Corporativismo Fascista – Daniel Guérin

Nota do Crítica Desapiedada: uma análise marxista do fascismo pode ser vista em:
O que é fascismo? – Nildo Viana


Publicado no ICC (Correspondência Internacional Conselhista) em Fevereiro de 1937. Fascism Corporatism

Antes da tomada do poder

O fascismo colocou – ou colocou novamente – na ordem do dia as palavras: corporação, corporativismo, Estado corporativo. Essas palavras nunca foram tão usadas quanto nos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, há uma grande confusão quanto ao seu significado verdadeiro. É esta confusão que nós tentaremos dissipar.

O corporativismo é uma das iscas que o fascismo acena para a pequena-burguesia e para os trabalhadores com uma mentalidade pequeno-burguesa. Primeiro, para conquistá-los; depois, uma vez instalados no poder, para ocultar-lhes sua verdadeira face.

Se se estudar sobre isso com um pouco mais de profundidade, pode-se achar três coisas na demagogia “corporativa” dos fascistas:

1. A promessa feita aos trabalhadores com mentalidade pequeno-burguesa de “desproletarizá-los”, certamente não através do apagamento da grande diferença de opinião entre capital e trabalho, empregador e empregado, mas pela junção, pela reconciliação daqueles dois fatores de produção. A promessa é feita para estes trabalhadores que, entre estas “corporações” mistas, eles poderão viver como pequenos burgueses; que o direito de trabalhar vai lhes ser garantido; que eles receberão um salário “justo”; que eles receberão aposentadoria; e especialmente que seus empregadores irão tratá-los em pé de igualdade como verdadeiros “colaboradores” na produção.

2. A promessa feita aos pequeno-burgueses independentes (artesãos, pequenos comerciantes etc.), que são vítimas da competição entre os grandes monopólios capitalistas e estão em vias de se tornarem proletários, é a de que o fascismo irá reviver para eles um regime que é inspirado naquele da Idade Média, pela era pré-capitalista. Esse regime não será mais aquele da competição e das leis mais rígidas, mas um regime em que os pequenos produtores serão protegidos, organizados e irão redescobrir a segurança e a estabilidade sob os cuidados da “corporação” autônoma.

3. Finalmente, a promessa feita é de que o Estado político parlamentar, parasita e incompetente, será substituído por um Estado corporativo no centro do qual todos os produtores, agrupados de acordo com o seu ofício, terão o direito ao voto, sob os cuidados dos quais todos os interesses serão conciliados e harmonizados sob o signo do interesse geral.

Esta tripla utopia da pequena burguesia não pertence propriamente ao fascismo. Ela é encontrada através de todo o século XIX. No entanto, assume formas bastante diferentes nos pensamentos da pequena-burguesia reacionária e nos pensamentos da pequena-burguesia reformista.

Corporativismo Reacionário

No início do século XIX, havia muitos pequenos burgueses que lamentavam a recente abolição das corporações. O liberalismo econômico jogara-os indefesos dentro da selva capitalista. A competição impiedosa os arruinou e transformou eles em proletários. E assim eles permaneceram solidamente atravessados no caminho do progresso e tentaram pará-lo em sua marcha. Eles desejavam retornar a um período que antecedeu o capitalismo.

Os partidos reacionários (na França, o partido monarquista) e a Igreja exploraram estas aspirações retrógradas para os seus próprios fins e inscreveram em seus programas o restabelecimento das corporações. Para as necessidades da causa, criou-se o mito das corporações medievais, o que não era senão uma enorme falsificação da história. Na verdade, as “corporações” da Idade Média não se assemelhavam em nenhum aspecto a esse mito que é agora sustentado sobre elas. Elas só existiram por um momento na Idade Média, e o capitalismo as eliminou muito rapidamente ou alterou inteiramente o seu caráter. Elas só apareceram tardiamente e só foram desenvolvidas dentro de uma esfera limitada, aquela do artesão e do pequeno comerciante. E mesmo dentro desse domínio, havia ofícios livres. Contra isso, a grande indústria, que já começava a florescer na Idade Média, escapou ao regime corporativo. A burguesia que o criou estava agrupada em verdadeiros sindicatos patronais, bastante diferentes das “corporações”[1].

Em proporção ao ritmo com que o modo de produção capitalista se expandia, as corporações mascaravam uma parte decrescente do domínio econômico. Foi assim que na França, as fábricas reais, as precursoras da indústria moderna, foram criadas fora da velha servidão do regime corporativo. Quando Turgot (1776) e depois a Revolução (1791) aboliram as corporações na França, elas já estavam mortas em si mesmas. O capitalismo havia “quebrado os grilhões”[2] que acorrentavam o seu desenvolvimento.

Além disso, mesmo dentro da “corporação”, a divergência de posição entre Capital e Trabalho, a luta de classes, apareceu bem cedo. A aristocracia dos mestres tomou rapidamente todo o poder para si própria e se tornou cada vez mais difícil para um trabalhador vir a tomar posse dos direitos e privilégios de um homem livre. Após o século XVII, o trabalhador se tornou um proletário. A corporação não era mais do que um monopólio de casta, uma “Bastilha onde uma oligarquia invejosa e avarenta se entrincheirou[3].

Entretanto, em meados do século XIX, os partidos reacionários e a Igreja fingiram ressuscitar essas corporações medievais há muito superadas na evoluçâo da economia. Eles viram uma tripla vantagem em propagar esta utopia:

1. Atrair a pequena-burguesia retrógrada para as suas fileiras.

2. Desviar os trabalhadores do socialismo e do sindicalismo oferecendo a eles como substituto estas organizações “corporativas”.

3. Abrir uma brecha no sufrágio universal democrático opondo a ele o sufrágio profissional.

Foi assim que na França, desde a primeira metade do século, uma miríade de escritores católicos (Sismondi, Buchez, Villeneuve-Bargemont, Buret etc.) denunciaram os pecados da competição e pediram pelo restabelecimento de ofícios organizados. O Conde de Chambord, em sua Carta Sobre os Trabalhadores (1865), recordava que “a realeza sempre fora patrona da classe trabalhadora” e clamava pela “constituição de corporações livres”. Dos anos 1870 em diante, a Igreja incorporou oficialmente o “corporativismo” em sua doutrina. “O único meio”, declarou o congresso católico de Lille (1871), “para retornar àquele estado pacífico do qual a sociedade desfrutava antes da Revolução é restabelecer, através da associação católica, o reino da solidariedade no mundo do trabalho.” Em 1894, o Papa Leão XIII enviou seu Rerum Novarum encíclico no qual, depois de ter afirmado que “o capitalismo dividiu o corpo social em duas classes e escavou entre elas um imenso abismo”, ele simula reparar o mau através de um retorno ao passado: “Por um longo tempo, nossos ancestrais experimentaram a influência benevolente das corporações. E assim, é com prazer que nós vemos sociedades desse tipo sendo formadas por todo lado.” Por sua vez, La Tour du Pin, que era a um e só tempo católico e monarquista, esperava que a corporação iria reunir o trabalhador e o empregador e “iria substituir, por uma soldagem natural, as correntes artificiais de suas primeiras horas[4].”

Para essas corporações, os reacionários concediam um papel meramente consultivo. Eles não pretendiam substituí-las pelo Estado político, mas ao contrário, eles queriam subordiná-las junto ao Estado. A política em primeiro lugar! Para o Conde de Chambord, as corporações deveriam se tornar as “bases do eleitorado e do sufrágio”. Para La Tour du Pin, elas deviam ser os “colégios eleitorais naturais e históricos do corpo político.” Mas para além delas, havia o monarca “patrão” ou o Estado autoritário do qual as corporações não seriam senão “simples colaboradoras em suas funções econômicas[5].”

Corporativismo Reformista

Enquanto os reacionários desejavam retornar ao passado, outros ideólogos, sem pedirem pelo restabelecimento das corporações medievais abolidas, sonharam em transplantar seus princípios para a sociedade moderna; sonharam em “organizar” o trabalho. Mas sua aspiração era ainda confusa. Saint-Simon queria dividir os produtores em corporações industriais[6]. Seus discípulos mantiveram que o “princípio regenerador” da sociedade futura não era “diferente dos princípios que foram conformados durante a organização da Idade Média.”

“Algumas resoluções legislativas tiveram como objetivo o estabelecimento da ordem dentro de atos industriais. Havia também uma instituição que deixou uma marca particular nas almas nos seus últimos dias, e que respondia à necessidade de união, de associação tanto quanto o estado da sociedade depois o permitiu; ou seja, as corporações. Sem dúvida, estas organizações eram deficientes de várias maneiras. Entretanto, uma má organização foi abolida, mas nada foi construído em seu lugar. Por mais que tenham havido instituições chamadas corporações cujas formas eram repugnantes para nós, não é necessário concluir daí que os industriais não se devem combinar em corporações, para produzirem a partir deles próprios estes esforços instintivos, cuja tendência manifesta é de trazer ordem através da condução à uma nova organização do trabalho[7].”

Proudhon, por sua vez, desejava “construir sobre novas relações aqueles grupos naturais de trabalho, as corporações de ofício[8].” Ele afirmou que “o século XX irá abrir uma era das federações. As indústrias são irmãs; elas são partes desmembradas uma da outra. Elas devem, em consequência, tornarem-se federadas[9].”

Mas os reformadores sociais da primeira metade do século XIX ainda não tinham uma ideia clara da grande diferença criada pelo capitalismo entre Capital e Trabalho, entre empregador e empregado. Ou, se eles tinham consciência dela, eles sonhavam em colocar um fim a essas diferenças, em manter vivo o pequeno produtor independente ou fazer com que ele fosse artificialmente regenerado. Para os saint-simonianos, o termo “industrial” significava indistintamente todos os produtores sem determinar claramente se eles se referiam ao produtor-empregador ou ao produtor-trabalhador. Quando Proudhon fala de corporações de ofício, ele não quer dizer corporações de empregadores e trabalhadores ou somente de trabalhadores contra seus empregadores; mas de pequenos produtores independentes salvaguardados pelo ‘mutualismo’, ‘crédito gratuito’ ou por algumas destas medicações. No lugar de terem compreendido ou desejado reconhecer a diferença existente entre Capital e Trabalho, os reformadores sociais da primeira metade do século XIX permaneceram dentro do domínio da utopia.

Mas eles delimitaram uma linha ao longo da qual alguns de seus herdeiros estão vigorosamente engajados: os sindicalistas revolucionários. Estes sindicalistas revolucionários retomam as ideias de Saint-Simon e Proudhon, “a organização do trabalho” e “federalismo”, e as depuram de toda ideia de utopia. Eles rejeitam ao mesmo tempo a ideia de corporações ou de pequenos produtores independentes, a ideia de corporações mistas (empregadores e trabalhadores unidos); a primeira, porque seria inútil se opor à evolução capitalista para tentar manter vivo ou ressuscitar o pequeno produtor independente; e a segunda, porque no regime capitalista o interesse dos empregadores e dos trabalhadores são antagônicos e tentar conciliá-los ou praticar a “colaboração de classes” seria um engodo. A corporação dos sindicalistas é uma corporação de classe. Eles lutam pela instauração de uma sociedade proletária corporativa, após a abolição do sistema de salários.

Mas Saint-Simon e Proudhon tem duas posteridades muito diferentes, uma de espírito revolucionário e outra de espírito pequeno-burguês. Os reformistas ainda tem um pé na utopia. Sem dúvida, eles renunciaram à ideia de corporações de produtores independentes. Eles resignaram-se ao abismo entre Capital e Trabalho. Mas eles esperam tornar menor este abismo através de corporações marcadas pela “colaboração de classes”. Eles gostariam de, pelo desenvolvimento em paralelo do sindicalismo dos patrões e dos trabalhadores e pela competição obrigatória de organizações profissionais e a prática de negociação coletiva, reconciliar estes dois fatores “indispensáveis” da produção. Eles se vangloriam com a ideia de que eles poderiam compartilhar igualmente da administração econômica com o empregador primeiramente dentro de cada ofício e depois no âmbito da nação como um todo através da instituição de um “parlamento econômico”.

Somente mais tarde, em seu Federalismo Econômico (1901), Paul Boncour fez de si o intérprete brilhante dessa utopia. Imediatamente após a guerra, esta utopia estava fazendo a cabeça dos reformistas de um grande número de países, especialmente na Alemanha, mas também na Itália, França etc. Quase em toda parte, os reformistas acreditaram que havia chegado o momento para uma “economia democrática”, para o corporativismo da “colaboração de classes”. E a despeito de todas as decepções experienciadas, é na base desta utopia que os reformistas internacionais continuam desenvolvendo suas atividades. É assim que na Suíça, os sindicatos decidiram aceitar o princípio das “comunidades profissionais”, reunindo empregadores e trabalhadores. Na Áustria, pouco antes do refluxo, o Wiener Arbeiter Zeitung escreveu que a social-democracia “poderia muito bem admitir a ideia de corporações”. Na Bélgica, De Man apela a uma “organização mista da produção sob o signo do corporativismo”, e no programa do P.O.B., que a organização mista “está indo do reconhecimento sindical e da generalização da negociação coletiva para o estabelecimento de um Conselho Econômico ao qual deve ceder lugar o Senado[10].” Na França, a parte mais importante do estatuto da C.G.T. (Federação do Trabalho) é o Conselho Econômico nacional “composto de representantes qualificados designados pelas organizações mais representativas de patrões e trabalhadores[11].” E a própria Federação Sindical Internacional sonha com “um verdadeiro Estado corporativo que deve ser interpretado efetivamente pela colaboração de empregadores e empregados numa mesma organização de instituição comum[12].”

Mas deve esse “Estado corporativo”, no espírito dos reformistas, absorver o Estado político? Não. Eles não veem tão à frente quanto o fizeram Saint-Simon ou Proudhon. Saint-Simon esperava que as corporações industriais fossem substituir o poder político, que o conselho dos industriais substituísse o governo. Proudhon escreveu: “Aquilo que nós colocaríamos no lugar do governo é a organização industrial. Mais leis votadas pela maioria. Cada cidadão, cada comunidade ou corporação deverá fazer as suas próprias[13].”

E foi assim que Saint-Simon e Proudhon delinearam um caminho que, transposto do plano utópico para o âmbito da classe, leva ao sindicalismo e ao socialismo revolucionário. Na sociedade proletária, “a oficina irá substituir o governo”, o Estado parasita será substituído pela livre associação dos produtores. Mas os reformistas, que querem instaurar o seu corporativismo no âmbito do regime capitalista, não podem substituir o “econômico” pelo “político”. A liberdade sindical, condição sine qua non da “colaboração de classes”, tal como eles sonham, requer em si mesma políticas democráticas, e políticas democráticas implicam o sufrágio universal e o parlamentarismo. Além disso, eles reivindicam somente a criação de um papel consultivo para as organizações corporativas. Para os autores do estatuto da Federação do Trabalho (C.G.T.), por exemplo, o parlamento econômico “inspira o poder político em suas decisões.”

Corporativismo Fascista

Nós veremos como o fascismo tomou emprestado a sua demagogia corporativista dos reacionários e dos reformistas de uma e só vez. Dos reacionários, tomou a ideia da ressurreição das corporações medievais dos artesãos e pequenos comerciantes; e é especialmente aos reformistas que deve a ideia de “colaboração de classes”, a ideia de um parlamento econômico consultivo. Mas em dois pontos essenciais, ele se difere dos reformistas e se associa aos reacionários.

1. Os reformistas desejam instituir seu corporativismo no âmbito de um Estado político democrático; os fascistas, em um Estado político autoritário.

2. Os reformistas querem a sua “colaboração de classes” dentro de cada corporação sob um regime de liberdade sindical. Os fascistas, ao contrário, não escondem sua intenção de tomar como base do seu Estado corporativo, não os sindicatos operários livres, mas sindicatos colocados sob guarda (do Estado).

Na Itália, Mussolini tinha um modelo diante de seus olhos: a constituição “corporativa” promulgada por D’Annunzio em Fiume (8 de setembro de 1920), a qual, por sua vez, nunca foi aplicada. Esta constituição era, sob certos ângulos, extremamente reacionária em sua inspiração. Ela criou, na pequena cidade de Fiume, que era muito pouco industrializada, dez corporações obrigatórias em posse de completa autonomia, “tais como foram estabelecidas e desenvolvidas no curso dos quatro gloriosos séculos de nosso período comunal.” Mas seu autor, o ex-militante sindicalista De Ambris, introduziu igualmente a ideia reformista de um parlamento econômico composto de sessenta membros e eleito pelas corporações[14].

De outra forma, Mussolini tomou emprestado diretamente da ideologia do reformismo italiano. Durante a ocupação de fábricas em 1920, uma delegação de militantes sindicais próximos ao Ministério do Trabalho ofereceu a cooperação dos trabalhadores à administração das empresas “em vista de ser mais provável de assegurar às indústrias italianas uma melhor produtividade.” E na sua moção de 11 de setembro, a Federação do Trabalho invocou o “interesse superior da produção nacional”. Desta linguagem para aquela dos fascistas dos anos seguintes, a conexão é direta. Em 31 de outubro de 1921, o comitê central do Fascio “afirmou que, no interesse superior da nação, os industriais e os trabalhadores devem buscar todas as possibilidades de acordo.” E propôs o princípio de que “os dois fatores devem condicionar um ao outro e integrarem-se dentro da esfera da produção.” Em 15 de março de 1923, o Grande Conselho fascista exigiu que todas as organizações sindicais (de empregadores e trabalhadores) assegurassem “a colaboração efetiva de todos os elementos da produção no interesse supremo do país.” O historiador fascista, Volpe, sustentou que “o germe do regime corporativo encontra-se nesta resolução[15].”

Ao mesmo tempo, Mussolini tomou de empréstimo dos reformistas a ideia de um parlamento econômico consultivo. Quando a Federação Italiana do Trabalho propôs que as leis fossem elaboradas por um “corpo consultivo de sindicatos”, ele escreveu a um amigo: “No futuro, nós veremos múltiplos parlamentos de competentes substituídos por um único parlamento de incompetentes[16].”

Na assembleia constituinte do Fascio em 23 de março de 1919, ele declarou: “A representação política atual não nos pode satisfazer; nós queremos representação direta de todos os interesses. Se pode objetar a este programa que nós estamos retornando às corporações. O que é que isso importa?”

E, de fato, o programa fascista de 1919 exigia a “criação de conselhos técnicos nacionais de trabalho, indústria, transportes etc., eleitos pela coletividade das profissões ou ofícios, com poderes legislativos e o direito de eleger um comissário geral com poder de ministro.”

Mas aqui a inspiração reacionária reaparece; os fascistas entenderam “política em primeiro lugar” num sentido completamente diferente dos reformistas. O Estado político ao qual eles queriam subordinar as organizações corporativas era já, na mente de Mussolini, o Estado autoritário, e o “parlamento de competentes” era, na realidade, uma máquina de guerra dirigida contra o “parlamento de incompetentes”, contra parlamentos democráticos.

Além disso, os fascistas contavam com a construção do futuro “Estado corporativo”, não sobre a base de sindicatos operários livres, mas sobre a base de “sindicatos fascistas”, criados no início de 1921, que constituíam, sobretudo, uma máquina de guerra dirigida contra o sindicalismo livre.

Na Alemanha

No “Nacional Socialismo”, a inspiração reacionária é igualmente visível. Não se deve esquecer que na Alemanha, o regime corporativo medieval sobreviveu até a metade do século XIX para ofícios independentes, e que nos anos subsequentes houve uma tentativa de reavivá-los. Assim, uma lei de 1897 concedia aos artesãos e pequenos comerciantes o direito de agruparem-se em corporações e este direito poderia até ser transformado em uma obrigação se a maioria dos membros do ofício exigissem.

De Fichte[17] até os nossos dias, numerosos autores reacionários exaltaram o restabelecimento das corporações medievais, notavelmente após a guerra. “Era lógico”, escreveu Mueller van den Bruck, “que o ataque contra o sistema parlamentar que, entre os revolucionários foi levado à cabo sob a palavra de ordem dos ‘conselhos’, teria que ser conduzido entre os conservadores sob a bandeira das corporações. Eles estão preocupados em dar às corporações aquilo que lhes é devido pela sua compreensão, não histórica e romanticamente, mas inspirando-as com ideias modernas, combinando ideias sindicalistas e corporativas[18].”

Gregor Strasser declarou que “o socialismo alemão toma como seu ponto de partida o espírito e a continuação do sistema profissional das guildas e das corporações da Idade Média[19].”

Mas ao mesmo tempo, os nazistas tomaram emprestado o corporativismo da “colaboração de classes” dos reformistas alemães. Aquelas leis chamadas de “socialização” de 1919, na elaboração das quais os reformistas participaram, admitiam, para certas indústrias, uma administração mesclada com representantes do patronato e representantes dos trabalhadores. A constituição de Weimar fala de “assegurar a colaboração de todos os elementos da produção, de atrair empregadores e empregados para a administração.” (artigo 156).

E, no mesmo ponto, Feder exaltava a “incorporação de empregadores e trabalhadores de diferentes setores econômicos em corporações profissionais cujo objetivo seria levá-los, um e o outro, de uma atmosfera envenenada pela luta de classes e orientá-los em direção ao objetivo comum, que é a produção nacional, com um sentimento de confiança e de responsabilidades recíprocas[20].” Dentro destas corporações, “empregadores e empregados devem sentar-se na tribuna juntos com os mesmos direitos[21].”

Os nazistas também tomaram emprestado aos reformistas a ideia de um parlamento econômico consultivo. À imagem do Conselho Econômico do Reich, criado em 1919, eles proclamaram, em 1920, a criação de conselhos econômicos regionais com uma Suprema Câmara Econômica no topo que ficaria encarregada de conciliar os diversos interesses[22].

Mas os nazistas entenderam a “política em primeiro lugar” em um sentido totalmente diferente dos reformistas. O “Estado político” ao qual eles iriam subordinar as organizações corporativas figurava nas suas mentes como o Estado autoritário, e o seu parlamento econômico era, na realidade, uma máquina de guerra dirigida contra os parlamentos democráticos. “As eleições”, escreve Goebbels, “não serão mais feitas com base nos partidos políticos, mas com base nas profissões organizadas no seio do Estado[23].”

Além disso, os nazistas não escondem o fato de que a “pedra angular” do seu futuro “Estado corporativo” não será constituída por sindicatos operários livres sob sua forma atual, mas por sindicatos “marginalizados” desprovidos de seus representantes e colocados sob a estrita guarda do Estado nacional-socialista.

Magnatas Capitalistas Contra o Corporativismo

Resta um ponto muito importante para nós examinarmos. O que os magnatas capitalistas, os financiadores do fascismo, pensam da sua demagogia “corporativa”? Enquanto os fascistas ainda não tinham tomado o poder, os magnatas viam mais vantagens na sua demagogia do que desvantagens. Não atrairia inúmeros pequeno-burgueses para as fileiras fascistas? Não iria desviar um certo número de trabalhadores da luta de classes e do sindicalismo livre? Não abriria uma brecha no parlamentarismo democrático?

Mas, se a eles fosse permitido dizer, os financiadores do fascismo são, em si mesmos, no fundo, irredutivelmente hostis a todas as corporações, a toda “colaboração de classes”, a todas as relações “em pé de igualdade” com seus trabalhadores explorados. Em suas empresas como na indústria, eles desejam ditar suas ordens e não reunirem-se com seus funcionários como iguais. Eles temem, sobretudo, que os explorados exijam o direito de controlarem seus próprios negócios e reivindiquem uma certa parte da administração econômica. Eles não esquecem o grande terror que sentiram após a guerra, quando os trabalhadores na Itália ocuparam as fábricas, reivindicando o direito de gerirem eles mesmos a produção; quando na Alemanha, por vários dias, os conselhos de operários e de soldados foram o único poder legal. Portanto, eles sabotaram sistematicamente todos os planos de corporativismo e controle operário, cujos princípios eles aceitaram momentaneamente. Na Itália, o “controle operário” prometido aos metalúrgicos depois da ocupação das fábricas (1920) nunca foi aplicado. Na Alemanha, os patrões opuseram-se sistematicamente à aplicação das chamadas leis de “socialização” de 1919 e recusaram-se a tomar parte em organizações como os Conselhos de Carvão e Potássio, recusando qualquer colaboração efetiva com os representantes dos trabalhadores. Na Itália, na Alemanha, em nenhum país, os magnatas capitalistas querem o “corporativismo”, ou, se eles aceitam o princípio, é apenas após ter se tornado irreconhecível, esvaziado de todo conteúdo. É assim que, por exemplo, o industrialista francês, Mathon, lamentou o fato de que “há aqueles que sonharam em restaurar as corporações”, vendo nisso “uma colaboração frequentemente levada a ponto dos trabalhadores participarem na gestão e desfrutarem dos benefícios da empresa.” Ao contrário, esta esfera deveria permanecer a reserva de caça do chefe. Ele diz que “em princípio, apenas os empregadores devem dirigir uma corporação econômica. A eles pertencem as empresas que ela constitui; eles deveriam ter, a partir deste fato, a sua direção suprema e a responsabilidade. Eles são mais qualificados para esta direção. Somente eles podem julgar com clareza e um ponto de vista suficientemente amplo, com a competência e a experiência necessárias. A necessidade de um líder único é formal[24].” Em consequência, a corporação econômica deve ser composta exclusivamente por empregadores. Mas, este domínio estando reservado, Mathon não enxerga as inconveniências disto quando empregadores e trabalhadores se encontram na corporação “social” e lá debatem juntos as questões relativas aos salários e às condições de trabalho.

Todos os empregadores franceses que escreveram sobre o “corporativismo”, seja Maurice Olivier[25]ou Lucien Laine[26],deram a mesma opinião: sem participação de trabalhadores na direção econômica. “Isto seria cair na desordem.” O próprio Hitler, em um momento de sinceridade, expressou uma opinião análoga. Otto Strasser perguntou-lhe em 1930: “Então o ‘mineiro será o mestre em sua própria casa’?” Hitler replicou furioso: “O sistema atual é basicamente justo; não pode haver outro. Co-propriedade e decisões conjuntas com os trabalhadores é marxismo[27].”

O partido nacional alemão, que chama a si mesmo nacional-socialista quando fala às massas, expressou o pensamento íntimo de um grande capitalista quando inscreveu em grandes caracteres no seu programa de 1932, “nós recuamos o estado corporativo[28]”.

E, de fato, nós veremos que o próximo passo do Fascismo, uma vez que se torna dono do poder, será recuar o Estado corporativo que ele havia prometido a título de instituir finalmente uma caricatura ridícula.


[1] Tardy & Bonnfours: Le Corporatisme, 1935.

[2] Marx: Manifesto Comunista, 1848.

[3] Martin Saint-Leon: History of the Corporations of Trades, 3ª edição, 1922.

[4] Saint-Simon: Du Systema Industrial, 1821.

[5] Doctrine de Saint-Simon, Expose Premiere Annee, 1829.

[6] Da Capacidade Política das Classes Operárias, 1864.

[7] Do Princípio Federativo, 1863.

[8] Vers un Ordre Coretien, 1907.

[9] Rocco: “Criso Dello Stato e Sindicati” “Politico”, Dezembro de 1920.

[10] Corporatisme et Socialisme, Bruxelles, 1935.

[11] Texto oficial do estatuto da Federação do Trabalho.

[12] “Le Mensonge de l’etat Corporatif”. Le Movement Syndical International, Jan. – Abr. 1934.

[13] A ideia geral da Revolução no século XIX.

[14] Ambrosini: D’Annunzio et la constitution syndicale de Fiume, “Revue de Droit public”, 1926, p. 741.

[15] Histoire du mouvement fasciste, Roma (em francês).

[16] Carta de 23 de Abril de 1918, citada em “Temps”, 19 de Dez. de 1934.

[17] L’etat commercial ferme, 1800.

[18] O Terceiro Reich, 1923.

[19] Discurso de 20 de julho de 1925 in Kamp und Deutschland.

[20] “Fondements de l’economie nationale-socialiste”.

[21] Daundered: “Les Buts du N.S.D.A.P.”.

[22] Programa do Partido Nacional-Socialista, Fev. de 1920.

[23] Goebbels: “Der Nazi-Sozi“.

[24] La Corporation, base de l’organization economique, 2ª ed. 1934.

[25] Pourquoi, comment sauver l’economie nationale, 1935.

[26] CF. Information Sociale, June 20, 1935.

[27] Cf. Conrad Heiden: História do Nacional-Socialismo (edição alemã).

[28] O âmbito deste estudo sendo limitado, nós devemos imaginar o corporativismo, especialmente aqui, sob a luz interessante da classe trabalhadora; ou seja, corporativismo misto ou “colaboração de classes”. Mas todos os magnatas capitalistas também são hostis às “corporações” autônomas da pequena-burguesia independente (artesãos, pequenos comerciantes). Eles não sentem necessidade de que os pequenos produtores devam ser protegidos por tais “corporações” contra a sua competição. Eles se opõem até à um “Estado corporativo” no seio do qual todos os interesses tivessem realmente uma voz na tribuna. Eles não desejam harmonizar seus interesses com outros interesses, mas querem fazer seus interesses prevalecerem pelo extermínio ou recuperação de todos os outros.

O texto foi traduzido por Alexandre Guerra e revisado por Felipe Andrade. A versão utilizada para a tradução foi retirada do seguinte site: https://cominsitu.wordpress.com/2017/03/26/international-council-correspondence-living-marxism-new-essays-1934-1943/.