Karl Korsch – Carta a Paul Mattick (1938)

Carta a Paul Mattick

Nova York, 20 de novembro de 1938

Estou aqui no terceiro dia da minha triste jornada para explorar as possibilidades atuais de trabalho e influência no Instituto de Pesquisa Social[1]. Até agora, fica claro que minhas duas contribuições, se tanto, aparecerão na Zeitschrift fur Sozialforschung com tantas exclusões e distorções que elas perderão completamente o seu significado real. Eu as teria tomado de volta há muito tempo se não achasse que ainda assim seria uma certa vantagem para ambas – Pannekoek e Espanha -se elas forem editadas pela revista mesmo distorcidas de alguma forma[2].

A propósito, você está completamente seguro de que Pannekoek poderia ser considerado o autor do livro de Harper? Se não, de imediato eu ficaria feliz em perguntar diretamente a ele. Com Living Marxism, não prejudica tanto, mas a Zeitschrift ainda é lida por pessoas burguesas na Holanda. Após conversar com camaradas ligados a Canne Meijer e Sneevliet em Amsterdã em 1928, tive a impressão que Pannekoek havia dado ao governo holandês algum tipo de garantia de não se envolver em atividades políticas (ou não na Holanda, não publicamente, ou algo parecido). Então, ele assinou o artigo sobre a questão da organização para Living Marxism com seu próprio nome ou com um pseudônimo?

Após as primeiras duas longas discussões com Horkheimer sobre planos para colaborar em um grande livro sobre a dialética, estou muito cético. Parece que eles querem me usar, mais ou menos como eles te usaram recentemente com o seu relatório sobre economia. Eles me tratam com um respeito quase exagerado, mas isso é apenas outra forma de corresponder à minha “alta” posição de classe e o respeito devido a mim em virtude dela. Quando nenhum resultado financeiro resultar disto, provavelmente romperei essa parceria de alguma forma, que agora é vista de forma muito positiva por todos os lados (uma parceria anônima na medida em que estou em questão, e que me serve muito bem!). Tudo isto na mais profunda confiança e fica completamente entre nós. Você pode falar sobre isso com Hans se transmitir a ele meu pedido para guardar a mais estrita e absoluta discrição.

Pollack é verdadeiramente generoso e está positivamente interessado em utilizar meu poder de produção de alguma forma, o que também seria útil para mim. Mas ele está completamente mergulhado nos negócios capitalistas privados do Instituto e nem sequer tem participado nas discussões.

Horkheimer é subjetivo (innerlich), como já observei nas nossas reuniões em Seattle[3], e nos últimos anos tem se aproximado muito do meu, nosso, ponto de vista político. Mas ele não está de forma alguma preparado para expressar suas opiniões publicamente[4]. Todo o Instituto sempre foi e ainda está completamente baseado em uma dupla contabilidade (doppelten Buchfiihrting) na política e na teoria revolucionária[5]. Isto não é tão mal quanto outros (a “New School” por exemplo)[6] que, ao invés de oferecer seus cargos de ensino para emigrantes políticos qualificados e necessitados (como A. Rosenberg, Hallgarten e… Korsch?) contratam pessoas ricas como Reizler de Frankfurt ou reacionários declarados como o prefeito de Dollfuss-Weiner[7] Winter (há um livro grotesco de Winter, que merece uma resenha em Living Marxism), tudo financiado por judeus estadunidenses e antifascistas. Essas pessoas são a escória mais nojenta que se pode imaginar. Mas as pessoas do Instituto de Pesquisa Social pensam que é porque eles são meramente covardes, egoístas e limitados – e não abertamente contrarrevolucionários – e que de alguma forma são revolucionários e estão prontos para a luta (em segredo!).

Wiesengrund (Adorno) é uma das mentes mais capazes em filosofia, como Grossman é um iluminado em economia. Wittfogel também, apesar de estar entediado com o seu campo, pode realizar algo científico. Politicamente ele ainda é externamente um stalinista, enquanto os outros só querem evitar uma hostilidade direta com os stalinistas. Internamente, todos eles são, sem exceção, em vários níveis, antistalinistas.

Marcuse é uma espécie de marxista ortodoxo que pode até ser ainda um stalinista, e é burocraticamente autoritário em questões de filosofia burguesa e marxismo (que hoje se tornou uma mesma coisa). Teoricamente, ele tem um pouco mais de caráter e solidez que os outros, cuja maior “liberdade” consiste apenas em uma maior flutuação e incerteza. Mas ele não é especialmente simpático como pessoa.

Lowenthal e Neumann são no geral escritores talentosos, pessoalmente decentes, um no campo da literatura, o outro na jurisprudência.

Esta é, aproximadamente, a situação. Eles trabalham, pouco, e falam muito. A isso denominam “trabalho coletivo.” Em uma hierarquia definida, cada um tagarela com o outro e, em seguida, concluem. A isso eles chamam Comunidade.

Conversei brevemente com Grossman ontem pela primeira vez em uma palestra de Horkheimer na universidade (cujo círculo de ouvintes era composto na maior parte pelas pessoas do Instituto e suas mulheres, e alguns poucos estudantes confusos, mais ou menos influenciados pelo stalinismo, muito abaixo do nível intelectual de seu círculo em Chicago).

Ainda não consegui discutir o seu manuscrito econômico ou Living Marxism com ele. Em relação ao apoio para este último, ele parece sombrio. Mencionei isso muitas vezes em conversas, mas tenho a impressão de que ninguém o lê, e que todos eles têm ansiedade sobre ele (no fundo, eles têm ansiedade sobre ele em geral, embora de fato não existe nenhum perigo em tudo que eles seriam influenciados ou abalados de alguma forma lendo nossos artigos!).

De acordo com uma comunicação da Chapman & Hall, o meu livro (Karl Marx) aparecerá em Londres em 7 de novembro! Em relação à edição estadunidense, eles submeteram o trabalho a Wiley & Son e estão esperando a decisão deles…

Posso receber cópias a 4 xilins cada uma (o preço da livraria é de 6 xilins), e já encomendaram 6 cópias.

Talvez você já possa anunciar neste número de Living Marxism que o livro apareceu e está disponível (pelo preço da livraria expresso em dólares). Se você acha que está tudo bem e não prefere esperar até que Wiley tome sua decisão, a fim de eventualmente lidar com ele, diga-me. Pedirei então um número de cópias da Chapman e ele enviará para mim em Chicago no seu endereço.

Falarei com [Sidney] Hook sexta-feira à noite e acho que também vou chamar [Lewis] Corey e alguns outros para fazermos um encontro. Boelke ainda está atuando bem e vou procurá-lo[8]. Talvez ele vá me ligar, enquanto isso… Estou sempre em casa até 10:00 da manhã. Ele também pode deixar uma mensagem para mim com a sra. Lucy Bernhardi onde eu moro. Saudações a todos os amigos. Se eu ainda tivesse dinheiro provavelmente iria a Chicago em breve. Na verdade, estou pensando em ir dentro de aproximadamente um mês, por algumas semanas. Escreva! Quando Living Marxism aparecerá?

Seu, KK.

[PS:] Recebi a Modern Quarterly em Boston antes da minha viagem. Muito obrigado. Garrat[9] não entende nada sobre a luta de classes. Do ponto de vista materialista, não é uma questão sobre o que as pessoas estão pensando em suas cabeças (“luta contra a religião, etc.”), mas o que são e fazem. A partir da apresentação de Garrat segue-se que a única força contrária a Franco + Negrin, Mussolini, Hitler, Chamberlain, etc. é o proletariado (que está ativo na Espanha, latente internacionalmente e ambíguo na Rússia!), a igreja e a ordem na Espanha representam uma grande parte do capital (mais diretamente do que em qualquer lugar) e, assim, “a luta contra a religião, etc.” é uma luta mais direta contra o capital. E assim por diante.

Traduzido do alemão por Douglas Kellner.


[1] Para informações sobre a história do Instituto de Pesquisa Social e a relação de Korsch com ele, ver meu artigo, “The Frankfurt School Revisited,” New German Critique 4 (Inverno de 1975), bem como a introdução a esta antologia.

[2] Korsch se refere aqui ao seu artigo sobre o livro de Pannekoek Lênin Filósofo e seu artigo “Economia e Política na Espanha revolucionária” (publicado nesta antologia). Ambos ensaios foram publicados na revista de Mattick Living Marxism e uma versão truncada do ensaio sobre a Espanha apareceu como resenha na Zeitschrift Sozialforschung 7: 469-474.

[3] Korsch fala da visita que Horkheimer fez a ele em Seattle, em uma carta datada de 26 de julho de 1938, citado em Jahrbuch Arbeiterbewegung 2, p. 243.

[4] O artigo onde Horkheimer mais se aproxima da posição política de Korsch é “Estado autoritário”, que ele originalmente publicou sob pseudônimo. Traduzido em Telos 15 (Primavera de 1973).

[5] O termo “dupla contabilidade” foi usado pela III Internacional (Comintern) para condenar a política de Ruth Fisher e seu grupo. Significa oportunismo e ambiguidade de duas caras.

[6] Para uma discussão sobre a New School for Social Research e sua relação com o Institute for Social Resarch, ver J. Radkau, Die deutsche Emigração in den EUA (Dusseldorf: Bertelsmann Universitatsverlag, 1971). Este livro tem informações sobre as pessoas que Korsch alude aqui.

[7] Faltam aqui maiores referências sobre o significado dessa expressão por Korsch. (Nota do Tradutor).

[8] Sidney Hook foi aluno de Korsch em Berlim e em seu livro de 1933 Toward an Understanding Karl Marx (New York: John Day, 1933) cita sua dívida para com Korsch. Lewis Corey foi autor de The Decline of American Capitalism (New York: Covia Fried 1934) e vários artigos sobre marxismo. Boelke era um membro do Grupo de Comunistas de Conselhos.

[9] Korsch está se referindo ao livro de G.T. Garratt, Mussolini’s Roman Empire (Londres: Harmondsworth, 1938), resenhado em Living Marxism 4, n. 7 (Junho de 1939): 221-222.

O presente texto foi traduzido por José Carlos Mendonça. A tradução encontra-se disponível no livro Karl Korsch: Crítico Marxista do Marxismo. Florianópolis: Em Debate, 2016.