Carta a J. A. Dawson
Boston, Massachusetts, EUA, 3 de maio de 1948
Caro amigo:
Embora possa ter sido mais sensato olhar primeiro através das últimas edições do seu jornal, decidi não adiar por mais tempo meu plano, muito atrasado, de escrever diretamente para você. Até agora te escutei apenas indiretamente e li com interesse as questões de seu jornal como me foram passadas pelo meu amigo Paul Mattick ou pelos amigos de Boston que publicam o Western Socialist. Penso que você não precisa dizer que minha conexão com o último é meramente pessoal e não se baseia em qualquer acordo teórico ou político. Talvez o que nos separa possa ser mais facilmente expresso por uma frase que continuo repetindo ao meu querido amigo, George Gloss – que o seu grupo representa, na melhor das hipóteses, as ideias da revolução do século XIX, enquanto eu estou interessado exclusivamente na revolução do século XX.
Talvez eu deva primeiramente consignar em detalhes quem sou e fornecer-lhe uma análise histórica do longo desenvolvimento por meio do qual eu passei de membro (embora um membro oposicionista mesmo assim) da inglesa Fabian Society em 1912-1914 para membro do Partido Social Democrata Independente alemão durante a primeira Guerra Mundial, de lá – via uma breve adesão entusiástica – para o partido de Lênin, dele para uma oposição “ultraesquerdista”, primeiro interna e depois externamente ao partido, e de lá posteriormente, durante os últimos vinte anos, para uma nova posição que me parece em muitos aspectos semelhantes à sua atual tendência conforme expresso pelo seu número de dezembro de 1947, o último até agora que eu tenha visto.
Contudo, penso que você está mais ou menos ciente de todos os relevantes matizes do atual desenvolvimento e, portanto, provavelmente sabe mais sobre mim do que eu poderia te dizer em uma breve carta. Porém, não devo negligenciar em dizer-lhe que gostei de sua reimpressão de minha resenha do livro de Trotsky, e de tantas obras de Mattick e Pannekoek. Somente agora eu deveria estar ocupado escrevendo uma resenha da edição em inglês da excelente crítica da filosofia de Lenin de Pannekoek para o Western Socialist. No entanto, acho difícil fazê-lo, dado que falei a maioria das coisas que tinha a dizer em minha resenha anterior do texto em alemão que apareceu no vol. IV, n. 5, de Living Marxism, em 1938. Se eu quisesse melhorar isso agora, depois de dez anos, teria de lidar com o mais recente ataque do positivismo contra o marxismo que está contido nos dois volumes de The Open Society and Its Enemies (A sociedade aberta e seus inimigos) de K. R. Popper que apareceu em Londres (George Routledge and Sons Ltd.) em 1945, que somente agora eu tenho, após sua reimpressão em 1947. Acho este livro muito repugnante, embora seja habilmente escrito e tenha causado uma deploravelmente forte impressão em alguns ex-esquerdistas da estirpe de Pannekoek e Mattick. Assim, acho que é difícil me fazer lê-lo por inteiro, e isso de novo, até agora, me impediu de escrever a resenha que eu tinha prometido tanto para Mattick quanto para o W.S. com a finalidade de promover a venda do valioso livro de Pannekoek. Se e quando eu escrever a resenha te enviarei uma cópia de imediato, uma vez que é bem possível que o W.S. mais uma vez achará minha resenha “muito acadêmica e confusa” como fizeram em relação à minha resenha do livro de Trotsky, e de fato não posso culpá-los por pensar assim de seu próprio ponto de vista particular.
No momento estou absorvido em dois tipos diferentes de estudos, que aparecerão primeiramente em língua alemã, nos quais tento traçar os resultados finais do movimento operário da era “marxista” para a teoria e a prática original de Marx: (1) antes, durante e depois de 1848; (2) durante o período da AIT nas décadas de 1860/70. Vou enviar-lhe cópias do que está pronto assim que eu conseguir traduzir para o Inglês. (No caso de você conseguir obter Alemão MSS traduzido por aí, eu lhe enviaria uma seleção de novos e antigos escritos que possam ser de seu interesse, mas temo não ser possível, pois é quase impossível para mim obter cópias de meus escritos em inglês dos últimos 10-15 anos.)
Em conexão com os estudos acima descritos pretendo escrever sobre as teorias de Bakunin, particularmente sobre sua teoria do Estado como apresentada em um livro de 1873 que é amplamente desconhecido e não existe em qualquer edição não russa, exceto em uma edição em espanhol que também é quase impossível de obter. Assim, vai levar algum tempo antes que eu supere as dificuldades linguísticas. Aprendi espanhol agora e posso eu mesmo ler a tradução espanhola, mas preciso de ajuda para a versão original em russo, e tenho que obter cópias fotostáticas dele, porque eu posso pedir emprestado o livro em si apenas por um período limitado, o que está quase esgotado. Existem alguns artigos em que eu tratei do assunto no periódico alemão Die Aktion em 1928 e 1931, mas eles não foram traduzidos.
Então, eu estava bastante contente quando Lain Diez me enviou o artigo dele sobre a “Interpretação da Comuna de Paris”, eu mesmo o traduzi para o Inglês, inicialmente de uma tradução francesa, e agora a partir da versão original em espanhol, muito melhor que a versão francesa. Também fiz algumas mudanças, com o consentimento do autor (que não conheço pessoalmente). Estou anexando uma cópia deste artigo, com vista à publicação em seu jornal, se você acha que pode fazê-lo. Apesar de algumas deficiências óbvias, eu acho que o pequeno artigo está bem escrito e aborda certas importantes questões de uma forma que pode interessar a pessoas que ainda não se libertaram da lenda Marx-Lenin-Trotsky na mesma medida que você ou eu podemos reivindicar para nós mesmos. Saudações camaradas,
Karl Korsch.
Nota: A carta para J. A. Dawson, editor de Southern Advocate for Workers’ Councils, foi publicada na edição de julho-agosto (Melbourne, 1948), p. 9-10.