foram os judeus, não os camponeses e operários russos, os reais beneficiários da revolução. Afinal, os judeus ocupavam os postos de comando no diretório do Partido Comunista e cargos executivos no Estado soviético; infestavam [No original: they infested – N.T.] as repartições governamentais, especialmente o Comissariado de Alimentação, a fim de prevenir que seus conterrâneos não perecessem com a fome; e os destacamentos de inspeção de estrada – a tão odiada instituição -, mesmo tendo 90% da tropa constituídos por russos autênticos, eram quase sempre comandados por judeus. Tais crenças eram bastante comuns não só em Kronstadt como também em Petrogrado e, talvez, em muitas outras localidades da Rússia. Lembremo-nos de Vershinin, membro do Comitê Revolucionário, na ocasião em que tentou parlamentar com uma tropa soviética: “Basta de ‘hurras!’, sigam conosco; unidos derrotaremos os judeus, a sua maldita dominação, a qual somos todos, operários e camponeses, obrigados a suportar”[93].

O profundo desprezo que os rebeldes sentiam pela burocracia comunista não impedia que sentissem algum apreço pelos militantes da base do partido. Além disso, não rejeitavam os ideais do comunismo propriamente dito. É bem verdade que, em entrevistas concedidas na Finlândia logo após o levante, alguns membros do Comitê Revolucionário Provisório mencionaram os comunistas com uma boa dose de amargura, acusando-os de “usurparem os direitos do povo”[94]. Evidentemente, a sangrenta repressão contribuiu ainda mais para potencializar o ressentimento dos líderes da revolta. No entanto, o mais das vezes, consideravam as lideranças comunistas como simples correligionários do partido. Aliás, os rebeldes que foram ex-comunistas, dentre os quais, o presidente Petrichenko e o secretário Kilgast do Comitê Revolucionário, acreditavam que os ideais da revolução haviam sido deturpados e, por isso, lutavam pela restauração da pureza do princípio. Semelhante entendimento ecoava por toda a frota, como demonstra a seguinte afirmação exemplar de um marinheiro filiado ao partido: “Um grupelho de burocratas, mascarados de comunista, nidificou para si mesmos um recanto aconchegante em nossa república, depois de ter transformado toda a Rússia em um ‘pântano tenebroso’”[95].

Em que pese toda a sua repugnância pela hierarquia bolchevique, os marinheiros jamais pretenderam acabar com o partido ou excluí-lo do governo ou da vida social russa. “Sovietes sem comunistas” nunca foi um lema de Kronstadt, como sustentam alguns historiadores soviéticos e não soviéticos. O lema existiu, sim, entre grupos de camponeses da Sibéria, no período da guerra civil, e entre os guerrilheiros de Makhno, na Ucrânia, que militavam por sovietes sem comunistas[96]. Os marinheiros de Kronstadt, entretanto, nunca adotaram a consigna. Afirmar o contrário contribui para promover a lenda em torno da rebelião de Kronstadt, mas não corrobora com a verdade. O equívoco parece ter surgido dos slogans “Sovietes em vez de bolcheviques” (Sovety vmesto Bol’shevikov) e “Abaixo os bolcheviques, longa vida aos sovietes”, atribuídos erroneamente aos rebeldes por um emigrado russo exilado em Paris, o líder Kadet Miliukov. Segundo escreveu, os marinheiros almejavam que o poder passasse das mãos da ditadura unipartidária vigente para as mãos de uma coalizão formada por partidos socialistas e radicais não partidários que atuariam em conjunto nos sovietes sem a participação dos comunistas. Estabilizada a situação política, concluía Miliukov, o terreno ficará aberto para a restauração da assembleia constituinte em nível nacional[97]. Todavia, esta era uma descrição bastante inexata do programa de Kronstadt, como sabemos. Os rebeldes sempre rejeitaram a assembleia constituinte e jamais deixaram de franquear um lugar para os bolcheviques dentro das organizações políticas de esquerda. Na prática, os comunistas foram afastados das revtroivki locais, instituídas durante a insurreição; porém, na conferência de delegados eleitos, que era uma reunião que mais se aproximava dos sovietes livres que Kronstadt tanto sonhara, os bolcheviques lograram ampla participação.

O verdadeiro objetivo da rebelião nunca foi o de eliminar o comunismo, senão reformá-lo, filtrá-lo de suas tendências ditatoriais e burocráticas que se avultaram a partir da guerra civil. A este respeito, Kronstadt não era diferente das tendências de oposição que surgiram dentro do próprio Partido Comunista: a “oposição da frota”, a Central Democrática e a Oposição Operária. Em comum com todas elas, o mesmo descontentamento com as políticas do governo; o mesmo idealismo de esquerda. A crítica dos métodos arbitrários e da administração exercida com mãos de ferro pelos comissários políticos nos assuntos da corporação conectava os marinheiros à “oposição da frota”, à qual muitos deles eram filiados. O questionamento ao crescente autoritarismo das lideranças bolcheviques, que minava por dentro a “democratização” do partido e dos sovietes, era o elo que os unia à Central Democrática. Com a Oposição Operária, compartilhavam da mesma objeção à “militarização” do trabalho, concepção ampla que abarcava desde a direção unipessoal; a rigorosa disciplina nas fábricas; o atrelamento dos sindicatos às diretrizes do partido; o retorno dos “especialistas burgueses” às posições de chefia e gerenciamento. Finalmente, afinados com todos esses grupos de oposição, os rebeldes de Kronstadt deploravam o progressivo isolamento do partido, cada vez mais afastado do povo, e atacavam os líderes bolcheviques por violar o espírito essencial da revolução – ao sacrificar os ideais democráticos e igualitários no altar do poder e da eficiência[98].

Contudo, os pontos de convergência com as correntes de oposição do partido encontravam obstáculos intransponíveis inerentes à própria razão fundamental de ser dos rebeldes que os separavam em campos opostos. Enquanto os rebeldes conservavam vínculos estreitos com o campesinato, a Oposição Operária e Central Democrática eram agremiações urbanas constituídas por operários fabris e intelectuais indiferentes às necessidades camponesas. Ademais, as duas correntes não só não colocavam em xeque o monopólio do poder bolchevique como também justificavam o uso do terror quando necessário fosse. Se tanto, pleiteavam por reformas internas no partido e nunca advogaram pela divisão do poder político com outras organizações socialistas. Sobretudo, as afinidades com o programa de Kronstadt causavam embaraço aos líderes da oposição do partido. Por fim, renunciaram a todas as suas demandas para não serem confundidos com os amotinados. No X Congresso do Partido, os representantes da Oposição Operária, Shliapnikov e Kollontai, desautorizaram qualquer insinuação que pudesse envolvê-los de alguma forma com levante de Kronstadt. Em seguida, demonstrando muita indignação, reiteraram as observações de Lênin feitas na seção de abertura, ao culpar o “espontaneísmo anarquista pequeno-burguesa” pela origem da rebelião. Constrangida pela assembleia, Kollontai declarou que os membros da Oposição Operária seriam os primeiros voluntários a ir para o front combater os rebeldes[99]. Outro líder da oposição, que estava em Berlim na época da revolta, chefiando uma missão comercial soviética, de nome Yuri Lutovionov, ao conceder uma entrevista, denunciou os rebeldes tomando como base o relatório oficial do governo que tratava o levante como um complô da Guarda Branca com o apoio de mencheviques e socialistas revolucionários (SR). A demora no uso da força, explicava Lutovionov, devia-se a uma decisão do governo em poupar o sofrimento da população civil da cidade; porém “o aniquilamento da aventura de Kronstadt não tardará a chegar”[100].

Enquanto isso, em Kronstadt, a organização comunista local havia sido infectada pelo vírus da oposição. A rebelião, segundo admitia o próprio Trotsky, “atraiu para as suas fileiras um número não pequeno de bolcheviques”; alguns por temor de represálias; outros, a maioria, por sinal, porque aprovavam o programa rebelde. Em termos mais precisos, Trotsky calculava que pelo menos 30 por cento dos comunistas de Kronstadt participaram ativamente da revolta, enquanto 40 por cento assumiram uma “posição neutra”[101]. Ao final da guerra civil, a insatisfação que tomava conta do espírito rebelde foi traduzida em números que apontaram para uma redução dramática de filiados do partido, de 4000 a 2000. A queda à metade pode ser explicada pela grande onda de deserções que chegou ao clímax entre os meses de setembro de 1920 e março de 1921. No curso da rebelião, a organização partidária de Kronstadt decresceu vertiginosamente. Abandonaram o partido ao menos uns 500 militantes; sem contar uns 300 aspirantes que desistiram da inscrição partidária. O restante, de tão desmoralizados, segundo o relato de um deles, desaprovou a revolta com vacilação e indecisão[102].

A onda de descontentamento refletia-se nas longas listas de desfiliados que eram publicadas de tempos em tempos pelo Izvestiia de Kronstadt. Em apenas duas edições, mais de 200 nomes estamparam as colunas do jornal. O assalto bolchevique dos dias 7 e 8 de março aparecia como uma das principais causas das desistências. “Eu me estremeço só de pensar – escreveu uma professora da escola de Kronstadt, logo após o primeiro bombardeio – que eu possa ser considerada cúmplice do derramamento de sangue de vítimas inocentes. Sinto que já não posso mais acreditar e defender um partido que é o grande culpado por estes atos de selvageria. Quando ouvi o primeiro disparo, renunciei sem pestanejar a minha candidatura de admissão ao Partido Comunista”[103].  À medida que o bombardeio intensificava-se, tanto maior o êxodo no partido de Kronstadt. Todos os dias, o Izvestiia publicava cartas de leitores comunistas condenando o governo pelo uso da violência, ao mesmo tempo em que aprovavam as contramedidas do Comitê Revolucionário. Todavia, aqueles que declaravam publicamente sua retirada do partido, não renunciavam aos ideais do comunismo. No geral, o conteúdo das mensagens reprovava os líderes do partido que perverterem os ideais comunistas em benefício próprio. Um professor de Kronstadt, por exemplo, lamentava a presença de carreiristas dentro do partido, com sua influência nefasta, escreveu: “macularam os belos ideais comunistas”[104]. Em outra missiva, remetida por um comandante vermelho da guarnição de Kronstadt, filho de um populista condenado ao exílio no célebre “Julgamento dos 193”, na década de 1870 [Marco do populismo russo, quando estudantes saíram das cidades para viver como camponeses na famosa “ida ao povo” – N.T.], lia-se o seguinte desabafo: “Eu cheguei à compreensão de que as políticas do Partido Comunista têm conduzido o país a um beco sem saída. O partido burocratizou-se… recusa-se a ouvir a voz das massas, às quais deseja impor sua vontade… somente com liberdade de expressão e maior oportunidade para todos na reconstrução do país, através de eleições limpas, poderemos tirar o país da letargia em que se encontra… eu me recuso, de agora em diante, a considerar-me um membro do Partido Comunista russo. Venho através desta, manifestar meu apoio integral à revolução aprovada pela assembleia municipal do primeiro de março, e desde já me coloco à inteira disposição (do Comitê Revolucionário), com todas as minhas forças e energias”[105].

Enquanto durou a rebelião, não houve nenhuma oposição séria por parte da organização comunista de Kronstadt. A 2 de março, um grupo leal ao partido, contando com cerca de uns duzentos homens bem armados, reuniu-se na Escola Superior do Partido a fim de resistir ao avanço do movimento rebelde. Contudo, percebendo que as circunstâncias não eram propícias para um enfrentamento, fugiram para Krasnaya Gorka[106]. Logo no início das movimentações, outros homens do partido abandonaram a ilha e foram até os fortes para, numa tentativa vã, sublevá-los contra os insurgentes. Enquanto isso, o Comitê Revolucionário ordenava a prisão dos principais líderes bolcheviques. As primeiras prisões ocorreram na ocasião em que se realizou assembleia na Casa de Educação, no dia dia 2 de março. Foram presos Kuzmin, comissário da frota; Vasiliev, presidente do extinto soviete; e Korshunov, comissário da esquadra de guerra de Kronstadt. No dia seguinte, o chefe do Pubalt, E. I. Batis, foi feito prisioneiro por uma patrulha rebelde quando tentava atravessar a superfície de gelo a caminho do forte Totleben[107]. Entre os encarcerados, encontravam-se o doutor L. A. Bergman, bolchevique veterano de Kronstadt, e o secretário do comitê partidário do distrito.

Outros funcionários evitaram a detenção ao aceitarem colaborar com os rebeldes. A 2 de março, formou-se um “Bureau Provisório da Organização de Kronstadt do Partido Comunista Russo”, constituído pelos bolcheviques Ia. Ilyin, comissário de abastecimento de alimentos, F. Pervushin, antigo líder do soviete, e A. Kabanov, presidente do Conselho Sindical de Kronstadt. O bureau emitiu uma declaração, a 4 de março, reconhecendo a necessidade de um novo pleito eleitoral para os sovietes. Além disso, o comunicado aconselhava a todos os comunistas de Kronstadt a permanecer em seu trabalho e obedecer às ordens do Comitê Revolucionário. Advertia, ademais, para os “boatos maliciosos” inventados pelos agentes da Entente, que espalhavam mentiras sobre eventuais manobras do governo para debelar a rebelião ou sentenças de fuzilamento dos prisioneiros comunistas em Kronstadt[108]. A cooperação de Ilyin, como veio a se verificar, foi decepcionante, porque se utilizava de ardil para ganhar tempo, enquanto espera a chegada de ajuda do continente. Na calada da noite, Ilyin repassava por telefone informações a seus superiores em Krasnaya Gorka, relatando sobre a situação do abastecimento de alimentos em Kronstadt. A astuciosa operação, todavia, foi descoberta, Ilyin preso e seu bureau fechado. Desde então, não se ouviu mais seu nome até enquanto durou a revolta[109].

Em síntese, cerca de 300 comunistas foram presos durante toda a insurreição, a maioria funcionários locais capturados enquanto tentavam escapar ou porque foram considerados perigosos pelo Comitê Revolucionário. Embora a escalada de prisões não resultasse numa soma insignificante, pois correspondia a mais ou menos um quinto de todos os militantes do partido de Kronstadt, não deixa de ser notável o fato de que os rebeldes tenham deixado em liberdade tantas pessoas sem lhes causar a mínima importunação, ainda mais quando sabemos que as autoridades, por sua parte, executaram quarenta e cinco marinheiros em Oranienbaum e fizeram reféns os entes queridos dos kronstadtinos. É possível que o cativeiro dos familiares sequestrados, ainda que despertasse a fúria dos insurgentes, talvez, tenha freado a sua sede de retaliação. De qualquer modo, Kronstadt destacou-se pelo tratamento humano concedido aos seus adversários em momentos de grande emoção e tensão. Nenhum dos 300 prisioneiros bolcheviques sofreu qualquer arranhão. Não houve execuções, torturas ou agressões. Afinal, a revolta não se dava contra os brancos, a quem os marinheiros odiavam do fundo de sua alma e teriam os executado sem o menor pingo de remorso. A revolta era contra os seus camaradas revolucionários, com quem compartilhavam ideais e cujas políticas equivocadas só queriam reformar. No entanto, alguém poderia se perguntar sobre qual seria o destino de Trotsky ou Zinoviev se por um acaso caíssem nas mãos dos rebeldes…

Fosse quem fosse, ainda assim os personagens mais impopulares receberiam um tratamento justo e humanitário. Por isso, são improcedentes, sem qualquer base na realidade, as informações de que Kuzmin teria sido mal tratado na prisão e escapado por um triz da execução sumária. Quando tudo terminou, Victor Serge correu para acudi-lo em Smolny, tendo o encontrado vigoroso e saudável. Kuzmin relativizou aquilo que chamou de “exageros” sobre sua prisão e confessou que, na verdade, ele e seus camaradas receberam tratamento digno. Nem Ilyin, que traíra os rebeldes de modo torpe com seus telefonemas e que, por causa disso, tanto irritou Petrichenko, sofreu retaliações enquanto esteve detido[110]. Até mesmo quando o Comitê Revolucionário tomou conhecimento de que parentes dos comunistas em Kronstadt estavam sendo vítimas de represálias ou despedidos de seus empregos, repreendeu a população pela conduta vingativa: “A despeito de todos os atos ultrajantes que os comunistas nos têm assacados, devemos agir cautelosamente para limitar-nos somente a bani-los da vida pública, de modo que suas artimanhas maliciosas e hipócritas não nos atrapalhem em nossa jornada revolucionária”[111].

Mesmo assim, o governo bolchevique demonstrou bastante preocupação com a sorte dos prisioneiros em Kronstadt e respondeu à primeira onda de prisões com o vexaminoso episódio dos reféns e a ameaça de que se algo grave acontecesse aos comunistas as consequências seriam seriíssimas. Apesar de tudo, justificativas não faltavam. Os presos, segundo o testemunho de um deles, viviam aterrorizados diante da possibilidade de serem fuzilados a qualquer momento[112]. E a situação só piorou quando cinquenta comunistas do forte Krasnoarmeets foram rendidos ao tentarem fugir para a costa da Carélia. Em outras ocasiões, legalistas tentaram estabelecer contato com o continente, por meio de sinais de refletores e sinalizadores disparados à noite. Em represália, os rebeldes passaram a aplicar sanções aos bolcheviques, que se intensificaram ainda mais logo após o ataque de 8 de março. Dois dias depois, veio a ordem para que se entregassem as armas e os refletores em poder dos comunistas. Logo em seguida, o Comitê Revolucionário solicitou à população que denunciasse eventuais traidores que, por assim dizer, tentavam se comunicar com os inimigos através de códigos e sinais. “A punição será aplicada no ato, de acordo com as leis ditadas pelo calor das horas – advertia o Izvestiia – sem a necessidade de julgamento em um tribunal constituído”. Mas houve casos de menor gravidade, como quando dois membros do partido foram acusados de estocar alimentos. Ou quando 280 pares de botas foram apreendidos de prisioneiros bolcheviques que receberam em troca sandálias. Na reunião dos delegados do dia 11 de março, foi comunicado que as botas seriam destinadas aos rebeldes que montavam guarda sobre o chão de gelo. O anúncio foi saudado com aplausos e gritos de “muito bem! tirem os casacos deles também!” O que aparentemente foi feito, segundo relatou mais tarde um prisioneiro que teve o casaco e as botas confiscados[113].

“Nossa revolta é um simples movimento de libertação contra a opressão bolchevique; uma vez alcançado nosso objetivo, o povo estará livre para agir por sua própria vontade”. Foram as palavras de Petrichenko a um jornalista norte-americano na Finlândia que pedia explicação sobre as causas da revolta de março[114]. Numa única frase, condensou todo o espírito da rebelião. De fato, o que definia Kronstadt era o espontaneísmo característico das insurreições camponesas e manifestações operárias daquela quadra. Considerados um só fenômeno, seguiam a tradição de Razin e Pugachev. Sob este contexto, os marinheiros desempenhavam um papel análogo aos cossacos e strel’tsy, de cuja propensão para estouros repentinos contra todo poder despótico eram herdeiros por excelência. A mesma tradição eclodira em 1917, numa reedição da clássica “revolta russa, cega e impiedosa”, como Pushkin descreveu a pugachevschina do século XVIII [Alexander Pushkin é tido como o maior poeta da Rússia e fundador da moderna literatura russa. A citação refere-se à novela A filha do capitão, de 1836 – N.T.]. Para anarquistas, maximalistas e outros extremistas de esquerda, a “revolução social” havia enfim chegado. Então, uniram sua sorte à dos bolcheviques, cujos lemas, alguns emprestados dos sindicalistas e socialistas revolucionários (SR), ajustavam-se aos ideais inspirados pela tradição. “A terra para os camponeses! Abaixo o governo provisório! Controle operário das fábricas!” Como programa revolucionário, estava mais próximo do narodnichestvo do que do marxismo, o que exercia uma forte atração sobre os instintos anarcopopulistas dos elementos incultos da população russa.

Depois de outubro, entretanto, Lênin e seu partido estavam determinados a consolidar o poder conquistado e tirar o país do caos social. Logo, deram início ao processo de centralização autoritária, de cima para baixo, que desviava a revolução de sua cepa popular. Para tanto, esforçaram-se por minar da base revolucionária a hegemonia reinante do campesinato e das classes trabalhadoras, para quem a revolução sempre foi a negação do centralismo e autoritarismo. Assim sonhava o povo, que se entregou em sacrifício por uma sociedade descentralizada e fundada sobre a iniciativa local e a autogestão. Depois séculos de provações, que agora os deixasse em paz! Não à toa, os camponeses passaram a diferenciar os “bolcheviques”, que eliminaram os nobres e distribuíram a terra entre todos, dos “comunistas”, que instituíram as granjas estatais e enviaram equipes de requisição para oprimir o campo. Em 1917, os bolcheviques prometeram o Milênio anarcopopulista; em vez disso, depois de ter assegurado o poder, introduziram os antigos axiomas do poder estatal.

Em termos gerais, existiam duas tendências fundamentalmente opostas dentro da tradição revolucionária russa. A tendência centralista, representada por Lênin e seu partido, visava substituir a velha ordem por uma ditadura revolucionária. A outra via, trilhada por anarquistas e socialistas revolucionários (SR), tencionava a autogestão descentralizada, o fim da autoridade governamental e uma organização social confiada aos instintos democráticos do povo. Obviamente, o regionalismo camponês e a tradição da rebelião espontânea colocava Kronstadt na segunda categoria. Opositores do despotismo centralizado em todas as suas formas, os marinheiros voltaram-se contra o caráter elitista do socialismo de Estado de seus antigos aliados bolcheviques. No embate, os marinheiros chegaram até a colocar em dúvida a sinceridade do socialismo bolchevique. Para os rebeldes, assim como para Bakunin, antes deles, socialismo sem liberdade individual e autodeterminação – pelo menos para as classes baixas – não era senão uma nova forma de tirania, até pior em muitos aspectos que aquela que foi suplantada pelos bolcheviques.

Esta divergência estrutural constituía a base do conflito de março de 1921. O bolchevismo sempre expressou sua desconfiança em relação ao espontaneísmo das massas populares. Lênin acreditava que, se deixassem os operários e camponeses livres para dispor livremente dos meios de produção, estes acabariam por se contentar com reformas parciais ou, pior ainda, cairiam nas mãos das forças reacionárias. As massas deveriam ser lideradas “de fora” por uma obstinada vanguarda revolucionária. Pressuposto básico da filosofia política leninista, Kronstadt não seria exceção à regra. Nós devemos ponderar cuidadosamente, disse Lênin ao X Congresso do Partido, as lições políticas e econômicas que a rebelião dos marinheiros está nos oferecendo. “O que ela significa? A transferência da autoridade política para um amontoado indistinto de elementos desclassificados, que dão a impressão de ora estarem à direita dos bolcheviques, ora à esquerda. Impossível saber, de tão amorfa é a mixórdia de grupelhos políticos que tentam tomar o poder em Kronstadt”. Mesmo censurando a revolta como uma conspiração da Guarda Branca, Lênin tinha plena consciência da real natureza do movimento rebelde. Kronstadt, disse, era uma contrarrevolução do “espontaneísmo anarquista pequeno-burguês”, ou seja, uma revolta de massas intimamente ligada à insatisfação camponesa e operária surgida no calor dos acontecimentos. Portanto, muito mais perigosa para a sobrevivência do bolchevismo que Denikin, Kolchak e Yudenich juntos[115].

Lênin temia, sobretudo, uma nova pugachevschina. Atemorizava-se ante a ideia de que a maré anarcopopulista, que arrastara os bolcheviques ao poder, agora pudesse tragá-los para bem longe dele. O que tornava os marinheiros particularmente perigosos era o fato de que, em contraste com os brancos, lutavam em nome dos sovietes. Os rebeldes, como observou o Victor Serge, pertenciam de corpo e alma à revolução[116]. Kronstadt simbolizava o sofrimento e a vontade do povo. Portanto, Kronstadt pesava na consciência dos líderes bolcheviques de uma maneira excessivamente dolorosa, como nenhum outro movimento de oposição até então. Lênin compreendia a atração que a rebelião exercia sobre as massas populares. Acusava a rebelião de “pequeno-burguesa”, de “semianarquista”, assim como fez com os populistas há vinte cinco anos quando denunciou como um equívoco o sonho romântico de uma era pretérita de comunas e cooperativas de artesões. Tal visão de mundo configurava um anátema para o modo de ser bolchevique. Não era meramente primitiva e inócua, mas reacionária, anacrônica em pleno século XX, quando triunfava em todas as nações o Estado centralizado e a concentração industrial.

Este era o motivo pelo qual Kronstadt foi mais perigosa para Lênin que os exércitos brancos da guerra civil. Lutavam por um ideal que, ainda que aparentemente inalcançável, refletia os anseios mais profundos das classes baixas da Rússia. Mas se Kronstadt levantava-se, raciocinava Lênin, toda autoridade e unidade do país se encontrariam à mercê de uma inevitável fragmentação territorial, dando lugar a outro período de caos e desagregação, como em 1917; mas desta vez contra a nova ordem. Em pouco tempo, algum outro regime centralizado – de direita mais que de esquerda – preencheria o vácuo político, pois a Rússia não poderia perdurar por muito tempo sob o estado de anarquia. Portanto, para Lênin, não restava alternativa: era necessário sufocar a todo o custo a rebelião, e reimplantar o bolchevismo em Kronstadt.

6. A repressão

No dia 9 de março, um dia depois de abortado o assalto à cidadela de Kronstadt, o líder bolchevique Kamenev, em discurso proferido ao X Congresso do Partido em Moscou, expôs considerações sobre o impasse militar, que se “arrastava por tempo demasiado” e não seria resolvido “tão cedo” quanto o esperado[117]. O primeiro ataque revelou-se prematuro, pois as autoridades estavam, por um lado, ansiosas por sufocar o levante antes que os rebeldes pudessem receber ajuda do exterior e, por outro, receosas de que a revolta contagiasse o continente com seu exemplo. Os preparativos para a ofensiva foram organizados de modo atabalhoado e precipitado; não havia tropas em quantidade suficiente e a operação redundou numa derrota fragorosa, contabilizando muitas baixas.

Ademais, a situação era muito preocupante, pois o degelo da primavera tomava proporções cada vez mais drásticas. O senso de urgência levou o comandante bolchevique Tukhachevsky a providenciar um segundo ataque, desta vez com um poder de fogo muito maior que os anteriores. Aeronaves e um grande contingente de artilharia foram deslocados rapidamente para o teatro de operações. Tropas afluíam de todas as regiões do país para reforçar o efetivo militar instalado nas duas costas litorâneas que ladeiam a ilha de Kotlin pelo continente. Praças foram diligentemente selecionados para evitar que o moral baixo que afetava as tropas resultasse em um fator de insucesso, como na ocasião da desastrosa ofensiva do dia 8 de março. Batalhões inteiros de cadetes e a Juventude Comunista chegavam cantando a “Internacional”, em sinal de fidelidade à revolução. Vinham de cidades tão remotas como Smolensko, Vitebsk, Riazan e Nizhni Novgorod[118]. Destacamentos seletos de comunistas e unidades especiais da Tcheca juntavam-se às novas forças de assalto. Regimentos leais ao governo foram transferidos da Ucrânia e da frente polaca para o golfo. Enfim, engrossaram os pelotões tropas chinesas, tártaras, baskires e letonas, que certamente não teriam os mesmos escrúpulos dos grandes russos em atirar contra os insurgentes de Kronstadt. Segundo comentou um observador, eram os comunistas e os não-russos (inorodtsy) contra o povo[119].

Comandantes tão experientes quanto Fedko, Uritsky e Dybenko da Academia Militar do Estado-Maior foram acionados para auxiliar as operações de repressão ao movimento rebelde. Dybenko, que foi um proeminente bolchevique da tripulação do Petropavlovsk nos tempos da revolução, endereçou um panfleto a seus “velhos camaradas marinheiros de Kronstadt”. No texto, denunciava Petrichenko como um “Poltava kulak” [Um kulak da cidade de Poltava, Ucrânia – N.T.] e aconselhava os rebeldes a baixarem as armas[120]. Ao mesmo tempo, o governo gastou de todo tipo de artifício para convencer as tropas do caráter contrarrevolucionário da rebelião dos marinheiros. Notícias transmitidas pela rádio e órgãos de imprensa apresentavam a “Kronstadt Branca”, sublevada por agentes subordinados aos emigrados e seus cúmplices, as nações Aliadas. “Malgrado os malditos traidores de Kronstadt – escrevia o redator chefe de um jornal de Petrogrado -, custe o que custar, Kronstadt será vermelha![121]

Entrementes, reinava na antiga capital uma calmaria aterradora, enquanto os últimos preparativos militares eram providenciados. Para prevenir novos distúrbios na cidade, Zinoviev ampliava as concessões, prometendo à população, entre outras coisas, o fim do burocratismo nas instâncias partidária e governamental e a convocatória de uma assembleia municipal que reunisse apenas operários não filiados ao partido[122]. Em Moscou, o levante era objeto de crescente preocupação. A 10 de março, Trotsky retornou com um relatório nada animador que foi apresentado a uma sessão secreta do X Congresso do Partido. Naquela noite, mais de um quarto do total de convocados para operação, cerca de 300 delegados, apresentou-se como voluntários. O comparecimento acima da expectativa demonstrava a gravidade com que o levante era avaliado dez dias após o seu início. Para provar lealdade ao governo, os membros da Oposição Operária e da Central Democrática marcharam entre os primeiros que seguiram para o front[123].

Um desses voluntários, um centralista democrático chamado M. A. Rafail, legou um relato sobre o papel dos delegados no assalto final à fortaleza. Ao chegarem a Petrogrado, no dia 11 de março, os voluntários foram distribuídos apressadamente entre as tropas concentradas ao norte e ao sul de Kronstadt. Entoando a “Internacional” enquanto marchavam, Rafail e seu grupo foram enviados para Oranienbaum[124]. Se bem que muitos deles tomariam realmente parte dos combates, a tarefa principal da missão, no entanto, consistia em motivar os soldados e convencê-los a superar a hesitação em atirar contra rebeldes que seriam, na verdade, inimigos da revolução. Além disso, os delegados deveriam tranquilizar as tropas, que temiam atravessar a superfície de água congelada do golfo sem nenhuma proteção. Depois do desastre do dia 8 de março, os homens estavam aterrorizados ante a perspectiva de serem abatidos com tiros de metralhadoras em campo aberto ou de se afogarem nas crateras abertas na crosta de gelo pelos disparos de canhões. Em contrapartida, a delegação também foi encarregada de dar prosseguimento às negociações que visavam dissuadir os rebeldes do confronto. Para convencer os marinheiros de Kronstadt, distribuíram um panfleto cujo conteúdo questionava o lema dos “sovietes livres”, sugerindo que seu real significado aludia unicamente ao regresso “da burguesia, dos latifundiários, dos generais, dos almirantes, dos nobres, dos príncipes e outros parasitas” à sociedade russa. O slogan, lia-se no texto, não passava de uma cortina de fumaça para “derrubar o poder soviético – o verdadeiro poder dos explorados – e restaurar o poder dos exploradores capitalistas”. Concluía com uma indagação: “de que lado está Kronstadt, dos Guardas Brancos, contra nós, ou do nosso, contra os Guardas Brancos?”[125]

No início, os delegados obtiveram pouco êxito. O moral das tropas comunistas contrastava com a confiança dos rebeldes, que não davam mostras de hesitação em momento tão decisivo. Em parte, a responsabilidade pelo desânimo dos soldados devia-se aos próprios bolcheviques, que, com grande surpresa do cônsul norte-americano em Viborg, não haviam “aprendido a lição do quanto era inútil, do ponto de vista estratégico, coordenar ofensivas de pequeno porte”[126]. A 9 de março, foram realizadas novas expedições que logo retrocederam ao revide rebelde. No dia seguinte, aviões soviéticos bombardearam a fortaleza. Ao cair da noite, as baterias de artilharia posicionadas em ambos os lados do continente descarregaram um impiedoso bombardeio sobre as defesas rebeldes. Logo em seguida, nas primeiras horas do dia 11, uma outra tentativa frustrada de invasão pela costa sudeste resultou em pesadas baixas. A ofensiva foi suspensa pelo restante do dia, devido a um denso nevoeiro que cobriu o golfo da Finlândia, impossibilitando novas operações militares. Em razão da péssima visibilidade, um piloto comunista que sobrevoava Oranienbaum em direção a Petrogrado aterrissou acidentalmente em Kronstadt. Ao perceber o engano, acelerou os motores e conseguiu decolar em meio a intensas rajadas de metralhadoras. Por sorte, chegou são a salvo em Petrogrado[127].

Mesmo com tantos reveses, os comandantes soviéticos estavam decididos a suprimir o motim antes da chegada do degelo e, por isso, não aguardaram a finalização dos preparativos militares para dar andamento às operações. A 12 de março, o bombardeio aéreo e o fogo de artilharia foram retomados esporadicamente durante todo o dia sem causar grandes transtornos para as defesas rebeldes. Segundo uma fonte dos emigrados, um avião bolchevique teria sido abatido no golfo da Finlândia por uma bateria antiaérea de Kronstadt[128], sendo a única ocorrência de incidente aéreo registrada durante toda a rebelião. Na manhã seguinte, deram seguimento às manobras dos dias anteriores. Após bombardear a fortaleza, outra incursão com soldados camuflados de branco partiu da costa sul um pouco antes do amanhecer. Novamente, a missão não obteve êxito e retornou debaixo de um poderoso fogo cruzado oriundo dos fortes nos arredores da ilha. Mas os ataques não foram interrompidos. Na manhã do dia 14, novos destacamentos bolcheviques, encobertos pela escuridão da noite, foram engolidos por um furacão de tiros de artilharia e metralhadora, não lhes restando saída senão a fuga com dezenas de mortos e feridos deixados para trás. Não houve mais ataques em pequena escala. Durante as 72 horas seguintes, toda atividade por terra foi suspensa e as operações avançaram apenas por meio de ataques aéreos e bombardeios de artilharia. Finalmente, uma força máxima de assalto passou a ser organizada pelo comando comunista.

Mas as adversidades que os bolcheviques enfrentavam iam além do campo de batalha. Por exemplo, no entroncamento das linhas férreas de Krasnoe Selo, a sudeste de Petrogrado, ferroviários recusavam-se a transportar tropas enviadas para reprimir o levante dos marinheiros de Kronstadt. Em outro caso, um integrante da Juventude Comunista, que vinha de Moscou, notou que o trem em que estava parava sucessivamente ao longo do curto trajeto de Petrogrado a Oranienbaum. O maquinista culpava a má qualidade do combustível pelos consecutivos contratempos. No entanto, voluntários que embarcaram no mesmo trem suspeitavam que a viagem estivesse sendo atrasava de propósito[129]. Muito mais sério, todavia, foi um incidente ocorrido no dia 16 de março, à véspera do assalto final. Em Oranienbaum, os fuzileiros da 27ª. Divisão de Omsk, que serviram com distinção na guerra civil contra os brancos, deram início a um motim com o propósito de “ir a Petrogrado e derrotar aqueles judeus”. Tropas leais comandadas por I. F. Fedko, um dos especialistas militares da Academia Militar do Estado-Maior, isolaram rapidamente a base, cercando os quartéis dos amotinados de Omsk e efetuando a prisão de seus líderes. Nem mesmo os fiéis kursanty estavam imunes ao poderoso vírus da decepção: quase na mesma hora do motim de Omsk, uma conspiração antibolchevique tramada pelos cadetes da Escola de Comando de Peterhof foi descoberta e vários de seus oficiais detidos e escoltados para as prisões de Petrogrado[130].

Não obstante os episódios envolvendo casos de deslealdade nas tropas do governo, os dois últimos dias antes do ataque decisivo foram marcados por uma expressiva mudança no moral das forças vermelhas. Boa parte do mérito pela reviravolta coube aos delegados do X Congresso do Partido, munidos de uma nova e poderosa arma: a informação de que, no dia 15 de março, o congresso de Moscou votou pela substituição das requisições forçadas por uma taxa em espécie. Quando Lênin anunciou o novo programa à assembleia, um representante da Sibéria subiu ao púlpito e declarou que “bastaria explicar o decreto a todos os siberianos para que se encerrassem instantaneamente todas as desordens camponesas na região”[131]. Os delegados que estavam no front, inteirados da novidade, apressaram-se em comunicá-la ao resto das tropas. O efeito foi notável. De imediato, como recordou um comissário bolchevique, houve uma mudança radical no ânimo dos soldados, a maioria dos quais pertencia a famílias camponesas[132]. Era o começo do fim do comunismo de guerra. O anúncio da medida exerceu uma influência decisiva sobre a performance das forças vermelhas na batalha final.

Quase ao mesmo tempo, também operava uma mudança no estado de espírito de Kronstadt, só que no sentido inverso. Até meados de março, o moral dos rebeldes mantinha-se em alta, apesar dos inúmeros obstáculos com que se defrontavam até então. “Hoje é o aniversário da queda da autocracia e será a véspera do fim da comissariocracia”, proclamava o Izvestiia de Kronstadt, no dia 12 de março[133]. Um carteiro do consulado norte-americano em Viborg, de passagem pela fortaleza naquele dia, constatou “a determinação e o bom humor que predominavam nas guarnições e na população da cidade”. De maneira análoga, um correspondente do partido socialista revolucionário (SR) descreveu a ordem e tranquilidade que prevalecia por toda a cidade, onde as fábricas continuavam a funcionar normalmente. “Almejamos ter iniciado à tarefa colossal de libertação da Rússia”, explicou Petrichenko ao jornalista. “Estamos empenhando todas as nossas forças no intuito de convencer a população de Petrogrado a aderir à nossa causa… Nós construiremos o verdadeiro poder dos sovietes”[134]. Kronstadt estava convencida de que sua causa era justa e que, muito em breve, a revolta se alastraria pelo continente. A 11 de março, o Izvestiia lançou um apelo a todo o país para que se unisse à luta contra a opressão bolchevique: “Kronstadt está lutando por todos vocês, que estão famintos, descamisados, por todos os que sentem frio… Camaradas, os kronstadtinos ergueram a bandeira da rebelião, confiando nos milhões de operários e camponeses que responderão ao seu chamado. Não é possível que o amanhã que já chegou aqui, num dia tão brilhante, não ilumine toda a Rússia, a começar por Petrogrado”[135].

Enquanto isso, o Comitê Revolucionário encarregava-se de fortalecer as defesas da ilha contra o ataque iminente. Para dificultar a tarefa da artilharia e dos bombardeios noturnos, o comitê ordenou para que se apagassem as luzes da cidade à noite. Até então, as baixas eram mínimas e forasteiros que visitavam Kronstadt davam conta de poucos feridos e danos menores nas edificações da cidade. Durante todo o dia do 10 de março, segundo confirmações dos próprios rebeldes, foram contabilizados quatorze mortos e quatro feridos (dois marinheiros, um soldado e um civil). No dia 12 de março, o jornal Izvestiia de Kronstadt surpreendia-se com um menino de 15 anos que sofreu ferimentos leves quando patrulhava uma determinada área (nada podia detê-lo, explicava o jornal, pois, no ano passado, seu pai, um simples camponês, foi fuzilado pelos bolcheviques em sua aldeia)[136].

Mas a situação principiou a tomar um rumo adverso. Contrariamente ao que se esperava, Petrogrado não deu provas de que se uniria ao movimento rebelde. Pouquíssimos exemplares do Izvestiia de Kronstadt foram pregados nas paredes das fábricas e somente em uma ocasião um caminhão circulou pelas ruas da cidade distribuindo panfletos rebeldes. A 7 de março, operários da fábrica Arsenal aprovaram a resolução de Kronstadt e enviaram delegados a outras empresas para convocar uma greve geral em apoio aos insurgentes[137]. Mas todos os esforços foram nulos. Apaziguada pelas concessões e intimidada pela presença das tropas, a cidade não esboçou qualquer iniciativa em defesa dos rebeldes. Os marinheiros sentiram-se traídos; sentimento que perdurou por muito tempo, mesmo após o fim da rebelião. Os refugiados na Finlândia reclamavam por terem acreditado nos operários de Petrogrado, que realmente pareciam “falar a sério”, e por apostarem que as greves deflagrariam uma revolução completa. De maneira similar, marinheiros capturados que estiveram com Dan na prisão acusaram os operários de se venderem ao governo “por uma libra de carne”[138].

De fato, nenhuma ajuda viria de qualquer parte. Kronstadt permaneceu só e isolada. Ataques aéreos frequentes, intensos bombardeios de canhão, investidas noturnas dos pelotões de ataque bolchevique, que impediam as noites de sono dos marinheiros, além das violentas tempestades de neve, que castigavam as patrulhas rebeldes, obrigadas a percorrer o chão coberto de gelo calçando apenas sandálias por falta de botas, tornaram-se rotineiros. Como se não bastasse, o abastecimento de combustível estava por um fio. Alarmado, o Izvestiia de Kronstadt rogou à população sitiada que economizasse o máximo possível de energia elétrica. Também iam se escasseando as munições. A 11 de março, os rebeldes receberam ordens para não dispararem contra aviões comunistas, desperdiçando inutilmente valiosos cartuchos de fuzis e metralhadoras. Ao mesmo tempo, os “especialistas militares” criticavam os procedimentos da artilharia que atirava indiscriminadamente em alvos distantes e incertos. Para piorar, o número de baixas, ainda que pouco preocupante, aumentava a cada dia. Em meados do mês de março, os estoques de medicamentos chegavam ao fim concomitantemente ao aumentou significativo da taxa de mortalidade. No dia 14 de março, cumpriram-se ritos funerários coletivos no Hospital Naval de Kronstadt. Dois dias depois, enquanto outra cerimônia era realizada na Catedral dos Marinheiros, a artilharia comunista bombardeou a cidade sem cessar. Naquela noite, o moral dos rebeldes despencou ainda mais quando um projétil de 12 polegadas lançado de Krasnaya Gorka atingiu o convés do Sebastopol, matando 14 marinheiros e ferindo outros 36[139].

Em tais circunstâncias, como bem lembrou um membro do Comitê Revolucionário, era impossível manter o entusiasmo do início[140]. Já Berkman observou que a vitalidade da fortaleza rebelde desvanecia com os sucessivos ataques, a falta de alimento e de combustível, as longas noites de insônia passadas em guarda e ao relento[141]. Um sentimento de aflição incontido apoderava-se dos insurgentes à medida que se tornava insuportável a espera pelo assalto que se sabia inevitável e próximo. Em razão disso, o clima de suspense e o crescente estado de tensão deixavam a resistência com os nervos à flor da pele. O que mais preocupava os rebeldes, no entanto, era um problema que o autor do Memorando Secreto previu semanas antes do início do conflito: a situação das provisões de Kronstadt. Por quanto tempo haveria ainda de durar as reservas de alimentos necessários para abastecer uma população de 50 mil habitantes isolada do mundo exterior? Ao fim da primeira semana, já não havia como manter a ração diária de 225 gramas de pão e uma lata de conservas. No dia 8 de março, cada pessoa passou a receber uma pequena quantidade de aveia suficiente para quatro dias e, no dia 9, um pouco mais de 100 gramas de uma bolacha preta feita de farinha e batatas desidratadas. No dia seguinte, os metalúrgicos de Kronstadt, condoídos com a situação, ofereceram à comunidade sua cota especial de carne de cavalo enlatada. Apesar de tudo, durante todo o período em que transcorreu a insurreição, não faltou o leite condensado – e, ocasionalmente, uma lata de carne em conserva – a que cada pessoa tinha direito. E, para as crianças, reservou-se sempre um extra de 200 gramas de manteiga. Mas, no dia 15 de março, quase não sobravam mais alimentos enlatados, enquanto que os estoques de farinha estavam vazios e o pão escasseava[142].

O povo tinha fome. Pela ocasião, o soviete de Petrogrado avaliava que “a fome é frequentemente o principal fator de capitulação nas guerras entre os povos”[143]. Aos poucos, Kronstadt perdia a esperança de resistir até o degelo da primavera e os líderes rebeldes passaram a reconsiderar a possibilidade de receber ajuda do exterior. Como vimos, nos primeiros dias da revolta, as ofertas de Chernov foram respeitosamente recusadas pela liderança do movimento. Mas quando, a 16 de março, o barão Vilken ofereceu alimentos e remédios em nome da Cruz Vermelha Russa, os rebeldes não estavam em condições de recusar e aceitaram a promessa com imensa gratidão.

Mas, como sabemos também, a ajuda nunca chegou. Com efeito, naquele mesmo dia, 16 de março, Tukhachevsky reagrupou o seu exército para consumar o assalto final ao bastião rebelde. As forças de ataque foram divididas em dois grupos. A unidade maior foi instalada na costa sul do golfo da Finlândia, enquanto a menor iniciava suas operações ao norte da margem costeira da Carélia. Para enfrentar 15 mil rebeldes bem entrincheirados, estima-se um número total de soldados nas tropas comunistas entre 35 mil a 65 mil[144]. Mas as cifras reais oscilam provavelmente ao redor de uns 50 mil homens (o dobro do primeiro assalto do dia 8 de março), dos quais uns 35 mil compunham o Grupo do Sul. Alguns dos melhores comandantes bolcheviques foram escalados para liderar a repressão. Muitos haviam se destacado na guerra civil, como Fedko e Dybenko, ambos da Academia Militar do Estado-Maior, e Vitovt Putna, oficial que a pouco assumira o comando da 27ª. Divisão de Omsk, após a malfadada tentativa de motim. Apesar das incessantes acusações do governo, de que a rebelião de Kronstadt era obra de uma conspiração de generais da Guarda Branca, a verdade é que os oficiais czaristas desempenharam um papel muito mais importante para as forças bolcheviques. Os comandantes E. S. Kazansky e A. I. Sediakin, assim como os seus superiores, Tukhachevsky e S. S. Kamenev (que não tinha nenhum parentesco com o L. B. Kamenev, um dos líderes do Partido Comunista) serviram como oficiais no Exército Imperial.

Os recrutas sentiram-se, então, mais confiantes. O reforço numérico das tropas incorporadas, a indiscutível qualidade do alto oficialato empregado para comandar a operação, sem esquecer, é claro, da injeção de ânimo aplicada pelos incansáveis delegados do partido, colaboraram em muito para elevar o moral das tropas. “Há três anos, temos sofrido com a fome, a falta de combustível e outras calamidades do gênero. E agora esta traição! Façamos picadinho desses traidores!”[145] Mensagens assim eram marteladas incessantemente pela máquina de propaganda soviética, mas agora repercutia positivamente na disposição dos soldados, tomados por um ímpeto de vingança contra os marinheiros de Kronstadt. Os soldados iniciaram a operação vestidos de casaca branca e botas de inverno; estavam equipados com abundante munição e tesouras especiais para cortar o arame farpado que protegia os fortes e baterias da ilha. Como forma de aplacar qualquer tipo de insatisfação em torno da comida, cada soldado recebeu ração de pão suficiente para dois dias e duas latas de carne em conserva. Todavia, um comandante do Grupo do Norte, querendo elevar o psicológico de suas tropas, enfiou os pés pelas mãos ao advertir seus homens para não comerem antes de entrar em combate, pois as feridas eram bem mais difíceis de curar com o estômago cheio[146].

O plano de Tukhachevsky previa um prolongado bombardeio seguido por um assalto de infantaria a partir de três rotas distintas e divididas entre o Grupo do Norte, que partiria do extremo norte da ilha de Kotlin, e o Grupo do Sul, que sairia das extremidades sul e leste. Às 14 horas, do dia 16 de março, as tropas legalistas desfecharam um bombardeio que perdurou o dia todo. Projéteis caíram próximo ao cemitério, onde se prestava homenagem aos rebeldes que pereceram em combate. Os fortes, as baterias e os dois encouraçados replicaram com pesados tiros de barragem. Durante o fogo cruzado, um projétil estourou no convés do Sebastopol. Apesar de não provocar danos maiores na embarcação, o incidente matou ou feriu uns 50 tripulantes. Para evitar que o Petropavlovsk também fosse atingido, a tripulação liberou uma cortina de fumaça que encobriu todo o navio. Entretanto, no dia seguinte, uma bomba acertou o Petropavlovsk, matando cinco homens e ferindo sete[147]. Além dos intensos disparos costeiros, a força aérea cruzou o golfo e bombardeou a fortaleza e a rede de defesa da ilha. Todavia, o bombardeio combinado por terra e ar não provocou estragos consideráveis, tampouco muitas baixas. Mas o abatimento psicológico foi grande, deprimindo ainda mais o estado de ânimo dos insurgentes.

Ao cair da noite, o bombardeio cessou. Atentos ao padrão da ofensiva da semana anterior, os rebeldes esperavam a mesma regularidade do ataque seguinte e os homens tomaram seus postos de costume. Muitos deles estavam exaustos, porque nos últimos dois ou três dias sequer tiveram tempo para um simples cochilo. Porém, nada acontecia. Apenas um silêncio absoluto imperava noite adentro. Fachos de luz dos refletores dos fortes e navios de Kronstadt rastreavam para lá e para cá a paisagem glacial a procura de algum sinal de movimentação. Finalmente, às 3 horas da manhã, do dia 17, as tropas inimigas avançaram, valendo-se da escuridão e de um denso nevoeiro que desabou sobre o golfo. O Grupo do Norte, composto em grande parte por cadetes militares da região de Petrogrado, partiu de Sestroretsk e Lisy Nos em duas colunas com o objetivo de efetuar um ataque em dois flancos, respectivos aos fortes Totleben e Krasnoarmeets e aos sete fortes numerados entre a ilha de Kotlin e a costa da Carélia. Encabeçando as colunas, marchavam voluntários da tropa de choque encarregada de limpar o terreno para o derradeiro ataque. Para não serem detectados, os oficiais deviam transmitir as ordens por cochichos e conversas estavam expressamente proibidas. A comunicação também devia se realizar por meio de minuciosos sinais luminosos que foram devidamente planejados com antecedência. Ademais, era proibido fumar.

Às 5 horas da manhã, a coluna da ala esquerda, formada por cinco batalhões que partiram de Lisy Nos em direção à extrema periferia de Kronstadt, deteve-se ante os fortes 5 e 6, que se avultavam ameaçadores. Os homens receberam ordens para que se deitassem; em seguida, avançaram lentamente, rastejando-se pela camada de gelo. A água que sobejava a superfície congelada do golfo encharcava seus casacos brancos. Quando já haviam alcançado a cerca e rompiam o arame farpado, foram surpreendidos pela iluminação dos refletores dos fortes rebeldes, que, de tão intensa, “a noite virou dia”, conforme recordava um soldado sobrevivente. No forte 6, ouviram-se gritos para que os invasores se rendessem. “Somos amigos. Somos a favor do poder dos sovietes. Não queremos atirar em vocês”[148]. Ignorando os apelos, os kursanty precipitaram-se até os fortes empunhando baionetas e granadas. Ante a saraivada de tiros mortíferas das metralhadoras, deram meia-volta e fugiram contando inúmeras perdas. Mas, após sucessivas investidas, finalmente os cadetes atravessaram as defesas rebeldes aos gritos de “hurra!” A partir daí, travou-se uma batalha feroz entre as forças inimigas até que os dois fortes foram conquistados pelas tropas invasoras.

Durante a manhã, o nevoeiro se dissipou e o 17 de março resplandeceu bonito e ensolarado. Sem poder contar com a proteção da noite, as tropas comunistas arriscaram-se num ataque rápido aos demais fortes de Kronstadt. O embate foi marcado pela rivalidade de dois grupos que lutavam com uma obstinação que ultrapassava as raias do fanatismo e que resultou em muitas perdas de vidas. O bombardeio da artilharia rebelde rompia a camada de gelo formando pequenos lagos que logo se convertiam em tumbas de dezenas de soldados inimigos. Em um dos batalhões comunistas, segundo relatou S. P. Uritsky, comandante da Academia Militar do Estado-Maior, não sobrou mais que 18 sobreviventes[149]. Mas a resistência rebelde foi paulatinamente sendo vencida. No meio da tarde, todos os fortes numerados foram derrotados e os kursanty avançaram até o noroeste da muralha que cercava a cidade de Kronstadt. Enquanto isso, a coluna da direita, composta por duas companhias, tentava inutilmente tomar o forte Totleben. Embora esgotados, os rebeldes lutavam com um desespero selvagem, obrigando os pelotões comunistas a retrocederam muitas vezes. As baixas multiplicavam-se generosa e indiscriminadamente. Entretanto, os insistentes ataques de infantaria conseguiram inutilizar os grandes canhões do forte. Em compensação, as metralhadoras e granadas dos rebeldes cobraram um pesado tributo às tropas comunistas. Sem se dar conta, um grupo de cadetes entrou em um campo minado e, quando as bombas explodiram, muitos deles se afogaram nas cavidades abertas na crosta de gelo. Finalmente, as tropas invasoras penetraram o forte onde se travou um terrível combate corpo a corpo pelo resto do dia. Até a uma da manhã, do dia 18, o forte Totleben não havia se rendido, mas não resistiu por muito mais tempo e, quando caiu, Krasnoarmeets, o forte vizinho, também se entregou.

Enquanto isso, o Grupo do Sul lançou um ataque pelas regiões sul e leste da cidade. Um efetivo numeroso, municiados com metralhadoras e artilharia leve, deixou Oranienbaum às 4 da manhã do dia 17, cerca de uma hora depois da saída do Grupo do Norte, e avançou dividindo-se em três colunas até o porto militar de Kronstadt. Uma quarta coluna foi enviada ao Portão de Petrogrado, que, como vimos, era o ponto de estrada mais vulnerável da cidade. Ainda estava escuro quando as unidades da 79ª. Brigada de Infantaria aproximaram-se dos canhões que defendiam o porto. Do outro lado, refletores lançavam feixes de luz à procura de soldados inimigos, mas a escuridão e a névoa ocultavam as tropas camufladas. Ao desembarcar no extremo sul da cidade, tropas de choque comunistas dominaram rapidamente as equipes de atiradores das baterias externas. Então, ao apertarem o passo em direção dos baluartes rebeldes da periferia, foram recepcionados por um intenso fogo de barragem. Nuvens de neve subiam em consequência dos milhares de tiros que ricocheteavam e granadas que explodiam no gelo. Embrenhando-se para dentro de um furacão mortal de rajadas de balas, os destacamentos comunistas revelaram uma coragem extraordinária; ainda que o desespero empurrava-os para frente, em partes, pelo efeito de palavras de ânimo ou ameaças da retaguarda. Não é surpreendente, todavia, que alguns homens foram acometidos por crises de pânico e se recusaram a prosseguir. Quando dois soldados, dominados pelo terror, esconderam-se dentro de uma barcaça encalhada no gelo, o comandante do pelotão sacou a pistola e matou os rapazes ali mesmo; em seguida, deu ordens para que os demais seguissem adiante[150]. Mas a batalha foi decidida quando vários caminhões carregados de combatentes rebeldes entraram em cena e armaram um contra-ataque fulminante sem dar chance de reação aos comunistas, que foram forçados a recuar. Durante o confronto, foram mortos ou feridos mais da metade dos homens da 79ª. Brigada, incluindo alguns delegados do X Congresso do Partido[151].

Na extrema zona leste da cidade, o cenário era mais animador para as forças do governo. Momentos antes do nascer do sol, a 32ª. Brigada de Infantaria, secundada pelos 95º. e 96º. Regimentos de Infantaria, conseguiu abrir uma brecha na muralha ao norte do Portão de Petrogrado e, mediante violento combate, penetrou no interior da cidade. Paralelamente, a 187ª. Brigada de Infantaria, comandada por Fedko e tendo à frente a tropa de choque dos cadetes militares, conseguiu forçar uma entrada no Portão de Petrogrado, sendo seguida de perto pelas 167ª. e 80ª. Brigadas. Até aqui, as tropas do governo já haviam sofrido pesadas baixas, porém, uma vez dentro das muralhas, conforme as palavras de um contemporâneo, “abriram-se as portas do inferno”[152]. Os soldados invasores foram recebidos por um enxame de tiros de metralhadoras e rifles que pareciam disparar de todas as janelas e do alto dos telhados. Nas calçadas, poças de sangue empapavam o chão coberto pela neve, enquanto mortos e feridos abarrotavam as ruas da cidade. Cada espaço era milimetricamente disputado: rua a rua, casa a casa. Apesar de tudo, nem o derramamento de sangue fratricida nem a queda da maioria dos fortes ou a feroz batalha dentro da cidade compeliram os rebeldes a uma desforra em cima dos prisioneiros comunistas. Próximo ao Portão de Petrogrado, uma patrulha de resgate do governo correu para chegar ao cárcere e, rompendo uma das janelas, armas foram entregues aos prisioneiros que se libertaram e uniram-se ao combate[153].

Durante todo o dia, as forças beligerantes enfrentaram-se sem trégua. De acordo com alguns relatos, as mulheres de Kronstadt tomaram parte da luta, levando munições aos rebeldes e retirando os feridos debaixo do fogo cruzado para transportá-los aos postos de primeiros socorros do hospital da cidade[154]. Às 16 horas, os insurgentes lançaram uma contraofensiva repentina que estremeceu o avanço das tropas bolchevique que por pouco não recuaram das posições alcançadas para fora da cidade. Mas neste momento crítico, o 27º. Regimento de Cavalaria e um destacamento de voluntários do partido de Petrogrado chegaram para salvar o dia. Momentos antes do pôr do sol, a artilharia de Oranienbaum invadiu a cidade e abriu fogo contra os rebeldes. À medida que a batalha tornava-se mais encarniçada, homens de ambos os lados caíam feridos ou porque sofriam de exaustão. Nas primeiras horas da noite, os kursanty do Grupo do Norte introduziram-se na cidade pela região nordeste e dominaram o quartel general da fortaleza, fazendo muitos prisioneiros. Ato contínuo, estabeleceram contato com o Grupo do Sul, que naquele momento já havia aberto caminho entre o Portão de Petrogrado e o centro da cidade. À meia-noite, a luta arrefeceu. Os últimos fortes caíram um a um. A vitória estava à vista.

A 5 de março, ou seja, muitos dias antes do derramamento de sangue que arrasaria a cidadela de Kronstadt, o Comitê de Defesa de Petrogrado alertou os insurgentes de que no último minuto os líderes do motim – “os Kozlovskys e Petrichenkos” – abandonariam a cidade e fugiriam para Finlândia[155]. Previsão que se cumpriu a risca. Na noite de 17 de março, quando tudo se revelou perdido, onze membros do comitê revolucionário (inclusive, Petrichenko) escaparam para Terijoki. (Valk, Pavlov e Perepelkin foram feitos prisioneiros durante a batalha e Vershinin, como vimos acima, já havia sido capturado na ocasião do primeiro assalto do dia 8 de março). Kozlovski, Solovianov e outros “especialistas militares”, que colaboravam com os rebeldes, também conseguiram fugir. Um pouco antes da meia-noite, cerca de 800 refugiados, incluindo a maior parte da liderança do movimento insurgente, aportaram nas praias da Finlândia. Por serem os mais visados, em uma eventual captura, os líderes rebeldes só não foram os primeiros a deixar a ilha porque um grupo de marinheiros dos fortes numerados evadiu-se antes para o litoral da Carélia. Mas, sem dúvida, a perspectiva de execução sumária pesou na decisão de abandonar Kronstadt. De qualquer maneira, a fuga da liderança teve o efeito de um sinal verde para um êxodo em massa que despovoou a ilha de Kotlin e suas fortificações. Durante as vinte e quatro horas que se seguiram, uma corrente interminável de refugiados, em sua maioria marinheiros, atravessaram as fronteiras da Finlândia. No total, cerca de 8.000 homens, ou seja, mais da metade das forças rebeldes, fugiram de Kronstadt. Mais ou menos uns quatrocentos cavalos, que se desgarraram em meio ao horror do combate, foram domados sobre as águas congeladas do golfo e uns 2.500 fuzis abandonados próximo à costa litorânea foram recolhidos pelos guardas de fronteira finlandeses[156].

Tem sido observado que o bombardeio comunista, ainda que suspenso por 11 dias, provocou poucos danos na defesa de Kronstadt. Mas, em seu último gesto de desacato, os marinheiros em retirada danificaram a culatra dos canhões dos fortes e baterias e destruíram também dínamos, refletores, metralhadoras e demais equipamentos militares. Quando os comunistas ocuparam os fortes do norte, quase não sobraram armas em condição de uso[157]. Na noite de 17 de março, os comandantes do Petropavlovsk e Sebastopol deram instruções às respectivas tripulações para que dinamitassem os navios no momento do desembarque. Mas os homens, ao tomarem conhecimento da fuga dos líderes rebeldes, não executaram as ordens. Num movimento inverso, prenderam os oficiais e enviaram mensagens ao comando soviético comunicando que estavam prontos a se renderem. Às 23h50, o quartel-general comunista de Kronstadt encaminhou a seguinte mensagem ao Comitê de Defesa de Petrogrado: “O covil contrarrevolucionário do Petropavlovsk e do Sebastopol está enfim liquidado. Simpatizantes da autoridade soviética assumiram o controle das embarcações e foram encerradas todas as atividades militares a bordo do Petropavlovsk e Sebastopol. Providências têm sido tomadas com a devida urgência para que os oficiais em fuga para a Finlândia sejam detidos”[158]. Durante as primeiras horas do dia 18 de março, destacamentos kursanty ocuparam os dois encouraçados. Enquanto isso, salvo uns poucos focos isolados de resistência, os rebeldes capitularam, de modo que ao meio-dia os fortes e barcos e quase toda a cidade estavam nas mãos do governo. À tarde, os últimos redutos rebeldes foram vencidos e não se ouviu mais o estrepitar dos canhões de Kronstadt.

Por sua ferocidade, a batalha de Kronstadt igualou-se aos episódios mais sangrentos da guerra civil. As perdas foram grandes para ambas as partes; mas para os comunistas, forçados a atacar em campo aberto, contra combatentes fortemente entrincheirados, o preço foi muito maior a pagar. Entre os dias 3 e 21 de março, segundo o relatório oficial de saúde, mais de 4.000 feridos foram internados nos hospitais de Petrogrado. Destes, 527 vieram a óbito no leito hospitalar. Estas cifras não incluem o grande número de vítimas que pereceu na batalha. Depois da luta havia tantos mortos espalhados pela superfície de gelo que forçou o governo finlandês a pedir para Moscou a retirada dos corpos que, com a chegada do degelo, poderiam ser arrastados pela maré até a terra firme e acarretar riscos para a saúde do país[159]. Uma estimativa de fontes oficiais calcula, por baixo, um total de baixas em torno de 700 comunistas e 2.500 feridos. Entretanto, segundo o testemunho de um bolchevique que atuou no Forte de Número 6, esses números foram subestimados. Outro cálculo eleva a perdas comunistas para 25.000, entre mortos e feridos. Todavia, segundo o bem informado cônsul norte-americano em Viborg, Harold Quarton, as baixas soviéticas totais chegaram próximas aos 10.000 mil homens. Tal estimativa parece bastante razoável, caso se considere todos os mortos, feridos e desaparecidos[160]. Cerca de quinze delegados do X Congresso do Partido perderam suas vidas durante a campanha. A 24 de março, houve um enterro coletivo com honras militares realizado em Petrogrado[161].

As baixas rebeldes foram menores, mas de modo algum, insignificantes. Nenhum dado disponível é confiável, mas um relatório contabiliza 600 mortos, 1.000 feridos e cerca de 2.500 prisioneiros[162]. Entre os mortos, não foram poucos os que foram massacrados quando o conflito estava em vias de terminar. Uma vez dentro da fortaleza, a sanha por vingança tomou conta das tropas comunistas, que perpetraram uma verdadeira orgia de sangue. O ódio acumulado durante o assalto pode ser expresso pelo arrependimento de um soldado que lamentava o uso de aviões para metralhar rebeldes que fugiam em campo aberto para a Finlândia. Mas o número de vítimas poderia ter sido bem maior. Tanto Trotsky como S. S. Kamenev, seu comandante em chefe, já haviam aprovado o uso de armas químicas contra os rebeldes. Se a resistência tivesse perdurado por mais algum tempo, teria avançado um plano idealizado pelos cadetes da Escola Superior Militar de Química de atacar Kronstadt com bombas de gás tóxico lançadas por balões [No original: “…a plan to launch a gas attack with shells and balloons” – N.T][163].

A notícia da repressão repercutiu rapidamente, provocando diferentes reações entre os mais diversos setores. Na Europa ocidental, os expatriados russos sentiram-se desolados. Lamentaram os insucessos da tentativa de ajuda aos rebeldes e denunciavam a Grã-Bretanha por ter firmado um acordo comercial com os bolcheviques bem no auge do conflito armado. Todavia, um jornal dos emigrados assumiu uma posição bem menos desesperadora. Em um editorial intitulado “As lições de Kronstadt”, declarava que a luta pela libertação da Rússia não cessaria até que a vitória final fosse alcançada. Igualmente, o professor Grimm escreveu a um colega que, se uma nova revolta irrompesse em Petrogrado, eles não poderiam ser pegos outra vez desprevenidos[164].

Na Rússia, os bolcheviques festejavam o triunfo tão duramente conquistado. Mas em meio à euforia havia uma nota de pesar aos “equivocados camaradas marinheiros”. No geral, os estrangeiros comunistas comungavam dessa alegria amarga e mantiveram seu apoio ao regime por mais incerto o rumo que a revolução parecia estar tomando. Afinal, a Rússia bolchevique, ponderavam, era o primeiro estado socialista da história. Apesar de todas as suas deficiências, era o primeiro país em que latifundiários e burguesia haviam sido despojados do poder que lhes estava profundamente incrustado. Em sua opinião, objeções de outra ordem eram de importância secundária. Mas alguns comunistas estrangeiros, como Victor Serge, sentiam-se profundamente consternados. Para os anarquistas, como Emma Goldman e Alexander Berkman, a repressão a Kronstadt teve um efeito devastador. Na noite de 17 de março, recordava Goldman, em suas memórias, quando cessou de trovejar os canhões, a bonança que se abateu sobre Petrogrado era mais assustadora que os ininterruptos estrondos dos dias anteriores. Durante os momentos finais de Kronstadt, Berkman, para quem “o último fio que prendia minha fé aos bolcheviques acaba de arrebentar”, vagou sem esperança pelas ruas da cidade; enquanto Goldman, prostrada em seu quarto de hotel, experimentava uma insuportável agonia, “uma inexplicável fatiga que inundava cada parte do meu ser”. Sentada à janela, Goldman encarava Petrogrado, que lhe parecia agora, envolta na escuridão, “uma entidade fantasmagórica”, coberta por um fúnebre manto negro e pontilhada pelo cintilar das lâmpadas amarelas, “velando a cidade à noite”. Na manhã seguinte, 18 de março, os jornais de Petrogrado traziam grandes manchetes comemorativas do quinquagésimo aniversário da Comuna de Paris. As bandas de música tocavam marchas militares e os comunistas desfilavam pelas ruas cantando a “Internacional”. “Sua melodia – observava Goldman -, que uma vez soara tão jubilosa aos meus ouvidos, parece agora um triste réquiem em memória à esperança em chamas da humanidade”. Berkman fez uma ácida anotação em seu diário: “Os vitoriosos celebram o aniversário da Comuna de 1871. Quanta ironia, agora Trotsky e Zinoviev manifestam todo o seu repúdio a Thiers e Galliefet, os responsáveis pelo massacre dos rebeldes de Paris”[165].

Enquanto isso, em Kronstadt, os bolcheviques fizeram todo o possível para esconder os rastros do levante. Pavel Dybenko foi nomeado comandante da fortaleza, investido de poderes absolutos para realizar expurgos de elementos dissidentes e calar ideias subversivas. Para auxiliar o novo comandante, no lugar do soviete de Kronstadt, foi instaurada uma revtroika, composta por três dos mais leais líderes bolcheviques de Kronstadt: Vasiliev, Bregman e Gribov. Aos 18 de março, começou a circular na cidade um novo jornal, Kronstadt Vermelho. Os barcos de guerra Petropavlovsk e Sebastopol foram rebatizados com os nomes de Marat e Comuna de Paris, enquanto que a Praça da Âncora passou a se chamar Praça da Revolução. Novamente, reiniciou-se a inscrição partidária e, durante o processo, 350 filiados foram expulsos ou não compareceram à convocatória do partido. Uma “operação cirúrgica”, segundo as palavras de um autor, foi colocada em prática na Marinha Soviética: os marinheiros suspeitos foram separados e transferidos para as bases do Mar Negro, Cáspio e Aral, ou para a flotilha do Rio Amur, no Extremo Oriente. Paralelamente, em todas as unidades navais foram realizadas purgas para remoção de elementos suspeitos de serem Ivanmory – mais ou menos uns 15.000[166]. Os soldados do Exército Vermelho, que participaram do assalto final, foram também dispensados para localidades remotas de todo o país. Somente um mês mais tarde, Tukhachevsky foi outra vez designado para comandar uma expedição punitiva contra os guerrilheiros de Antonov, na região de Tambov[167].

Finalmente, resta-nos esclarecer o paradeiro dos sobreviventes de Kronstadt. Nenhum dos rebeldes capturados foi submetido a julgamento público. Dos mais de dois mil detidos durante a luta, somente treze foram denunciados de liderar o motim e julgados a portas fechadas. Para endossar a tese da acusação, acerca da conspiração contrarrevolucionária, a imprensa soviética publicava repetidas vezes os antecedentes dos réus: cinco ex-oficiais navais eram nobres de nascimento, outro era um ex-padre e sete eram camponeses[168]. Os nomes dos acusados não eram conhecidos, nenhum deles aparecia como “especialista militar” ou pertencia ao Comitê Revolucionário – dos quais Valk, Pavlov, Perepelkin e Vershinin estavam mantidos sob custódia. No dia 20 de março, os treze “chefes” do levante foram julgados e condenados à pena de morte.

Com relação aos demais prisioneiros, já foi dito que centenas foram executados em Kronstadt. Os que restaram foram conduzidos pela Tcheca para prisões no continente. Em Petrogrado, os cárceres ficaram lotados e, durante um período de vários meses, centenas de rebeldes foram tirados de suas celas e fuzilados. Entre eles, Perepelkin, o qual Feodor Dan travou conhecimento enquanto faziam exercícios no pátio da prisão. Antes de ser executado, redigiu uma exposição detalhada sobre a revolta. Dan nunca soube que fim levou o manuscrito[169]. Outros foram enviados a campos de concentração, tais como a notória prisão Salovki, no Mar Branco. Condenados a trabalhos forçados, para muitos resultou numa sentença de morte lenta pela fome, fadiga e doenças[170]. Em alguns casos, as famílias dos insurgentes padeceram do mesmo destino. A esposa e os dois filhos de Kozlovski, feitos reféns no início de março, foram enviados para um campo de concentração e somente à sua filha de 11 anos foi concedido o perdão[171].

E o que foi feito dos rebeldes que fugiram para a Finlândia? Cerca dos oito mil que escaparam foram internados em campos de refugiados em Terijoki, Viborg e Ino. Quase todos os fugitivos eram marinheiros e soldados, mas dentre eles se encontravam alguns civis – homens, mulheres e crianças[172]. A Cruz Vermelha Norte-Americana e Britânica proporcionaram-lhes alimento e vestuário. Alguns foram empregados na construção de estradas e outras obras públicas. No entanto, a vida nos campos era penosa, deprimente e de difícil adaptação. Aos refugiados, não se permitia, a princípio, nenhum contato com a população local. Enquanto o governo finlandês recorria à Liga das Nações para realocar os refugiados para outros países, os bolcheviques exigiam a repatriação dos foragidos e a devolução de todas as armas apreendidas. Atraídos pela promessa de anistia, alguns retornaram à Rússia, onde foram presos e levados a campos de concentração. Entre maio e junho, muitos deles passaram por uma breve estadia na mesma prisão em que Dan estava preso. Depois lhes foi reservado uma morte prematura nos campos de trabalho forçado[173].

Ainda assim, nem a melancolia nem a decepção pela derrota abalaram o prestígio de Petrichenko, que continuou sendo respeitado pelos seus camaradas. Seu maior erro, diziam, foi poupar os líderes comunistas do fuzilamento. Mas o próprio Petrichenko não se arrependia de sua decisão. Admitiu, entretanto, a um jornalista norte-americano em Terijoki, que a rebelião havia sido prematura e mal organizada. “Fomos derrotados – disse – mas o movimento não se extinguirá, porque surgiu do povo… Existem milhões como eu na Rússia, que não são reacionários brancos nem assassinos vermelhos. Esta gente simples haverá de derrotar os bolcheviques”[174]. Pouco se sabe da vida de Petrichenko no exílio. Uma coleção soviética de documentos e memórias relativos ao levante de Kronstadt contém uma carta, datada de 17 de novembro de 1923, que se pretende do líder rebelde a um amigo que residia na Rússia. Na correspondência, Petrichenko não só reconhece seus erros como chega a confessar que vem solicitando para que seja readmitido à sua pátria[175]. Todavia, a carta é de autenticidade duvidosa. Um artigo publicado por Petrichenko num jornal socialista revolucionário (SR), em dezembro de 1925, não parece demonstrar um pingo de arrependimento e segue sustentando o caráter espontâneo da rebelião, que é definida como um movimento de libertação contra a ditadura do Partido Comunista, ou melhor, dos seus líderes[176].

Sobre a vida de Petrichenko no exílio, a história soviética oficial da Guerra Civil registra de modo equivocado uma curta passagem do líder rebelde pela Finlândia com destino à Tchecoslováquia, onde teria se estabelecido. A verdade é que ele permaneceu na Finlândia por quase 25 anos. Como consequência da derrota, como vimos acima, Petrichenko aceitou colaborar com os círculos de emigrados da Europa ocidental, com os quais compartilhava o desejo de libertar a Rússia do domínio bolchevique. Mais tarde, todavia, uniu-se a grupos pró-soviéticos na Finlândia. Durante a Segunda Guerra Mundial, suas atividades indispuseram-no com as autoridades finlandesas que, em 1945, o repatriaram. Na Rússia, foi prontamente preso e, um ou dois anos depois, morreu em um campo de prisioneiros[177].


[1] Pravda o Kronshtadte, pág. 45.

[2] Serge, Memoirs of a Revolutionary, pág. 124.

[3] Izvestiia Petrogradskogo Soveta, 16 de março de 1921.

[4] Petrogradskaia Pravda, 4 de março de 1921.

[5] “Prikaz voiskam Krasnoi Armii Moskovskogo garnizona”, No 226, 3 de março de 1921, Archivos Maklakov, Series B, Packet 5, No 5.

[6] Pravda o Kronshtadte, pág. 71.

[7] Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), pág. 456.

[8] Daily Herald, 7 de março de 1921.

[9] Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), pág. 34.

[10] Isaac Deutscher, The Prophet Armed, New York, 1954, pág. 514; Raphael R. Abramovitch, The Soviet Revolution, 1917-1939, New York, 1962, pág. 203. Cf. André Morizet, Chez Lénine et Trotski, Moscou 1921, Paris, 1922, págs. 78-84.

[11] Serge, Memoirs of a Revolutionary, págs. 126-29.

[12] Pravda o Kronshtadte, pág. 162.

[13] Deutscher, The Prophet Armed, pág. 514.

[14] Pravda o Kronshtadte, págs. 92-94; Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, págs. 8-9.

[15] Informe do tenente R. Kelley, em Quarton ao secretário de Estado, 23 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8619. São equivocados os relatos na imprensa dos emigrados (por exemplo, Rul’, 8 de março de 1921) de que os rebeldes utilizaram o Ermak para abrir um canal até Orianienbaum. No dia anterior ao início da rebelião, o barco foi enviado a Petrogrado para ser reabastecido com combustível.

[16] Ver, por exemplo, Quarton ao secretário de Estado, 9 de março de 1921, ibid., 861.00/8296: “O gelo forma uma grossa camada em ambas as costas, mas, talvez, os rebeldes cavaram um fosso arredor da ilha e estão protegidos por uma faixa de água”.

[17] Novaia Russkaia Zhizn’, 19 de março de 1921; Times de Londres, 21 de março de 1921; Sotsialisticheskii Vestnik, 5 de abril de 1921, págs. 5-6.

[18] “Prichiny, povody, techenie i otsenka Kronstadtskikh sobytii”, manuscrito, Hoover Library; Pukhov, Krasnaia Latopis’, 1931, No 1, pág. 17.

[19] Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 12; Katkov, “The Kronstadt Rising”, St. Antony’s Papers, No 6, pág. 33.

[20] Pravda o Kronshtadte, pág. 51.

[21] Serge, Memoirs of a Revolutionary, pág. 125.

[22] Petrogradskaia Pravda, 3 de março de 1921; Izvestiia Petrogradskogo Soveta, 3 de março de 1921.

[23] Berkman, The Kronstadt Rebellion, págs. 30-31; Goldman, Living My Life, págs. 879-81; Krasnaia Gazeta, 5 de março de 1921; Izvestiia TsIK, 6 de março de 1921. Ver também Komatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 40-42; e Pravda o Kronshtadte, págs. 165-66.

[24] Kornatovskii, comp., Kronshtadtskii miatezh, pág. 42.

[25] Trotskii, Kak vooruzhalas’ revoliutsiia, III, parte 1, 202. S. S. Kamenev, comandante em chefe do Exército Vermelho, e M. N. Tukhachevsky, comandante do Sétimo Exército em Petrogrado, foram os oficiais que assinaram o ultimato.

[26] Deutscher, The Prophet Armed, pág. 512; Pravda o Kronshtadte, pág. 68.

[27] Kornatovskii, comp., Kronshtadtskii miatezh, págs. 188-89.

[28] Trotskii, Kak vooruzhalas’ revoliutsiia, I, 151.

[29] Pravda e Izvestiia TsIK, 5 de março de 1921.

[30] Pravda o Kronshtadte, pág. 73.

[31] Berkman, The Bolshevik Myth, págs. 301-302; Goldman, Living My Life, págs. 882-83. A carta foi redigida por Berkman.

[32] Pravda o Kronshtadte, págs. 73-74.

[33] Acerca do papel que desempenhou Tukhachevsky na repressão de Kronstadt, ver L. V. Nikulin, Tukhachevskii, Moscú, 1964, págs. 134-50.

[34] Komatovskii, comp., Kronshtadtskii miatezh, pág. 44; S. E. Rabinovich, “Delegaty 10-gos’ ‘ezda RKP(b) pod Kronshtadtom v 1921 godu”, Krasnaia Letopis’, 1931, n. 2, págs. 26-31.

[35] Os dados sobre as defesas de Kronstadt foram tomados de Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, págs. 80-81; Komatovskii, comp., Kronshtadtskii miatezh, págs. 43, 95; Pravda o Kronshtadte, págs. 24, 90; Bol’shaia sovetskaia entsiklopediia, 16 ed., XXXV, 223; Rul’, 12 de março de 1921; e Times de Londres, 16 e 30 de março de 1921.

[36] Informe do tenente R. Kelley, em Quarton ao secretário de Estado, 23 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8619.

[37] Berkman, The Bolshevik Myth, pág. 303.

[38] Pravda o Kronshtadte, pág. 80.

[39] Ibid.

[40] Serge Memoirs of a Revolutionary, pág. 130.

[41] Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 12; Mett, La Commune de Cronstadt, pág. 51.

[42] Detalhes adicionais acerca do assalto de 8 de março podem ser encontrados em Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 44-46, 67-68; Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, págs. 14-15; e Pravda o Kronshtadte, págs. 23, 90, 106, 180.

[43] Izvestiia Petrogradskogo Soveta, 8 de março de 1921; Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), pág. 33.

[44] Uma fonte bem informada estima as perdas bolcheviques em 500 mortos e 2.000 feridos: “Kak nachalos’ vosstanie v Kronshtadte”, 12 de março de 1921, Miller Archives, File 5M, No 5.

[45] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 95-96. Cf. Pravda o Kronshtadte, págs. 94-98, 129.

[46] Pravda o Kronshtadte, p. 82.

[47] Pravda o Kronshtadte, págs. 56-57.

[48] Novaia Russkaia Zhizn’, 11 de março de 1921; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 76.

[49] Pravda o Kronshtadte, págs. 52-54, 77-78; Berkman, The Kronstadt Rebellion, págs. 20-21. Os quatorze números do Izvestiia estão reproduzidos no Pravda o Kronshtadte, que é a fonte mais valiosa no que se refere ao programa e às atividades dos insurgentes.

[50] Pravda o Kronshtadte, pág. 177.

[51] Ibid., págs. 56-57, Revoliutsionnaia Rossiia, 1921, No 7, pág. 22.

[52] Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 85.

[53] Za Narodnoe Delo, 15 de março de 1921.

[54] Ver, por exemplo, Voline, La Révolution inconnue, pág. 462; Katkov, “The Kronstadt Rising”, St. Antony’s Papers, No 6, pág. 70.

[55] Lenin, Polnoe sobranie sochinenii, XXXV, 57.

[56] Pravda o Kronshtadte, pág. 55.

[57] Avrich, The Russian Anarchists, pág. 252.

[58] Berkman, The Kronstadt Rebellion, págs. 24-25.

[59] Ibid., pág. 19; Pravda o Kronshtadte, pág. 65.

[60] Pravda o Kronshtadte, pág. 132.

[61] Ibid., pág. 31.

[62] Ibid., págs. 164-65.

[63] Ibid., págs. 82-84, 163. Não aparece nenhum registro destas afirmações nas minutas oficiais do Congresso, mas devem ter sido formuladas na sessão secreta, do tipo que foi examinado no capítulo 1 e que contou com a participação de Lenin.

[64] Ibid., págs. 172-74.

[65] Ibid., págs. 92, 173-74.

[66] Ibid., pág. 83. A última frase, por suposto, é uma referência à tomada de reféns em Petrogrado.

[67] Ibid., págs. 128, 165.

[68] Ibid., págs. 83-84. As esperanças e requerimentos dos rebeldes, sintetizados mais acima, estão muito claramente expostos em três documentos: a resolução do Petropavlovsk, de 28 de fevereiro a 1o de março, e dois longos editoriais publicados no jornal rebelde, “Por que estamos lutando”, de 8 de março, e “Socialismo entre aspas”, publicado no último número, a 16 de março. Estes três documentos reunidos apresentam a mais plena e eloquente formulação do programa de Kronstadt. A resolução do Petropavlovsk está incluída no capítulo 2 deste livro e os dois editoriais aparecem nos Apêndices.

[69] Daniels, The Conscience of the Revolution, pág. 66.

[70] Avrich, The Russian Anarchists, pág. 198. Foi erguida na cidade de Kronstadt um busto de Zhelezniakov: Kronshtadt: kratkii putevoditel’, pág. 116.

[71] Goneniia na anarkhizm v Sovetskoi Rossii, Berlín, 1922.

[72] Dan, Dva goda skitanii, pág. 156; Pravda o Kronshtadte, pág. 46. Cf. Katkov, “The Kronstadt Rising”, St. Antony s Papers, No 6, págs. 59-62. Segundo o proeminente anarquista Volin (A Révolution inconnue, págs. 469-70), o Comitê Revolucionário Provisório enviou emissários a Petrogrado pedir ajuda dele, Volin, e Yarchuk na rebelião de Kronstadt, sem saber que ambos haviam sido presos pelos bolcheviques. Volin acrescenta ainda que Petrichenko simpatizava com os anarquistas, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse tais alegações.

[73] Avrich, The Russian Anarchists, pág. 230.

[74] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 164-66.

[75] Slepkov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 33; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 77. Embora não haja menção a A. Lamanov nas fontes sobre a rebelião de 1921, de fato ele foi um ativista maximalista durante a Revolução de 1917.

[76] Soiuz S-R Maksimalistov, Trudovaia sovestskaia respublika, Moscou, 1918, e O rabochem kontrole, Moscou, 1918; C. Nestroev, Maksimalizm i bol’shevizm, Moscou, 1919; Maksimalist, No 2, 25 de agosto de 1918, págs. 5-9 e No 16, 15 de abril de 1921, págs. 15-16.

[77] “Beseda s Kronshtadtsami”, Revoliutsionnaia Rossiia, 1921, No 8, págs. 6-8.

[78] Pravda o Kronshtadte, pág. 128. A doutrina da “terceira Roma” proclamava: “As duas Romas caíram, mas a terceira está em pé e no haverá uma quarta”.

[79] Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 18.

[80] Avrich, Russian Rebels, 1600-1800, atualmente em preparação.

[81] Pravda o Kronshtadte, págs. 79-80, 90. A respeito do discurso de Lenin (no VIII Congresso dos Sovietes), ver Vos’moi vserossiiskii s’ ‘ezd sovetov, pág. 30.

[82] Pravda o Kronshtadte, págs. 172-74.

[83] Ibid., pág. 106.

[84] Ibid., págs. 80-82, 91, 120. Trepov foi um conhecido chefe de polícia sob Nicolau II. Maliuta Skuratov foi um sanguinário chefe da polícia secreta (a oprichniki) de Ivan, o Terrível, que instaurou um reinado de terror no século XVI.

[85] Ibid., pág. 158.

[86] Ibid., págs. 89, 162, 179.

[87] Ibid., págs. 150-52. Cf. Katkov, “The Kronstadt Rising”, St. Antony’s Papers, No 6, págs. 49-50.

[88] Za Narodne Delo, 17 de março de 1921; Novaia Russkaia Zhizn’, 19 de março de 1921.

[89] Revoliutsionnaia Rossiia, 1921, No 8, pág. 6.

[90] “Interv’iu chelnami Vremennogo Revoliutsionnogo Komiteta”, manuscrito, Hoover Library.

[91] Norman Cohn, Warrant for Genocide, Londres, 1967, pág. 120.

[92] “K vospominaniiam matrosa sluzhby 1914 goda”, manuscrito, Columbia Russian Archive.

[93] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 95-96.

[94] Revoliutsionnaia Rossiia, 1921, No 8, págs. 6-8.

[95] Pravda o Kronshtadte, pág. 66.

[96] Trifonov, Klassy i klassovaia bor’ba v SSSR, págs. 106-107.

[97] Poslednie Novosti, 11 de março de 1921.

[98] Cf. Daniels, The Conscience of the Revolution, págs. 145-46; e Schapiro, The Origin of the Communist Autocracy, págs. 305-306.

[99] Desiatyi s’ ezd RKP(b), págs. 72, 300.

[100] “Beseda s Iu. Kh. Lutovinovym”, Novyi Mir, 13 de março de 1921.

[101] Leon Trotsky, The Revolution Betrayed, Nova York, 1937, pág. 96; Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), pág. 253.

[102] Komatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 13-15, 86; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, págs. 50, 95.

[103] Pravda o Kronshtadte, pág. 108.

[104] Ibid., pág. 133.

[105] Ibid., pág. 59.

[106] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 31; Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 8.

[107] Pravda o Kronshtadte, pág. 58.

[108] Ibid., págs. 50-51.

[109] Ibid., pág. 130; Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 228; Krasnaia Gazeta, 18 de março de 1921.

[110] Serge, Memoirs of a Revolutionary, págs. 126-27; Pravda o Kronshtadte, pág. 130.

[111] Pravda o Kronshtadte, págs. 75, 84. Sobre as relações entre os rebeldes e os comunistas de Kronstadt, ver Katkov, “The Kronstadt Rising, St, Antony’s Papers, No 6, págs. 45-48.

[112] Ver a entrevista com Vasiliev en Krasnaia Gazeta, 18 de março de 1921.

[113] Pravda o Kronshtadte, págs. 96, 101, 122, 138, 156; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 77.

[114] Quarton ao secretário de Estado, 9 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8470.

[115] Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), págs. 33-34. Em outra ocasião Lenin tratou de minimizar os perigos da rebelião dizendo que Kronstadt representava “uma ameaça menor ao poder Soviético que o exército irlandês ao Império Britânico”. Polnoe sobranie sochinenii, XLIII, 129.

[116] Serge, Memoirs of a Revolutionary, pág. 131.

[117] Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), pág. 167.

[118] Grazhdanskaia voina, 1918-1921, I, 365; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 150; V ogne revoliutsii, Moscou, 1933, pág. 56.

[119] Dan, Dva goda skitanii, págs. 154-55; New York Times, 12 de março de 1921; Novaia Russkaia Zhizn’, 22 de março de 1921; “Prichiny, povody, techenie i otsenka Kronshtadtskikh sobytii”, manuscript, Hoover Library.

[120] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 226-27.

[121] Krasnaia Gazeta, 10 de março de 1921.

[122] Petrogradskaia Pravda, 11 de março de 1921.

[123] As minutas do congresso contêm uma lista incompleta de 279 voluntários, incluindo figuras proeminentes como K. E. Voroshilov, A. S. Bubnov (um centralista democrático), V. P. Zatonsky, y G. L. Piatakov: Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), págs. 765-67.

[124] M. Rafail, Kronshtadtskii miatezh (Iz dnevnika politrabotnika), Jarkov, 1921, págs. 4-6. Cf. Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 152.

[125] Rabinovich, “Delegaty 10-gos’ ‘ezd RKP (b) pod Kronshtadtom”, Krasnaia Letopis’, 1931, No 2, págs. 50-54.

[126] Quarton para o Secretário de Estado, 11 de março de 1921, National Archives, 861.00/8318.

[127] Izvestiia Petrogradskogo Soveta, 11 de março de 1921.

[128] Za Narodnoe Delo, 18 de março de 1921.

[129] New York Times, 16 de março de 1921; Vogne revoliutsii, pág. 58.

[130] Kornatovskii (comp.), Kronshtadskii miatezh, págs. 100-101; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, págs. 147-48.

[131] Desiatyi s’ ‘ezd RKP(b), págs. 430, 468.

[132] Rabinovich, “Delegaty 10-gos’ ‘ezda RKP (b) pod Kronshtadtom”, Krasnaia Letopis’, 1931, No 2, pág. 32.

[133] Pravda o Kronshtadte, pág. 126.

[134] Quarton para o Secretário de Estado, 13 de março de 1921, National Archives, 861.00/8319; Times de Londres, 17 de março de 1921; Volia Rossii, 15 de março de 1921.

[135] Pravda o Kronshtadte, págs. 120-21.

[136] Ibid., págs. 122, 132; New York Times, 16 de março de 1921. Outra fonte estima o número de feridos de Kronstadt e fortes em 60: “Kak nachalos’ vosstanie v Kronshtadte”, 12 de março de 1921, Millet Archives, File 5M, No 5.

[137] Mett, La Commune de Cronstadt, pág. 46.

[138] Quarton para o Secretário de Estado, 23 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8619; Dan, Dva goda skitanii, pág. 153.

[139] Pravda o Kronshtadte, págs. 75, 138; Quarton para o Secretário de Estado, 23 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8619; Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 18.

[140] “Interv’iu chlenami Vremennogo Revoliutsionnogo Komiteta”, manuscript, Hoover Library.

[141] Berkman, The Kronstadt Rebellion, pág. 36. Cf. Goldman, Living My Life, pág. 884.

[142] Mett, La Commune de Cronstadt, págs. 77-78; Volia Rossii, 15 de março de 1921; “Prichiny, povody, techenie i otsenka Kronshtadtskikh sobytii”, manuscript, Hoover Library.

[143] Izvestiia Petrogradskogo Soveta, 14 de março de 1921.

[144] New York Times, 18 de março de 1921; Novaia Russkaia Zhizn’, 22 de março de 1921; “Prichiny, povody, techenie i otsenka Kronshtadtskikh sobytii”, Hoover Library; Tseidler ao presidente da Cruz Vermelha Russa, 20 de março de 1921, Ciers Archives, File 88.

[145] Krasnaia Gazeta, 17 de março de 1921.

[146] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 89.

[147] Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 18; New York Times, 19 de março de 1921. Temos coletado detalhes do assalto, sobretudo, de notícias de jornais contemporâneos e recordações de testemunhos. Ver especialmente Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 45-51, 89-91; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, págs. 162-70; Grazhdanskaia voina, I, 367-73; Rafail, Kronshtadtskii miatezh, págs. 20-26; y K. E. Voroshilov, “Iz istorii podavleniia Kronshtadtskogo miatezha”, Voenno-Istoricheskii Zhurnal, 1961, No 3, págs. 15-35. Lamentavelmente não consegui localizar Voennoe Znanie, 1921, No 8, dedicado ao tema.

[148] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 90, 105.

[149] Grazhdanskaia voina, I, 370.

[150] Alexander Barmine, One Who Survived, Nova York, 1945, pág. 95.

[151] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 246-47.

[152] “Khod sobytii v Petrograde vo vremia Kronshtadtskogo vosstaniia”, manuscript, 19 de março de 1921, Columbia Russian Archive.

[153] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 78, 88.

[154] Petrichenko, Pravda o Kronshtadtskikh sobytiiakh, pág. 21; Voline, La Révolution inconnue, pág. 499; “Khod sobytii v Petrograde”, Columbia Russian Archive.

[155] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 189.

[156] Novaia Russkia Zhizn’, 22 e 24 de março de 1921.

[157] Times de Londres, 30 de março de 1921.

[158] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 243.

[159] Mett, La Commune de Cronstadt, pág. 56; Times de Londres, 31 de março de 1921.

[160] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 107; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 169; “Khod sobytii v Petrograde”, Columbia Russian Archive; Quarton para o Secretário de Estado, 19 de março de 1921, National Archives, 861.00/8372. Os dados fornecidos pelo tenente Kelley dão conta de 25 a 30.000. Todavia, estão superestimados: Quarton para o Secretário de Estado, 23 de abril de 1921, 861.00/8619.

[161] Petrogradskaia Pravda, 25 de março de 1921.

[162] Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, pág. 168; Grazhdanskaia voina, I, 372.

[163] V. Pozdnyakov, “The Chemical Arm”, en The Red Army, B. H. Liddell Hart (comp.), Nova York, 1956, págs. 384-85. O coronel Pozdnyakov havia sido um dos estudantes que traçaram o plano.

[164] Za Narodnoe Delo, 19 de março de 1921; Grimm a Giers, 31 de março de 1921, Giers Archives, File 88.

[165] Goldman, Living My Life, pág. 886; Berkman, The Bolshevik Myth, pág. 303. Thiers era o primeiro ministro de França e Gallifet o general que reprimou os Communards.

[166] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, pág. 15; Pukhov, Kronshtadtskii miatezh, págs. 176-80. Cf. G. A. Cheremshanskii, “Kronshtadtskoe vosstanie, 28 fevralia-18 marta 1921”, manuscript, Columbia Russian Archive. Cheremshansky estava entre os marinheiros do Báltico transferidos para Amur.

[167] Fedko também teve um papel importante na repressão de Antonov. Ver M. N. Tukhachevskii, “Bor’ba s kontrrevoliutsionnymi vosstaniiami”, Voina i Revoliutsiia, 1926, No 8, págs. 3-15; A. I. Todorskii, Marshall Tukhachevskii, Moscou, 1963, págs. 71-73; y Nikulin, Tukhachevskii, págs. 151-56.

[168] Krasnaia Gazeta, 23 de março de 1921; Petrogradskaia Pravda, 23 de março de 1921; Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 247-49. De acordo com a acusação, os indiciados foram responsáveis pela morte ou por terem feridos “muitos milhares” de soldados vermelhos, o que tende a confirmar a estimativa de Quarton.

[169] Dan, Dva goda skitanii, págs. 153-57.

[170] Maximoff, The guillotine at Work, pág. 168; David Dallin y Boris Nicolaevsky, Forced Labor in Soviet Russia, New Haven, 1947, pág. 170. De acordo com uma recente obra soviética, a maioria dos marinheiros capturados foram perdoados e só se aplicou “castigo severo” (isto é, execução) aos chefes e implacáveis inimigos da autoridade soviética: Sofinov, Istoricheskii povorot, pág. 36.

[171] Dan, Dva goda skitanii pág. 158. Outra fonte contemporânea, talvez por erro, diz que ambos os filhos foram fuzilados: “Svedeniia iz Petrograda ot 12 aprelia: Kronshtadt i otgoloski ego vosstaniia”, manuscript, Hoover Library.

[172] O campo maior, localizado no forte Ino, incluía 3.597 internados, dos quais 3.584 eram homens, 10 mulheres e 3 crianças. Só 25 homens não eram militares: Novaia Russkia Zhizn’, 27 de março de 1921.

[173] Times de Londres, 30 de março de 1921; Dan, Dva goda skitanii, pág. 159. Depois de um ano, segundo alguns relatórios, um grupo de refugiados de Kronstadt organizou o “Batalhão Plejanov” e junto com guerrilheiros finlandeses lutaram contra os bolcheviques no leste da Carélia. Ver C. Jay Smith, Finland anal the Russian Revolution, 1917-1922, Athens, Georgia, 1958, págs. 193-97.

[174] Quarton para o Secretário de Estado, 5 de abril de 1921, National Archives, 861.00/8446; New York Times, 31 de março de 1921.

[175] Kornatovskii (comp.), Kronshtadtskii miatezh, págs. 163-64.

[176] Petrichenko, “O prichinakh Kronshtadtskogo vosstaniia”, Znamia Bor’by, dezembro de 1925-janeiro de 1926, págs. 4-8.

[177] Grazhdanskaia voina, I, 362; Serge, Memoirs of a Revolutionary, pág. 132; Unto Parvilahti, Beria’s Gardens, Nova York, 1960, págs. 21, 285.