Conversa com um Assistente de Cabeleireiro – Wilhelm Reich

Nos anos de 1930, Wilhelm Reich, possivelmente mais bem conhecido como autor do livro A Revolução Sexual, desenvolveu a teoria de que era possível explicar os conceitos básicos da economia marxista sem empregar termos e argumentos econômicos complicados. Como um exemplo de sua tentativa disso, nós publicamos abaixo, pela primeira vez em tradução inglesa, um artigo escrito por ele em 1935 sob seu pseudônimo de Ernst Parell para o Zeitschrift für politische Psychologie und Sexualökonomie (vol 2, No 1), publicado em seu exílio na Dinamarca.

Assistente: Penteado ou um corte de cabelo simples?

Cliente: Um corte de cabelo, por favor, mas quadrado, não redondo.

(Pausa)

Assistente: O que você acha dos tempos atuais?

Cliente: Terrível. Para onde isso vai levar?

Assistente: Os vândalos vão cortar a garganta uns dos outros e nós teremos o pior de quem vencer, sejam os comunistas ou os nazistas. Eles são ruins quanto qualquer outro.

Cliente: Talvez você esteja certo. Eu não entendo de política.

Assistente: Estou feliz por ter um emprego e conseguir pagar as contas. Quanto ao resto, tudo o que quero é viver em paz.

Cliente: Posso perguntar quanto você realmente ganha?

Assistente: 100 marcos[1] por mês.

Cliente: Você consegue viver disso?

Assistente: Quase. Eu gostaria de me casar, mas levará muito tempo até que minha noiva e eu possamos economizar o suficiente para poder alugar um apartamento. Trabalho há dez anos neste lugar e ainda não economizei o suficiente.

Cliente: Como é o seu chefe?

Assistente: Ele é uma pessoa muito legal. Às vezes, ele é um pouco mal-humorado, mas eu me dou muito bem com ele.

Cliente: Com quantos clientes você lida por dia?

Assistente: 10 a 15. Aos sábados são mais.

Cliente: Isso significa que 15 clientes pagam 15 marcos no negócio. Ok, mas você só recebe 3,50 marcos por dia. O que acontece com o resto?

Assistente: Você não levou em consideração as despesas de nosso negócio. Luz, telefone, seguro, instrumentos, aluguel, eles consomem bastante.

Cliente: Eu estou interessado no quanto.

Assistente: (pensa um pouco) Bem, suponho que pelo menos oito marcos.

Cliente: OK, mas isso ainda deixa cerca de 9 a 10 marcos.

Assistente: Sim, mas a empresa deve gerar um excedente, pois o chefe assume um grande risco. Por exemplo, em alguns dias há menos clientes, ou em tempos de crise.

Cliente: Isso significa que você ganha mais quando os negócios estão crescendo?

Assistente: Não, por que eu deveria? Eu tenho uma renda regular.

Cliente: Eu não entendo. Quando você trabalha mais, não recebe mais? E o valor que você ganha em média para o chefe mantém um fundo para os tempos de crise?

Assistente: Você está certo.

Cliente: Se eu entendi corretamente, você produz, após subtrair todos os custos, em torno de 10 a 12 marcos por dia para ele e disso você recebe de 3 a 3,50 marcos. E se os tempos se tornarem permanentemente ruins para os negócios, ele despedirá você. Neste caso, o fundo de reserva não será usado por você. Então, para que ele realmente usa esse dinheiro?

Assistente: Bem, por exemplo, o chefe precisa adquirir máquinas modernas. No momento, estamos substituindo os aparadores de mão pelos elétricos.

Cliente: O que isso significa?

Assistente (surpreso): O que você não entende? É bem simples. Agora eu posso negociar com 10 clientes por dia, depois poderei negociar com 20 porque o corte será muito mais rápido.

Cliente: E cada um desses 20 pagará 1 marco como antes. E você, quanto você receberá então?

Assistente (ainda mais surpreso): Naturalmente, continuarei ganhando meus 100 marcos.

Cliente: Me desculpa por ser tão curioso, estou um pouco perdido e bastante impressionado. Com as novas máquinas aprimoradas, você ganhará 20 marcos por elas, mas você mesmo continuará recebendo apenas 3,50. Isso significa que o excedente cresceu de 8 para cerca de 13? Para onde vai o dinheiro?

Assistente: (coça a cabeça) Na verdade, você está certo. Essa é uma boa pergunta, mas, você sabe, fico tão cansado de trabalhar que não tenho muita energia para pensar. Fico feliz se puder descansar e manter meu emprego. Você sabe que na próxima semana 2 dos meus 5 colegas de trabalho estão sendo despedidos e eu tenho que garantir que não seja demitido também.

Cliente: Deve ser muito ruim ficar 10 horas por dia na loja – e as férias?

Assistente: Ah, sim. Eu ganho quinze dias por ano, mas os outros também saem de férias e quando fazem isso tenho que trabalhar mais. E agora o chefe vai ficar fora por 2 meses.

Cliente: Onde ele consegue o dinheiro para ficar longe por tanto tempo?

Assistente: Ele tem uma casa de campo em Dahlen.

Cliente: Oh. Como assim?

Assistente: Bem, ele é dono desse negócio há 30 anos.

Cliente: Entendo. Ele trabalha?

Assistente: Ah, não, às vezes ele apenas dá uma ajuda. Mas é um negócio de sucesso.

Cliente: Ouça. Não entendo nada sobre essas coisas, mas me parece que a casa de campo dele e as férias de verão são pagas pelos 8 ou 13 marcos que você ganha pelo “negócio do excedente”.

Assistente: Ah, acho que não. Mas talvez você esteja certo, é estranho. Eu gostaria de conversar com você em algum momento sobre isso. Você fala de uma maneira que faz muito sentido.

Nesta conversa, nenhuma palavra política foi mencionada, mas este assistente de cabeleireiro desenvolveu a teoria da mais-valia, racionalização e desemprego a partir das experiências de sua própria vida. Além disso, ele desenvolveu uma confiança no “cliente”. Você não precisa ensiná-lo sobre o que é racionalização ou exploração, ele mesmo as descreveu. O que lhe falta é a compreensão da ligação entre o conhecimento sobre seu trabalho e o excedente deste com a casa de campo do empresário. Tampouco ele está consciente do fato de se identificar com seu chefe. E ele é completamente incapaz de ver a conexão entre a política, da qual ele é contra e está com medo, e sua vida cotidiana. Neste ponto, será fácil torná-lo consciente disso, porque está contido no que ele mesmo disse e experimentou; tudo o que precisa ser feito é desenvolvê-lo.

Ernst Parell


[1] [N.T.] O marco foi a moeda corrente na Alemanha entre os anos de 1924 a 1948. Cf.: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marco_alem%C3%A3o.

Traduzido por Felipe Andrade e revisado por Luiz de Oliveira a partir do link disponível em:
https://www.theoryandpractice.org.uk/library/conversation-hairdresser%E2%80%99s-assistant-wilhelm-reich-1935