Carta Aberta ao Camarada Lênin – Herman Gorter

Carta Aberta ao Camarada Lênin – Herman Gorter, agosto de 1920[1]

Introdução

Desejaria chamar sua atenção, camarada Lênin, a sua e a do leitor, para o fato de que o presente texto foi escrito durante a marcha vitoriosa dos russos sobre Varsóvia[2].

Desejaria igualmente pedir desculpas a você e ao leitor pelas numerosas repetições. Não pude evitá-lo na medida em que a tática dos “esquerdistas” era desconhecida pelos operários de quase todos os países.

I – Massas e dirigentes

Querido camarada Lênin,

Li seu texto sobre o esquerdismo no movimento comunista. Aprendi muito com ele, como com todas as suas obras. Agradeço-lhe por isto e, sem dúvida, como muitos outros camaradas. Eu estava, sem dúvida, atacado por esta doença infantil e a leitura do texto expeliu vários dos seus sintomas e germes. Creio que este processo continuará daqui para frente. Da mesma forma, é totalmente correto o que você disse da confusão que a revolução provocou em muitas cabeças. É claro: a revolução veio tão de repente e contrariou tanto as expectativas! Com o seu trabalho ficarei, sempre e cada vez mais, estimulado a basear minha avaliação sobre todas as questões táticas, inclusive as relativas à revolução, unicamente na situação real, nas relações reais entre as classes, exatamente como elas se manifestam política e economicamente.

Depois de ler seu trabalho, pensei: tudo isto é correto. Mais tarde, porém, quando, pensando melhor, perguntei a mim mesmo se, a partir de agora, deveria deixar de apoiar a “Esquerda” e de escrever artigos para o KAPD (Partido Comunista Operário Alemão) e para o partido de oposição na Inglaterra, fui obrigado a concluir que não.

Parece contraditório. Mas a contradição, camarada, deriva do fato de que, no texto, o seu ponto de partida não é correto. A meu ver, você erra quando faz um paralelismo entre a revolução da Europa Ocidental e a revolução russa, quando avalia as condições da revolução na Europa Ocidental, ou seja, a relação das forças de classes, demonstrando desconhecer o terreno de desenvolvimento da esquerda, da oposição. Assim o trabalho parece ser correto, se adotarmos o seu ponto de partida; se o rejeitarmos (e é isto o que se deve fazer), então o conjunto do seu trabalho é falso. Na medida em que suas avaliações, umas erradas, outras radicalmente falsas, se articulam na condenação do movimento de esquerda, particularmente na Alemanha e na Inglaterra, penso estar agindo bem ao responder ao seu trabalho com uma defesa da Esquerda porque, embora não concorde em toda a linha com este movimento (e os seus próprios dirigentes sabem disso), continuo absolutamente decidido a defendê-lo. Terei então oportunidade, não só de mostrar o terreno de seu desenvolvimento, de provar seu direito à existência e suas atuais qualidades, hoje, na Europa Ocidental, no estágio atual, mas também — e talvez isto seja igualmente importante — de combater as representações invertidas sobre a revolução na Europa Ocidental, que são dominantes, sobretudo na Rússia. As duas coisas são importantes, porque tanto a tática na Europa Ocidental quanto na Rússia depende da concepção da revolução na Europa Ocidental.

Teria preferido realizar este trabalho no Congresso da Internacional, mas não tive condições de estar presente em Moscou.

Em primeiro lugar, devo refutar duas observações suas que podem falsear a opinião dos camaradas e dos leitores. Você fala com ironia e sarcasmo da inépcia ridiculamente pueril da luta que se trava na Alemanha a propósito da “ditadura dos dirigentes ou das massas”, “da cúpula ou da base”, etc… Concordamos integralmente com o fato de que tais problemas não deveriam ser colocados. Mas não concordamos com a ironia. Porque, infelizmente, estes problemas ainda estão na ordem do dia na Europa Ocidental. De fato temos, na Europa Ocidental, em muitos países ainda, dirigentes semelhantes aos que havia na II Internacional, estamos ainda procurando dirigentes autênticos que não tentem dominar as massas e não as atraiçoem, e enquanto não tivermos tais dirigentes queremos que tudo se faça de baixo para cima, e pela ditadura das próprias massas. Se meu guia nas montanhas está me levando para o abismo, prefiro ficar sem guia. Quando tivermos autênticos dirigentes, deixaremos de procurá-los. Neste momento, massas e dirigentes serão uma só e mesma coisa. É simplesmente isto que queremos dizer com estas palavras, nós, a esquerda alemã e a esquerda inglesa.

A mesma coisa é válida para a sua segunda observação, segundo a qual o dirigente deve formar com a massa e a classe um todo homogêneo. Estamos totalmente de acordo. Agora só falta encontrar e educar tais dirigentes, que sejam verdadeiramente ligados à massa. Encontrá-los e educá-los — as massas, os partidos políticos e os sindicatos só poderão fazê-lo no contexto de uma luta extremamente difícil que deverá também ser travada em seu próprio seio. O mesmo se pode dizer da disciplina de ferro e do centralismo reforçado. Concordamos com isto, mas somente depois de ter encontrado autênticos dirigentes, não antes. Nesta duríssima batalha que se trava agora com grande esforço, na Alemanha e na Inglaterra — países mais próximos da realização do comunismo — a sua ironia só pode ter urna influência nefasta. O seu sarcasmo serve aos elementos oportunistas da Terceira Internacional. Porque este é um dos meios utilizados por elementos na Liga Spartacus, no BSP (Partido Socialista Britânico) da Inglaterra e em muitos outros partidos comunistas de vários países para enganar os operários, apresentando-lhes a questão Massa/Dirigentes como um contrassenso, como algo “absurdo e pueril”. Usando esta frase, eles evitam, ou querem evitar, a crítica que se faz contra eles, os dirigentes. E esmagam a oposição utilizando-se de frases sobre a disciplina de ferro e a centralização. Você faz a cama para os elementos oportunistas se deitarem.

Você não deveria fazer isto, camarada. Na Europa Ocidental, ainda estamos na fase de preparação. Valeria mais apoiar os que lutam e não os que mandam como donos.

Passo adiante porque voltarei ainda ao assunto nesta carta. Há, porém, uma razão mais profunda pela qual não posso concordar com o seu texto. Trata-se do seguinte:

Quando nós, marxistas da Europa Ocidental, lemos os seus trabalhos, estudos e livros sentimos admiração e concordamos com eles, mas num certo momento, quase sempre, tornamo-nos prudentes na leitura, esperamos esclarecimentos mais detalhados; entretanto, como os esclarecimentos, mais tarde, não são fornecidos, ficamos na maior dúvida. É quando você fala dos operários e dos camponeses pobres; você fala nisso muitas e muitas vezes. E você fala sempre destas duas categorias como sendo fatores revolucionários no mundo inteiro. E em nenhum momento, ao menos do que eu tenha lido, você distingue clara e perfeitamente a enorme diferença existente neste ponto entre a Rússia, de um lado (inclusive certos países da Europa Oriental), e, de outro lado, a Europa Ocidental (isto é, a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, a Suíça e os países escandinavos, talvez até mesmo a Itália). Ora, a meu ver, a base material das divergências de avaliação que separam você do que se tornou conhecido como a “Esquerda” na Europa Ocidental, no que se refere à tática nas questões sindical e parlamentar, é exatamente a diferença existente em relação a este ponto entre a Rússia e a Europa Ocidental. parlamentar, é exatamente a diferença existente em relação a este ponto entre a Rússia e a Europa Ocidental.

Seguramente, você conhece tão bem quanto eu esta diferença, mas você não tira daí nenhuma conclusão para a tática na Europa Ocidental, ao menos nos seus trabalhos que tive oportunidade de ler. Você não se dignou a considerar este problema e, por isso mesmo, a sua avaliação sobre a tática na Europa Ocidental é falsa[3].

Isto foi e continua sendo tanto mais perigoso quanto se sabe que em toda a Europa Ocidental esta frase, de sua autoria, é repetida mecanicamente em todos os partidos comunistas, mesmo por marxistas. Chega a parecer, se acreditamos nos jornais, revistas, textos e reuniões públicas comunistas, que, de repente, uma revolta dos camponeses pobres se aproxima na Europa Ocidental. Não se observa a grande diferença existente em relação à Rússia. E por isso o pensamento das pessoas fica falseado, e o do proletariado também. Na Rússia você conta com uma imensa classe de camponeses pobres, e a vitória foi possível com o seu apoio — por isso você apresenta as coisas como se na Europa Ocidental pudéssemos contar também com a perspectiva deste apoio. E porque na Rússia você só venceu com este apoio, você apresenta as coisas como se ele fosse também indispensável para vencer aqui também. O seu silêncio sobre esta questão, no que se refere à sua aplicação na Europa Ocidental, faz parecer que você apresenta as coisas desta forma, e o conjunto de sua tática baseia-se nesta concepção.

Mas esta concepção não é verdadeira. Há uma enorme diferença entre a Rússia e a Europa Ocidental. Em geral, a importância dos camponeses pobres como fator revolucionário diminui de Leste para Oeste. Em regiões da Ásia, da China e da Índia, esta classe seria absolutamente determinante, se uma revolução explodisse. Na Rússia ela representa para a revolução um fator indispensável e essencial. Na Polônia e em alguns outros estados da Europa Meridional e Central, ela ainda constitui um trunfo importante para a revolução, mas quanto mais vamos para Oeste, mais a veremos se erguer hostil diante da revolução.

A Rússia tinha um proletariado industrial de 7 a 8 milhões de pessoas. Mas os camponeses pobres eram cerca de 25 milhões. (Vocês me perdoarão as eventuais inexatidões nos números, estou citando de cabeça porque esta carta é urgente.) Quando Kerensky recusou-se a dar a terra aos camponeses pobres, você sabia que eles viriam rápida e inevitavelmente para o seu lado, desde que percebessem a manobra. Isto não acontece e não acontecerá na Europa Ocidental; tal situação não existe nos países da Europa Ocidental citados por mim.

A situação dos camponeses pobres na Europa Ocidental é totalmente diferente da existente na Rússia. Ainda que ela seja às vezes terrível, não é tanto como na Rússia. Aqui os camponeses pobres têm um pedacinho de terra como arrendatários ou como proprietários. Os meios de transporte bastante desenvolvidos lhes permitem muitas vezes vender alguma coisa. Nos piores momentos têm quase sempre algo para se alimentar. As últimas décadas lhes trouxeram alguns melhoramentos. Eles têm condições agora de exigir altos preços em períodos de guerra e de pós-guerra. São indispensáveis porque os produtos alimentares são importados em pequenas proporções. Isto lhes permite manter preços altos. Eles são apoiados pelo capital e o capitalismo os apoiará enquanto permanecer vivo. A situação dos camponeses pobres na Rússia era muito mais terrível. Por isso, na Rússia, os camponeses pobres tinham também seu programa político revolucionário e estavam organizados num partido político revolucionário, os Socialistas-Revolucionários[4]. Não é absolutamente o que se passa aqui. Além disso, havia na Rússia uma enorme quantidade de bens que podiam ser divididos: grandes propriedades fundiárias, bens da Coroa, terras do Estado, bens monásticos. Mas o que é que os comunistas da Europa Ocidental poderiam oferecer aos camponeses pobres para trazê-los para a revolução, para agrupá-los em torno deles?

Existiam na Alemanha (antes da guerra) de quatro a cinco milhões de camponeses pobres (até 2 hectares). As explorações verdadeiramente grandes (mais de 100 hectares) contavam apenas com 8 a 9 milhões de hectares… Se os comunistas distribuíssem tudo isso, os camponeses pobres continuariam camponeses pobres, porque os 7 a 8 milhões de operários agrícolas desejariam também alguma coisa. Mas nem será possível distribuir todas as explorações porque eles próprios as conservarão como grandes explorações[5].

Assim os comunistas na Alemanha não têm meios, salvo em certas regiões relativamente pequenas, de atrair os camponeses pobres, porque as explorações médias e pequenas não serão evidentemente expropriadas. Absolutamente análoga é a situação dos quatro ou cinco milhões de camponeses pobres da França; e o mesmo acontece na Suíça, Bélgica, Holanda, e em dois países escandinavos[6]. Em toda a parte dominam as explorações médias e pequenas. Mesmo na Itália o problema ainda depende de estudos. Para não falar na Inglaterra, onde só existiriam cem a duzentos mil camponeses pobres.

Os números mostram também que são relativamente poucos os camponeses pobres na Europa Ocidental. Portanto, as tropas auxiliares, se existissem, seriam somente em pequena quantidade.

De outro lado, a promessa de que em regime comunista eles não seriam obrigados a pagar rendas ou dívidas hipotecárias não poderia atraí-los. Porque, para eles, o comunismo é sinônimo de guerra civil, de desaparecimento de mercados e de devastação.

Os camponeses pobres na Europa Ocidental, a menos que sobrevenha uma crise muito mais terrível que a existente atualmente na Alemanha, uma crise cujo caráter desastroso ultrapasse tudo o que aconteceu até hoje, permanecerão com o capitalismo enquanto ele tiver um sopro de vida.

Os operários na Europa Ocidental estão absolutamente sós. Porque só poderão contar com o apoio de uma pequeníssima camada da pequena burguesia pobre. E esta é insignificante do ponto de vista econômico. Os operários deverão carregar absolutamente sós o peso da revolução. Esta é a grande diferença com a Rússia.

Talvez, camarada Lênin, você dirá que a mesma coisa acontecia na Rússia. Na Rússia, igualmente, o proletariado fez sozinho a Revolução. Foi somente após a Revolução que os camponeses pobres aderiram. Ë verdade, mas a diferença continua impressionante.

Você sabia, camarada Lênin, que os camponeses adeririam rápida e seguramente à luta de vocês. Você sabia que Kerensky não podia nem queria lhes dar a terra. Você sabia que eles não apoiariam mais Kerensky durante muito tempo. Você tinha uma palavra-chave, “a terra aos camponeses”, com a qual você poderia conduzi-los rapidamente, em alguns meses, para o lado do proletariado. Nós, ao contrário, temos seguras previsões de que os camponeses de toda a Europa Ocidental apoiarão o capitalismo.

Você poderá dizer, talvez, que é inegável que na Alemanha não haja uma grande massa de camponeses pobres que esteja em condições de nos apoiar, mas que milhares de proletários que ainda estão agora com a burguesia aderirão seguramente à nossa luta. Assim, o lugar dos camponeses pobres russos seria aqui ocupado pelos proletários. E, dessa forma, haveria reforços para a nossa luta. Esta concepção também é essencialmente falsa. A diferença com a Rússia continua enorme. Porque os camponeses russos aderiram ao proletariado depois da vitória contra o capitalismo. Mas na Alemanha a luta só começará efetivamente quando os operários que ainda hoje apoiam o capitalismo aderirem ao comunismo.

Os camaradas russos venceram única e exclusivamente porque os camponeses pobres estiveram ao seu lado. E a vitória ia tornando-se firme e sólida enquanto eles iam mudando de lado. O fato de que os operários alemães estejam ao lado do capitalismo não nos dá nenhuma condição de vitória e a vitória não será mais fácil por isso, e quando eles aderirem à nossa luta a verdadeira batalha apenas começará.

A Revolução Russa foi terrível para o proletariado durante os longos anos de sua preparação. E continua assustadora depois que venceu. Mas ela foi fácil no exato momento em que ocorreu, justamente por causa dos camponeses. Na Alemanha é totalmente diferente, é exatamente o inverso. Antes, ela é fácil, e depois será fácil. Mas a própria revolução será terrível. Provavelmente mais terrível que todas as outras revoluções. Porque o capitalismo, que era fraco na Rússia, que acabava de sair do feudalismo, da Idade Média e mesmo da barbárie, é forte entre nós, poderosamente organizado e solidamente enraizado. Quanto às camadas inferiores das classes médias, quanto aos pequenos camponeses e aos camponeses pobres, estes elementos que estão sempre do lado do mais forte apoiarão o capitalismo até o seu fim definitivo, à exceção de uma pequena camada sem importância econômica.

A revolução na Rússia venceu, pelo apoio dos camponeses pobres. Isto deve ser lembrado aqui na Europa Ocidental e em todas as partes do mundo. Mas os operários na Europa Ocidental estão sós. Nunca se deve esquecer isto na Rússia.

O proletariado na Europa Ocidental está só. Eis a verdade. Nossa tática deve basear-se nisto, nesta verdade. As táticas que não se basearem nisto são falsas, e conduzirão o proletariado a imensas derrotas.

A prática também prova a verdade desta afirmação. De fato, os pequenos camponeses da Europa Ocidental não só não têm programa, e não reivindicam a terra, mas também não se movimentam neste momento, quando o comunismo se aproxima. Esta afirmação, naturalmente, não deve ser entendida num sentido absoluto. Há, como já disse, na Europa Ocidental, regiões dominadas pela grande propriedade, onde, em consequência, os camponeses poderão ser considerados aliados do comunismo. Em outras regiões, em função de circunstâncias locais, etc., os camponeses poderão ser ganhos. Mas tais regiões são relativamente pouco numerosas.

Minha afirmação também não tem o sentido de dizer que, no final da revolução, quando tudo se derrubar, nenhum camponês pobre aderirá à nossa luta. Isto é indubitável. Justamente por essa razão devemos fazer propaganda entre eles. Mas temos de determinar nossa tática considerando o começo e o desenvolvimento da revolução. E a maneira de ser e a tendência geral das circunstâncias apresentam-se da forma como descrevi. E é somente com base nisto que se pode e se deve basear uma tática[7].

A primeira consequência disso — e devemos dizê-lo repetidamente e claramente — é que na Europa Ocidental a verdadeira revolução, isto é, a derrubada do capitalismo e a construção e defesa do comunismo a longo prazo, só é agora possível nos países onde o proletariado sozinho é suficientemente forte para enfrentar todas as demais classes, portanto, na Alemanha e na Inglaterra — e na Itália, onde o apoio dos camponeses pobres é possível. Em outros países a revolução só pode ser preparada pela propaganda, pela organização e pela luta. A própria revolução só poderá ocorrer quando a economia tiver sido abalada pela revolução nos maiores Estados (Rússia, Alemanha, Inglaterra) de tal maneira que as classes burguesas fiquem suficientemente enfraquecidas. Porque você me fará naturalmente uma concessão: é que não podemos definir nossa tática com base em acontecimentos, que talvez ocorram, mas que talvez não ocorram (apoio dos exércitos russos, insurreição hindu, crise terrível como jamais aconteceu, etc.).

Então, camarada, esta é a sua primeira grande falha: não ter visto a verdade sobre o significado dos camponeses pobres. É ao mesmo tempo a falha do Executivo em Moscou e do Congresso Internacional.

Continuando. Qual o significado, então, do ponto de vista da tática, do isolamento do proletariado ocidental (tão diferente da situação do proletariado russo), do fato de que ele não pode esperar nenhum apoio de lugar nenhum, de nenhuma outra classe? Isto significa que entre nós a situação exigirá das massas muito maiores esforços do que na Rússia.

E, em segundo lugar, que a importância dos dirigentes é proporcionalmente menor. Porque as massas russas, os proletários, previam com exatidão, e já constatavam durante a guerra — e isto saltava aos olhos —, que os camponeses se colocariam rapidamente ao seu lado. Os proletários alemães, começando por falar apenas deles, sabem que terão de enfrentar o capitalismo alemão e o conjunto das demais classes. Os proletários alemães, sem dúvida, já antes da guerra, contavam com 19 a 20 milhões de autênticos operários numa população de 70 milhões. Mas eles estão sozinhos em face das demais classes.

Encontram-se frente a um capitalismo muito mais forte do que os russos enfrentavam, e sem armas. Os russos estavam armados. A revolução, portanto, exige ainda de cada proletário alemão, de cada indivíduo, muito mais coragem e espírito de sacrifício do que dos russos. Isto resulta das relações econômicas, das relações entre as classes na Alemanha, e não de uma teoria qualquer ou da imaginação de revolucionários românticos ou de intelectuais.

Se a classe operária, ou pelo menos a sua esmagadora maioria, não se compromete indivíduo por indivíduo, com uma energia quase sobre-humana, a favor da revolução, contra todas as demais classes, a derrota está assegurada. Você me concederá, com efeito, que para estabelecer nossa tática necessitamos contar com as nossas próprias forças e não com uma ajuda estrangeira, russa, por exemplo.

O proletariado sozinho, sem ajuda, quase sem armas, enfrentando um capitalismo homogêneo, isto quer dizer na Alemanha: cada proletário, a grande maioria deles, tornar-se um militante consciente; cada proletário tornar-se um herói. E o mesmo ocorre em toda a Europa Ocidental. A maioria do proletariado a se tornar em militantes conscientes e organizados, em comunistas autênticos, deve ser em maior número, relativa e absolutamente, entre nós do que na Rússia. Uma vez mais: isto, como consequência não de invenções, de sonhos de intelectual ou de poeta, mas da mais pura realidade.

Na medida em que aumenta a importância da classe, diminui proporcionalmente a importância dos dirigentes. O que não quer dizer que não devamos ter os melhores dirigentes possíveis: os melhores entre os melhores não são ainda bastante bons e nós estamos precisamente em busca deles. Isto significa apenas que, em comparação com a importância das massas, a dos dirigentes diminui.

Se precisássemos ganhar, como você, com sete ou oito milhões de proletários, um país de cento e sessenta milhões de habitantes, então, claro, seria enorme a importância dos dirigentes! Quando precisamos vencer com tão poucos homens um tão grande número, a tática assume uma importância de primeira grandeza. Para triunfar como vocês, camarada, em um país tão grande com uma tropa tão pequena, mas com uma ajuda externa à classe, então o que importa, em primeiro lugar, é a tática do dirigente. Quando você começou a luta, camarada Lênin, com um pequeno contingente de proletários, foi a sua tática, em primeiro lugar, que, no momento propício, orientou as batalhas e aglutinou os camponeses pobres.

Mas, e na Alemanha? Aqui a tática mais inteligente, a maior clareza, o próprio gênio do dirigente não é o essencial, nem o fator principal. Aqui, inexoravelmente, as classes se enfrentam, uma contra todas. Aqui, o próprio proletariado deve decidir, como classe. Com o seu poderio, seu número. Mas o seu poderio, diante de um inimigo tão formidável e de uma superioridade de organização e de armamento tão esmagadora, baseia-se principalmente em sua qualidade.

Diante das classes proprietárias russas você estava como Davi diante de Golias. Davi era pequeno, mas tinha uma arma seguramente mortal. O proletariado alemão, inglês, europeu ocidental, está diante do capitalismo como gigante contra gigante. Para ele tudo depende somente da força. A força do corpo e, sobretudo, a do espírito.

Você não observou, camarada Lênin, que não há “grandes” dirigentes na Alemanha? Todos são homens absolutamente comuns. O que já demonstra que esta revolução deve ser, em primeiro lugar, obra das massas e não dos dirigentes. A meu ver, será algo grandioso, maior do que tudo que houve até agora. E uma indicação do que será o comunismo. Isto ocorrerá na Alemanha e em toda a Europa Ocidental. Porque o proletariado está sozinho em todos os países.

Será a revolução das massas, não porque isso seja bom ou belo, ou inventado por alguém, mas porque está determinado pelas relações econômicas e pelas relações entre as classes[8]. Esta diferença entre a Rússia e a Europa Ocidental provoca, além disso, as seguintes consequências:

1ª) Quando você, ou o Executivo de Moscou, ou os comunistas oportunistas ocidentais da Liga Spartacus ou do PC da Inglaterra que seguem suas orientações, dizem que uma luta em torno da questão dirigentes ou massas é um contrassenso, não somente vocês cometem um erro em relação a nós que procuramos ainda um dirigente, mas também erram porque a questão tem para nós um significado completamente diferente do que tinha para vocês.

2ª) Quando você vem nos dizer: dirigente e massa devem se fundir numa coisa só, você não se engana apenas em relação a nós que procuramos exatamente uma tal unidade, mas também em relação à questão, que para nós tem um significado diferente do que para vocês.

3ª) Quando você vem nos dizer: no partido comunista deve haver uma disciplina de ferro e uma centralização absoluta, militar, você não se engana apenas em relação a nós que procuramos efetivamente uma disciplina de ferro e uma forte centralização, mas também em relação à questão que, para nós, tem um significado diferente do que para vocês.

4ª) Quando você vem nos dizer: na Rússia, agimos desta ou daquela forma (por exemplo, depois da ofensiva de Kornilov[9] ou quando aconteceu um outro episódio importante), neste ou naquele período íamos ao parlamento, ou não permanecíamos nos sindicatos, tudo isto não significa absolutamente nada e não leva necessariamente a que esta tática possa ou deva adequar-se a nós, porque as relações de classe na Europa Ocidental, na luta e na revolução, são totalmente diferentes da Rússia.

5ª) Quando você, ou o Executivo de Moscou, ou os comunistas oportunistas na Europa Ocidental, pretendem nos impor uma tática que era perfeitamente correta na Rússia – por exemplo, uma tática concebida e baseada consciente ou inconscientemente no fato de que os camponeses pobres ou outras camadas de trabalhadores viriam rapidamente para o lado de vocês, ou seja, no fato de que o proletariado não estava só —, esta tática prescrita para nós, ou aplicada aqui, conduzirá o proletariado ocidental apenas à sua perda e a derrotas terríveis.

6ª) Quando você, ou o Executivo em Moscou, ou os elementos oportunistas na Europa Ocidental, como o comitê central da Liga Spartacus na Alemanha e o BSP na Inglaterra, quando vocês querem nos impor, aqui, na Europa Ocidental, uma tática oportunista (o oportunismo sempre se apoia em elementos estranhos prontos a abandonar o proletariado), vocês cometem um erro.

São as seguintes as bases gerais sobre as quais deve ser formulada a tática na Europa Ocidental: o isolamento do proletariado, a ausência de perspectivas de aliados, a importância superior da massa e a menor importância relativa dos dirigentes. Nem Radek quando estava na Alemanha, nem o Executivo da Internacional em Moscou, nem você mesmo, de acordo com os seus textos, não percebeu estas bases. Sobre estas bases, o isolamento do proletariado e a predominância das massas e dos indivíduos, formula-se a tática do KAPD, do Partido Comunista de Sylvia Pankhurst[10], e da maioria da Comissão de Amsterdã[11], tal como foi denominada por Moscou.

Por estas razões, eles tentam principalmente educar as massas, como unidade e como conjunto de indivíduos, num nível muito mais alto de desenvolvimento, tentam educar os proletários, um por um, para fazer deles combatentes revolucionários, advertindo-os claramente (não só pela teoria, mas sobretudo pela prática) de que tudo depende deles, de que não devem esperar nada da ajuda estrangeira, nem de outras classes, e muito pouco de seus dirigentes, mas tudo deles próprios.

Teoricamente, portanto, se não se levam em consideração afirmações particulares[12], questões de detalhe e certas aberrações, como as de Wolfheim e de Laufenberg, inevitáveis no início de um movimento, a concepção dos partidos e dos camaradas citados acima é totalmente correta e você os combate com argumentos perfeitamente falsos.

Se viajamos de Leste para Oeste da Europa, atravessamos, num certo momento, uma fronteira econômica. Ela vai do Báltico ao Mediterrâneo, mais ou menos de Dantzig a Veneza. É a linha de demarcação de dois mundos. A ocidente desta linha, o capital industrial, comercial e bancário, unificado no capital financeiro desenvolvido no mais alto nível, domina quase completamente. O próprio capital agrário está subordinado a este capital ou já foi obrigado a se unificar com ele. Este capital é altamente organizado e se concentra nos mais sólidos governos e Estados do mundo.

A leste desta linha, não existe nem o imenso desenvolvimento do capital concentrado da indústria, do comércio, dos transportes, dos bancos, nem sua dominação quase absoluta, nem, consequentemente, o Estado moderno solidamente edificado. Assim sendo, seria um milagre que a tática do proletariado revolucionário fosse a mesma a leste e a oeste desta linha.

II – A Questão Sindical

Depois de ter formulado estas bases teóricas gerais, quero tentar agora provar que, na prática, também a esquerda na Alemanha e na Inglaterra tem, geralmente, razão. Em particular nas questões sindical e parlamentar. Comecemos com a questão dos sindicatos.

Da mesma forma que o parlamentarismo exprime o poder intelectual dos dirigentes sobre as massas operárias, o movimento sindical encarna sua dominação material. Os sindicatos constituem, no capitalismo, as organizações naturais para a unificação do proletariado — neste sentido, Marx, há muito tempo, sublinhou sua importância. No capitalismo desenvolvido e ainda mais na época imperialista, os sindicatos tornaram-se, e cada vez mais, associações gigantescas, que mostram a mesma tendência de desenvolvimento revelada anteriormente pelo próprio aparelho de Estado burguês. Neste último formou-se uma classe de empregados, uma burocracia que dispõe de todos os meios de governo, de organização, de dinheiro, da imprensa, da nomeação de subalternos; frequentemente as prerrogativas dos funcionários vão ainda mais longe e, assim, de servidores da coletividade, eles se transformam em seus senhores, identificando-se a si próprios com a organização. Os sindicatos observam a mesma evolução do Estado e de sua burocracia: apesar da suposta democracia sindical, os seus membros não têm condições de fazer prevalecer sua vontade contra os funcionários; frente ao aparelho finamente organizado dos regulamentos e dos estatutos, toda e qualquer revolta se esfuma antes de conseguir abalar as altas esferas. Só por uma luta perseverante a toda prova é que uma organização consegue, às vezes, depois de anos, um sucesso relativo que resulta geralmente numa mudança de pessoas. Nos últimos anos, antes e depois da guerra, chegamos assim — na Inglaterra, na Alemanha, na América — a revoltas de militantes entrando em greve por sua própria conta, contra a vontade dos dirigentes ou das próprias resoluções do sindicato. O fato de que isto possa parecer natural, e ser assumido como tal, é o sinal claro de que a organização, longe de ser a coletividade dos membros, apresenta-se como um ser estranho, em certa medida, aos próprios membros. Os operários não são donos de seu sindicato, ao contrário, são dominados por ele como por uma força exterior contra a qual eles podem revoltar-se, embora esta força tenha sido criada por eles mesmos. Mais um ponto em comum com o Estado. Depois, quando a revolta se acalma, a antiga direção se restabelece e sabe se manter, apesar do ódio e do ressentimento impotentes das massas, porque ela se apoia na indiferença e na falta de clareza, de vontade homogênea e perseverante das massas, e na necessidade interna do sindicato como único meio que os operários têm de unificar forças contra o capital. Lutando contra o capital, contra as suas tendências absolutistas e geradoras de miséria, limitando estas tendências e tornando assim possível a existência da classe operária, o movimento sindical começou a desempenhar um papel no capitalismo, transformando-se desta forma num membro da sociedade capitalista. Mas, quando a revolução começa, e o proletariado, de membro da sociedade capitalista, se toma o seu destruidor, terá de enfrentar o sindicato como um obstáculo. […] O que Marx e Lênin enfatizaram em relação ao Estado, ou seja, que sua organização, apesar do conteúdo formalmente democrático, é imprópria enquanto instrumento para a revolução proletária vale, portanto, também para as organizações sindicais. Seu potencial contrarrevolucionário não pode ser nem eliminado, nem atenuado por uma mudança de personalidades, pela substituição de dirigentes reacionários por homens de esquerda ou por revolucionários. É a própria forma organizacional que torna as massas mais ou menos impotentes, impedindo-as de fazer do sindicato o instrumento de sua vontade. A revolução só pode vencer destruindo este organismo, ou seja, transformando de alto a baixo esta forma organizacional de modo a que possa surgir algo inteiramente novo: o sistema dos conselhos, pelo seu próprio desenvolvimento, é capaz de extirpar pela raiz e de eliminar não somente a burocracia estatal, mas também a burocracia sindical, formando não só os novos órgãos políticos do proletariado contra o capitalismo, mas também as bases dos novos sindicatos. Nas discussões no Partido, na Alemanha, ironizou-se o fato de que qualquer forma de organização possa ser revolucionária, dependendo apenas da consciência revolucionária dos homens, dos aderentes. Mas se o conteúdo essencial da revolução consiste no fato de que as próprias massas assumem a direção de seus problemas, a direção da sociedade e da produção — a consequência é que toda forma de organização que não permita às massas dominar e dirigir o seu próprio rumo é nociva e contrarrevolucionária; por esta razão ela deve ser substituída por outra forma de organização que seja revolucionária, por permitir aos próprios operários decidir ativamente sobre todos os problemas. (PANNEKOEK, 2005, p. 244-247).

Os sindicatos, por sua natureza, não são boas armas para a revolução na Europa Ocidental. Mesmo se eles não se houvessem transformado em instrumentos do capitalismo, mesmo se não estivessem controlados por traidores e se — nas mãos de quaisquer dirigentes — não estivessem, por natureza, destinados a transformar seus membros em escravos e instrumentos passivos, mesmo assim continuariam inutilizáveis. Os sindicatos são muito fracos para a luta, para a revolução contra o capitalismo organizado no mais alto nível, como é o caso da Europa Ocidental, e contra seu Estado. Ambos são demasiadamente fortes para eles. Por um lado, os sindicatos são associações por categoria profissional e basta isto para que não sejam capazes de fazer a revolução. E, na medida mesma em que são associações por categoria, não se apoiam diretamente na fábrica, nos locais de trabalho, o que condiciona também sua fraqueza. Enfim, são mais sociedades de ajuda mútua do que agrupamentos de luta, produtos da época da pequena burguesia.

Insuficiente para a luta antes do período revolucionário, este tipo de organização é perfeitamente inadequado para a revolução na Europa Ocidental. Porque as fábricas, os operários das fábricas, não fazem a revolução no âmbito de suas profissões, ou de suas categorias, mas nos locais de trabalho. Além disso, os sindicatos são órgãos de ação lentos, demasiadamente complicados, bons apenas para os períodos de evolução. Inclusive se a revolução não triunfar em seguida e tivermos que voltar durante algum tempo para a luta pacífica, será preciso destruir os sindicatos e substituí-los por associações industriais baseadas na organização de fábrica, por local de trabalho. E é com estes miseráveis sindicatos, que, como se viu, devem ser destruídos de qualquer maneira, que se quer fazer a revolução!! Os operários precisam de armas para fazer a revolução. Na Europa Ocidental, as únicas armas de que dispõem são as organizações de fábrica fundidas em uma totalidade e em unidade.

Os operários da Europa Ocidental precisam das melhores armas. Porque eles estão sós e não contam com aliados. Por isso, precisam das organizações de fábrica. Na Alemanha e na Inglaterra, rapidamente, porque a revolução é ali mais iminente. E também nos outros países, o mais depressa possível, desde o momento que se apresente a possibilidade de construí-las.

Camarada Lênin, não adianta nada você dizer: na Rússia, agimos desta e daquela forma. Porque, em primeiro lugar, você não tinha na Rússia organizações de luta tão ruins como são muitos sindicatos entre nós. Vocês tinham associações industriais. Em segundo lugar, os operários tinham ali uma mentalidade mais revolucionária. Em terceiro lugar, os capitalistas ali estavam mal organizados. E também o Estado. Em quarto lugar, e no fundo, tudo depende disto, vocês contavam com aliados. Vocês não precisavam, portanto, estarem armados de modo superior. Nós estamos sós, e por isso precisamos das melhores armas dentre todas. Sem isto não venceremos, e seremos constantemente derrotados. Mas existem ainda outros motivos, subjetivos e materiais, que demonstram a validade de nosso ponto de vista. Imagine, camarada, a situação na Alemanha antes e durante a guerra. Os sindicatos, único e débil meio de ação, instrumentos improdutivos e completamente controlados pelos dirigentes que os fazem funcionar em benefício do capitalismo. Sobrevém então a revolução. Os sindicatos são utilizados pelos dirigentes e pela massa dos associados como arma contra a revolução. Em função de seu apoio, de seu auxílio, pela ação de seus dirigentes e, em parte, também pela de seus associados, a revolução é assassinada. Os comunistas presenciam seus irmãos serem fuzilados com o apoio dos sindicatos. As greves favoráveis à revolução são derrotadas. O camarada imagina que seja possível aos operários revolucionários permanecerem em tais organizações depois do que houve? Se ainda por cima elas são ferramentas demasiadamente fracas para servir à revolução! Parece-me que é psicologicamente impossível. O que é que você teria feito como membro de um partido político, do partido menchevique, por exemplo, se ele tivesse agido assim durante a revolução? Você teria “rachado” (se já não o tivesse feito anteriormente). Você dirá: era um partido político, no caso de um sindicato as coisas são diferentes. Acho que você comete um erro. Na revolução, enquanto dura a revolução, cada sindicato, até cada grupo operário, desempenha um papel de partido político a favor ou contra a revolução.

Mas você dirá, e chega mesmo a dizer em seu artigo, que estes impulsos sentimentais devem ser superados em prol da unidade e da propaganda comunista. Eu lhe demonstrarei que isto era impossível, na Alemanha, durante a revolução. Através de exemplos concretos. Porque devemos considerar esta questão de um ponto de vista concreto e sem equívocos. Suponhamos que existam na Alemanha cem mil estivadores, cem mil metalúrgicos e cem mil mineiros verdadeiramente revolucionários. Querem entrar em greve, combater, morrer pela revolução. Os outros milhões não. Que devem fazer os trezentos mil? Em primeiro lugar, unir-se entre eles, entrarem em acordo para agir. Nisto você concorda: os operários são impotentes sem organização. Mas, formar um novo agrupamento contra as antigas associações já equivale à cisão, se não formal, ao menos real. Ainda que os partidários do novo agrupamento permaneçam associados aos antigos sindicatos. Imagine agora que os membros da nova organização passem a precisar de uma imprensa, de locais de reunião, de funcionários permanentes. Tudo isto custa caro. E os operários alemães não têm quase nada. Para dar vida à nova associação serão obrigados, mesmo se não o desejarem, a deixar a antiga. Portanto, concretamente, o que você quer, caro camarada, é impossível.

Mas existem razões materiais ainda melhores. Os operários alemães que deixaram os sindicatos e querem destruí-los, criaram organizações de fábrica e a União Operária, se encontraram em plena revolução. Era preciso passar imediatamente à ação. A revolução o exigia. Os sindicatos se negaram lutar. Num momento como este de que adianta dizer: permaneçam nos sindicatos, propaguem suas ideias, vocês se tornarão certamente mais fortes e ganharão a maioria. Seria um bom plano, mesmo desconsiderando o esmagamento das minorias, e a própria esquerda o tentaria se tivesse tido tempo para isso. Mas não era possível esperar. A revolução acontecia. E ela ainda está acontecendo!

Durante a revolução (tome nota disto, camarada, foi durante a revolução que os operários alemães “racharam”, constituindo a sua União Operária) os operários revolucionários sempre se separarão dos social-patriotas. Impossível atuar de outra maneira em um momento assim. Independentemente do que você, o executivo de Moscou e o Congresso da Internacional possam dizer, e da contrariedade que a cisão possa provocar em você, ela sempre ocorrerá por razões subjetivas e materiais. Porque os operários nem sempre podem tolerar ser fuzilados pelos sindicatos e porque é preciso lutar.

Foi por isso que os esquerdistas criaram a União Geral Operária (AAU). E como eles acreditam que a revolução na Alemanha não acabou ainda, mas continuará, até a vitória, eles resistem.

Camarada Lênin! Se duas tendências se formam no movimento operário, é possível encontrar uma solução fora da luta? E se existem orientações muito diferentes, opostas, pode-se encontrar outra saída que não seja a cisão? Você já ouviu falar de outra solução? Existe algo mais antagônico que a revolução e a contrarrevolução? Também por isso o KAPD e a AAU têm inteira razão.

No fundo, camarada, estas cisões e depurações, não foram sempre uma boa coisa para o proletariado? Não acabamos sempre percebendo isto mais tarde? Tenho certa experiência neste terreno. Quando ainda estávamos no partido social-patriota, não tínhamos nenhuma influência. Quando fomos expulsos — no começo —, pouca influência. Mas depois esta influência não parou de crescer. E como vocês, os bolcheviques, estavam depois da cisão? Não de todo mal, creio. De início, pequeno; mais tarde — grande. Agora, tudo. O crescimento de um grupo, por menor que seja, até que se torne mais poderoso, depende inteiramente do desenvolvimento econômico e político. Se a revolução continua na Alemanha, há boas razões para esperar que a importância e a influência da União Operária se tornem preponderantes. Desde que ela não se deixe intimidar pelas relações numéricas: 70.000 contra 7.000.000. Grupos muito menores tornaram-se os mais fortes. Entre os quais os bolcheviques!

Por que as organizações de fábrica e por local de trabalho, e a União Operária, que se baseia nelas e agrupa a seus membros, são também excelentes armas (juntamente com os partidos comunistas, é claro), as melhores, as únicas boas armas disponíveis para a revolução na Europa Ocidental? Porque os operários aqui atuam em seu próprio nome, infinitamente mais que nos velhos sindicatos, porque controlam seus dirigentes e, através deles, a própria direção; e porque controlam a organização de fábrica e, através dela, a União em seu conjunto.

Cada fábrica, cada local de trabalho é um todo. Na fábrica, os operários elegem seus delegados, os “homens de confiança”. As organizações por fábrica são divididas em distritos econômicos, para os quais novamente são eleitos delgados. E os delegados dos distritos, por sua vez, elegem a direção geral da União para todo o Reich[13].

Assim, todas as organizações de fábrica, sem distinção das categorias a que pertençam, formam em conjunto uma só União Operária. Como se vê, trata-se de uma organização totalmente voltada para a revolução. Se ocorresse um intervalo de lutas relativamente pacíficas, a AAU seria capaz de se adaptar. Bastaria que, em seu interior, reagrupasse as organizações de fábrica por indústrias.

Acrescente-se que no seio da AAU todo operário dispõe de poder. Porque elege em seu local de trabalho seus delegados e por meio deles exerce influência direta tanto sobre os conselhos de distrito quanto sobre o conselho nacional. Há centralismo, mas não acentuado. O indivíduo e sua organização de base, a organização de fábrica, tem um grande poder. Pode destituir os delegados que elegeu a qualquer momento, substituí-los ou forçá-los a substituir rapidamente as instâncias mais altas. Há individualidade, mas não excessiva. Porque as instâncias centrais, conselhos regionais e conselho nacional gozam de grande poder. Indivíduo e direção têm tanto poder quanto é possível e necessário que tenham, nos tempos atuais em que desencadeia a revolução na Europa Ocidental.

Marx escreveu que, no capitalismo, o cidadão diante do Estado não passa de uma abstração, um número. A mesma coisa ocorre nas velhas organizações sindicais. A burocracia, a própria essência da organização, se situa nas cúpulas, muito distante do operário e fora de seu alcance. Diante desta organização o operário é um número, uma abstração. Em nenhum momento ela enxerga o operário como um ser humano em seu local de trabalho. Como um ser vivo, com vontade e que luta. Substitua, nos velhos sindicatos, uma burocracia consolidada por outras pessoas e em pouco tempo você constatará que os novos também adquirirão o mesmo caráter, tornando-se inacessíveis às massas, sem contato com elas. Em noventa e nove por cento dos casos se converterão em tiranos que se juntarão à burguesia. É uma consequência da essência da organização.

Como são diferentes as organizações de fábrica! Aqui é o próprio operário que decide sobre a tática, sobre a orientação da luta, fazendo valer imediatamente sua autoridade, se os dirigentes não atuam como ele quer. Aqui o operário está permanentemente no centro da luta, porque a fábrica e o local de trabalho se confundem com a própria organização.

Ele é assim, na medida do possível em condições capitalistas, o artesão e o senhor de seu próprio destino, e, como isso acontece com todos, a massa trava e dirige seu próprio combate. Uma situação bem melhor, infinitamente melhor, de qualquer forma, do que seria possível nas velhas organizações econômicas, sejam reformistas ou anarcossindicalistas[14].

Pelo próprio fato de transformarem os indivíduos, e, em consequência, as massas, em agentes diretos da luta, e quem as dirige realmente, as organizações de fábrica e a União Operária são verdadeiramente as melhores armas para a revolução, as armas de que precisamos na Europa Ocidental para derrubar sem aliados e sem ajuda o capitalismo mais poderoso de todo o mundo. Mas, no fundo camarada todos estes argumentos são ainda bastante fracos diante da última e fundamental razão, a qual está intimamente ligada aos princípios que mencionei no início. Razão decisiva para o KAPD e para o partido de oposição na Inglaterra: estes partidos querem elevar ao máximo o nível de consciência das massas e dos indivíduos.

Para isto, segundo tais partidos, só há um meio. Trata-se da formação de grupos que mostrem pela luta em que devem se transformar as massas. E, mais uma vez, pergunto se você conhece outro método no movimento operário. Quanto a mim, não conheço outros.

No movimento operário, e particularmente na revolução, a meu ver, só há uma comprovação, a do exemplo por meio da ação. Os camaradas de “esquerda” acreditam ser possível, através deste pequeno grupo lutando contra o capitalismo e os sindicatos, exercer pressão sobre os últimos, ou mesmo, porque isto não é impossível, empurrá-los, pouco a pouco, para melhores caminhos. Isto só será viável através do exemplo. Para elevar o nível revolucionário dos operários alemães, estas novas formações — as organizações de fábrica — são indispensáveis.

Da mesma forma que os partidos comunistas se levantam contra os partidos social-patriotas, a nova formação, a União Operária, deve fazer frente aos sindicatos[15].

Para transformar as massas com mentalidade de escravo, reformistas, social-patriotas apenas o exemplo poderá ser eficaz. Examinarei agora o caso da Inglaterra, da esquerda inglesa. A Inglaterra, depois da Alemanha, é o país mais próximo da revolução. Não que a situação já seja revolucionária, mas porque o proletariado é particularmente numeroso, e as condições econômicas do capitalismo ali são mais propícias. Bastará um forte empurrão para o combate começar e ele terminará inevitavelmente por uma vitória. É o que sentem, é o que sabem quase instintivamente os operários mais avançados da Inglaterra (como todos nós o sentimos), e, porque sentem isto, fundaram, como na Alemanha, um novo movimento… que se esboça e tateia diversos caminhos, exatamente como na Alemanha — o movimento dos Rank and File, das massas por elas mesmas, sem dirigentes ou como se eles não existissem[16]. Estes movimentos parecem-se muito com a União Operária alemã com suas organizações de fábrica.

O camarada observou que este movimento surgiu unicamente nos dois países mais avançados? E no seio da própria classe operária? E em muitos lugares? Fato que demonstra por si mesmo uma prova de que se trata de um crescimento orgânico e espontâneo[17].

Na Inglaterra tal movimento, a luta contra os sindicatos, é ainda mais necessário que na Alemanha. As Trade-Unions inglesas não são apenas instrumentos controlados pelos dirigentes para apoiar o capitalismo, mas representam ferramentas ainda mais inutilizáveis para a revolução que os sindicatos alemães. Sua formação remonta muitas vezes ao começo do século XIX ou mesmo ao século XVIII, nos tempos das lutas individuais, mesquinhas. Na Inglaterra existem indústrias com vinte e cinco sindicatos, e as principais federações brigando entre si, numa luta impiedosa, para recrutar associados! E em tudo isto os associados não têm o menor poder. E você camarada Lênin, deseja conservar também estas organizações!

Não devemos também combatê-las, rachá-las, e aniquilá-las? Quem está contra a União Operária, deve também estar contra os Shop-Committees, os Shop-Stewards e as Uniões Industriais. Se somos favoráveis às últimas, devemos também apoiar a União Operária, porque os comunistas lutam pelos mesmos objetivos nos dois casos.

A nova corrente no movimento das Trade-Unions poderá servir à esquerda comunista na Inglaterra para aniquilar os sindicatos ingleses tal como eles hoje se apresentam, para substituí-los por novos instrumentos, adaptados para a luta de classe revolucionária. As mesmas razões formuladas para o movimento alemão são válidas também aqui.

Li na carta do Comitê Executivo da III Internacional ao KAPD que o Executivo é favorável aos IWW[18] nos EUA sob a condição de que esta organização concorde em aderir e atuar politicamente com o Partido Comunista. Mas sem exigir que os IWW ingressem nos sindicatos estadunidenses! Entretanto o Executivo é contra a União Operária na Alemanha, e a obriga a se fundir com os sindicatos, embora seja comunista e colabore com o partido

E você, camarada Lênin, é favorável ao movimento dos Rank and File na Inglaterra (o qual, já provocou mais de uma cisão, e onde há muitos comunistas desejando a destruição dos sindicatos), mas é contra a União Operária na Alemanha!

Naturalmente a esquerda comunista na Inglaterra não pode ir tão longe como na Alemanha porque a revolução na primeira ainda não eclodiu. Ela ainda não pode organizar o Rank and File Movement em grande escala, em todas as regiões, e com um objetivo imediatamente revolucionário. Mas a esquerda inglesa prepara isto. E logo que a revolução aconteça, os operários deixarão em massa as velhas organizações incapazes de servir à revolução, afluindo para as organizações de fábrica e de indústria.

Eles virão pelo próprio fato de que a esquerda comunista atua no movimento, esforçando-se, antes de tudo, por semear as ideias comunistas em seu interior, e, em função de seu exemplo, consegue elevar a um nível superior os operários que nele militam[19]. Este é, como na Alemanha, o seu objetivo específico.

A União Geral Operária (AAU) e o Rank and File Movement, apoiando-se nas fábricas, nos locais de trabalho, e somente neles, são os precursores dos conselhos operários, dos sovietes. A revolução na Europa Ocidental será muito mais difícil e, exatamente porque o seu desenvolvimento será lento, haverá uma fase de transição muito longa em que os sindicatos já não servirão para nada, mas os sovietes ainda não existirão. A fase de transição será caracterizada pela luta contra os sindicatos através de sua transformação ou substituição por organizações melhores. Não se preocupe, nossa hora chegará!

Ainda mais uma vez: isto não acontecerá porque nós, os esquerdistas, o queiramos, mas porque a revolução exige formas novas de organização, sem as quais será esmagada. Boa sorte para o Rank and File Movement na Inglaterra, e para a União Geral Operária (AAU) na Alemanha! Precursores dos sovietes na Europa Ocidental. Boa sorte às primeiras organizações a prosseguir, juntamente com os partidos comunistas, a revolução contra o capitalismo na Europa Ocidental!

Camarada Lênin, você quer nos obrigar, a nós da Europa Ocidental, que estamos sem aliados frente a um capitalismo ainda e agora absolutamente poderoso, extremamente organizado (em todos os setores e em todos os sentidos), fortemente armado (exatamente por isso precisamos das melhores e das mais poderosas armas), você quer nos obrigar a usar armas ruins. Você quer impor estes miseráveis sindicatos a nós que queremos organizar a revolução nas fábricas e a partir das fábricas, única forma de organizar a revolução na Europa Ocidental. Isto acontecerá porque é nas fábricas que o capitalismo está altamente organizado em todos os sentidos, economicamente e politicamente, e porque os operários não têm outra arma sólida (exceto o Partido Comunista). Na Rússia vocês estavam armados e contavam com os camponeses pobres. O que as armas e o apoio dos camponeses pobres representaram para a revolução russa, a tática e a organização devem representar para nós, neste momento. E é neste momento que você defende os sindicatos! Nós devemos, por razões subjetivas e materiais, lutar contra os sindicatos no processo revolucionário — e você quer nos impedir de conduzir esta luta. Nós só podemos lutar através de “rachas” e você tenta nos dissuadir disso. Nós queremos formar grupos que deem o exemplo e você nos proíbe de dar o exemplo. Nós queremos elevar o nível do proletariado na Europa Ocidental e você nos impede de agir.

Você não quer nem ouvir falar de cisões, novas formações, e consequentemente, nem da elevação da consciência a um nível superior! E por quê? Porque você quer a adesão dos grandes partidos e grandes sindicatos à III Internacional. Isto nos parece ser oportunismo, e da pior espécie[20].

Você atua hoje na III Internacional de uma forma totalmente diferente da que era a sua, até a pouco tempo, no partido bolchevique. Este se conservou muito “puro” e, tomara, assim permaneça. Agora você defende que na Internacional devemos admitir, rapidamente, pessoas que sejam comunistas pela metade, por um quarto ou ainda menos!

O drama do movimento operário é que logo que obtém algum poder, tenta aumentá-lo abandonando os princípios. A própria social-democracia também era “pura” em sua origem, em quase todos os países. A maior parte dos atuais sociais-patriotas eram autênticos marxistas. As massas foram ganhas pela propaganda marxista. Mas logo que conseguiu certa força, os princípios foram abandonados. Ontem foram os socialdemocratas, hoje é você e a III Internacional. Agora não mais em limites nacionais, mas numa escala internacional. A Revolução Russa triunfou graças à “pureza”, pela firmeza dos princípios. Graças a ela o proletariado dispõe de poder. Seria necessário estender este poder por toda a Europa. Mas é exatamente agora que se abandona a velha tática!

Em vez de aplicar agora também a todos os demais países uma tática comprovada, reforçando assim, internamente, a III Internacional, adota-se uma posição diametralmente oposta, aderindo-se ao oportunismo, exatamente como fez a social-democracia anteriormente. E permite o ingresso de todo mundo: sindicatos, independentes alemães (USPD)[21], centristas franceses, uma fração do Partido Trabalhista Inglês.

Para manter as aparências marxistas, estipulam-se condições, que é preciso assinar (!!). Os Kautsky, Hilferding, Thomas e outros são postos na rua. Mas a grande massa, os elementos duvidosos, é admitida e todos os meios são bons para fazer com que adira. E para dar total satisfação aos centristas, os “esquerdistas” não são admitidos se não concordam em passar para o centro! Os melhores elementos revolucionários, como os militantes do KAPD, são assim mantidos de fora!

E, quando se conseguiu unificar a grande massa em torno de uma linha mediana, todos se põem em marcha sob uma disciplina de ferro, dirigidos por homens que foram provados desta forma tão peculiar. Para onde? — direto ao abismo. Para que servem os grandiosos princípios, as brilhantes teses da III Internacional se, na prática, é necessário ser oportunista? A II Internacional também tinha os mais belos princípios, mas naufragou neste tipo de prática. Nós, da Esquerda, não queremos isto. Queremos, inicialmente, formar na Europa Ocidental, exatamente como outrora fizeram os bolcheviques na Rússia, núcleos muito sólidos, conscientes e rigorosos (mesmo que devam ser pequenos no começo). Depois que estiverem formados, tentaremos aumentá-los. Mas sempre num terreno cada vez mais sólido, rigoroso, cada vez mais “puro”. Só assim poderemos vencer na Europa Ocidental. Por isso recusamos totalmente a sua tática, camarada.

Você afirma camarada, que nós, membros da Comissão de Amsterdã, esquecemos ou não aprendemos as lições das revoluções anteriores. Ora, camarada! Eu me lembro muito bem de um traço característico das revoluções passadas: os partidos de “extrema-esquerda” sempre desempenharam um papel de primeiro plano. Foi assim na revolução holandesa contra a Espanha, na revolução inglesa, na revolução francesa, na Comuna de Paris e nas duas revoluções russas.

Ora, a revolução na Europa Ocidental conta com duas tendências, cada uma correspondendo a graus diferentes de desenvolvimento do movimento operário: a esquerdista e a oportunista. Elas só podem chegar a uma boa tática, à unidade, enfrentando-se mutuamente. Mas a corrente esquerdista é de longe a melhor, apesar de excessos em certos detalhes, talvez. E você, camarada Lênin, apoia a corrente oportunista!

E isto não é tudo! O Executivo de Moscou, os dirigentes russos de uma revolução que só venceu porque teve o apoio de um exército de milhões de camponeses pobres, querem impor sua tática ao proletariado da Europa Ocidental que está só e deve aguentar-se só. E, para atingir este objetivo, destroem, como você, a melhor corrente da Europa Ocidental!

Que besteira incrível, e, sobretudo, que dialética tão peculiar!

Quando a revolução explodir no Ocidente da Europa, você verá a desagradável surpresa resultante desta tática! Mas o proletariado é que será a vítima. Você, camarada, e o Executivo de Moscou, sabem que os sindicatos representam forças contrarrevolucionárias. É o que se deduz claramente das suas teses. Apesar disso você quer conservá-los. Você também sabe que a União Operária, ou seja, as organizações de fábrica, o Rank and File Movement são organizações revolucionárias. Você mesmo afirma em suas teses que as organizações de fábrica devem ser nosso objetivo. Apesar disso você quer esmagá-las. Você quer esmagar as organizações nas quais os operários, cada operário, e, em consequência, a massa, podem adquirir força e poder, e quer conservar aquelas onde a massa é um instrumento morto na mão dos dirigentes. Assim, você quer controlar os sindicatos colocando-os nas mãos da III Internacional.

E por que você adota esta tática ruim? Porque você quer antes de tudo agrupar as massas em torno de você, seja qual for o seu nível. Pois, na sua avaliação, basta que as massas estejam enquadradas numa disciplina firme e centralizada (de uma forma comunista, meio comunista, ou nada comunista), que vocês, os dirigentes, conseguirão a vitória. Em uma palavra: porque você aplica uma política de dirigente.

Sem dirigentes e sem centralização não se chega a lugar algum (e também sem partido). Porém, quando se fala de política de dirigente, se entende como a política que consiste em reunir as massas sem consultá-las sobre suas convicções e seus sentimentos, e que supõe que a vitória é dos dirigentes desde que tenham conseguido ganhar as massas. Mas esta política, defendida hoje por você e pelo Executivo em relação à questão sindical, não terá sucesso na Europa Ocidental. Porque ali o capitalismo é, no momento atual, muito mais forte, e o proletariado pode contar apenas com suas próprias forças. A sua política fracassará como a da II Internacional.

Aqui, os operários devem se tornar fortes por eles mesmos e só depois por seus dirigentes. Aqui, o mal, a política de dirigente, deve ser destruído pela raiz. A tática que você e o Executivo adotaram na questão sindical, demonstra com extrema nitidez o seguinte: se vocês não mudarem de tática, não poderão dirigir a revolução na Europa Ocidental. Você afirma que a “esquerda” se perde no palavrório quando pretende aplicar a sua própria tática. Ora, camarada, a “esquerda” teve muito pouca, ou não teve, oportunidade de agir em outros países. Mas olhe somente para a Alemanha, considere a tática e o trabalho do KAPD durante o golpe de Kapp e em relação à revolução russa e você será obrigado a retirar o que disse.

III – O parlamentarismo

Resta ainda defender a Esquerda de seus ataques na questão do parlamentarismo[22]. Também neste tema a linha da esquerda se baseia nas mesmas considerações de ordem teórica que a orientam na questão sindical: isolamento do proletariado, enorme poderio do inimigo, necessidade da massa educar-se à altura de sua tarefa e de poderem contar apenas consigo mesma, etc. Desnecessário, pois, expor novamente todas estas razões.

Contudo, existem neste tema alguns pontos que a questão sindical não levantava.

Primeiro: os operários, e, em geral, as massas trabalhadoras da Europa Ocidental, estão totalmente submetidos ideologicamente às ideias, à cultura burguesas e, por meio destas, ao sistema burguês de representação, ao parlamento e à democracia burguesa em nível muito maior do que na Europa Oriental. Entre nós, a ideologia burguesa tomou conta de toda a vida social e, em consequência, da política em seu conjunto, penetrando profundamente na subjetividade dos operários. É neste quadro que foram criados e educados há séculos. Os operários estão inundados pelas concepções burguesas.

O camarada Pannekoek descreveu excelentemente esta situação na revista Kommunismus, de Viena:

A experiência alemã nos coloca frente ao grande problema da revolução na Europa Ocidental. Nestes países, o modo de produção burguês e a sua cultura secular altamente desenvolvida marcaram profundamente a maneira de sentir e de pensar das massas populares. Por isto as características subjetivas destas massas são completamente diferentes nos países orientais, que nunca conheceram a dominação burguesa. Nisto reside em primeiro lugar a diferença que o processo revolucionário tomou a leste e a oeste da Europa. Na Inglaterra, França, Holanda, Escandinávia, Itália, Alemanha, uma forte burguesia florescia desde a Idade Média na base de uma produção pequeno-burguesa e capitalista primitiva. Após a derrocada do feudalismo, desenvolveu-se igualmente no campo uma classe forte e independente de camponeses, que se tornou senhora de sua própria pequena economia. Nesta base desenvolveu-se a vida espiritual burguesa numa sólida cultura nacional, sobretudo nos países marítimos como França e Inglaterra, as primeiras a conhecer um desenvolvimento capitalista. Sujeitando o conjunto da economia à sua direção, vinculando mesmo os rincões mais distantes à esfera de sua economia mundial, o capitalismo durante o século XIX, elevou o nível da cultura nacional, refinou-a, e com a ajuda de seus meios de propaganda – imprensa, escola e igreja – forjou com base neste modelo o cérebro popular, tanto no que se refere às massas proletarizadas atraídas para a cidade como em relação às que ficaram no campo. Assim foi não somente nos países de origem do capitalismo mas também, sob formas um pouco diferentes, na América e Austrália, onde os europeus fundaram novos Estados, e nos países da Europa Central – Alemanha, Áustria, Itália – onde o novo desenvolvimento capitalista pode se introduzir em uma economia de pequenos camponeses estancada até então e na cultura pequeno-burguesa. Quando penetrou na Europa do Leste, o capitalismo encontrou uma situação e tradições muito diferentes. Na Rússia, Polônia, Hungria e no oriente da Alemanha não se encontra nenhuma burguesia poderosa que dominasse por um longo período a vida espiritual, que estava determinada pelas relações de produção agrárias, ainda primitivas, grande propriedade da terra, feudalismo patriarcal e comunidade de aldeia. (PANNEKOEK, 2005, p. 232- 233).

Frente ao problema ideológico, o camarada Pannekoek soube melhor que qualquer outro, esclarecer o que distingue a Europa Ocidental da Oriental e encontrou a chave da tática a ser seguida pelos revolucionários europeus ocidentais. Basta ligar estas considerações com as causas materiais da força de nosso inimigo, ou seja, o capital financeiro, então o conjunto da tática torna-se claro.

Mas é possível ir mais fundo no problema ideológico. Liberdade burguesa, soberania do parlamento, na Europa Ocidental foram conquistadas por meio de duras lutas de nossos antepassados, as gerações anteriores. Conquistas realizadas pelo povo mas em proveito da burguesia, dos possuidores. A memória dessas lutas emancipadoras, convertida em tradição, está profundamente enraizada no coração do povo. De fato, uma revolução é a lembrança mais profunda de um povo. A ideia de que estar representado no parlamento foi uma vitória é, sem que se perceba, um formidável calmante. Assim é nos países de burguesia mais antiga: Inglaterra, Holanda, França. De modo semelhante, embora em menor escala, na Alemanha, Bélgica e nos países escandinavos. É difícil imaginar na Europa Oriental o quanto essa ideia continua poderosa no Ocidente

Além do mais, o próprio proletariado teve de lutar, muitas vezes por longo tempo, para obter o direito de voto, direto ou indireto. Essa foi também uma significativa vitória em seu tempo. A ideia, a percepção de que é uma vitória e um progresso ter representantes no parlamento burguês e enviar deputados encarregados de defender os seus interesses, é generalizada. Essa ideologia também exerce uma influência formidável.

Finalmente, o reformismo produziu o efeito de deixar o proletariado na Europa Ocidental sob o domínio dos parlamentares, que o levaram à guerra, a se aliar com o capitalismo. Essa influência do reformismo também é colossal. Como consequência, os proletários se submeteram ao parlamento e a atuação em seus locais cessou. Eles mesmos deixaram de agir[23].

Chega a revolução. Agora, os trabalhadores devem fazer tudo sozinhos. Lutando sozinho, como classe, deve combater o inimigo formidável; continuar a luta mais terrível que o mundo já conheceu. Nenhuma tática de dirigente pode tirá-los de seus apuros. Todas as classes se levantam contra eles, pois nenhuma está a seu lado. Pelo contrário, depender de dirigentes ou de outras classes representadas no parlamento, os colocará em grande perigo de retornar à sua fraqueza anterior: deixar que os líderes atuem em seu lugar, confiar no parlamento, retornar à velha quimera segundo a qual outros podem fazer a revolução por eles, alimentar ilusões, ficar no círculo fechado das ideias burguesas. Este comportamento das massas em relação aos dirigentes também foi descrito de modo exato pelo camarada Pannekoek:

O parlamentarismo é a forma típica da luta mediada por dirigentes, em que as massas desempenham um papel secundário. Sua prática consiste em deixar a direção efetiva da luta nas mãos de personalidades separadas, os deputados, e estes por sua vez devem manter as massas na ilusão de que outros podem travar a luta por elas. Antigamente se acreditava que os deputados eram capazes de conseguir, pela via parlamentar, reformas importantes em favor do proletariado, tal ilusão chegava ao ponto de imaginar que os parlamentares poderiam realizar a revolução socialista por meio de medidas legislativas. Hoje, quando o parlamentarismo sofreu abalos, argumenta-se que a tribuna parlamentar pode ser um importante espaço para a propaganda comunista. Em ambos os casos a importância decisiva é atribuída aos dirigentes e escusado será dizer que o cuidado na definição da política a seguir é deixada aos especialistas, disfarçadas de discussões democráticas e resoluções de congresso. Mas a história da social-democracia é uma série ininterrupta de tentativas frustradas para permitir que os próprios militantes definam a política do partido. Enquanto o proletariado lutar pela via do parlamento e não construir os órgãos de sua própria ação e, portanto, a revolução não esteja na agenda, isso é inevitável. Pelo contrário, a partir do momento que as massas sejam capazes de intervir, agir e, portanto, decidir por si mesma, os danos causados pelo parlamento assumem um caráter de gravidade sem precedentes. O problema da tática consiste em encontrar os meios de extirpar das massas proletárias a mentalidade burguesa que as paralisa. Tudo o que fortalece as concepções tradicionais é nocivo. O aspecto mais persistente e solidamente estabelecido desta mentalidade reside nesta aceitação da dependência em relação aos dirigentes, que faz com que as massas deixem com os dirigentes o poder de decidir a direção de seus interesses de classe. O parlamentarismo tem por efeito inevitável paralisar a atividade das massas, necessária à revolução. De nada adianta e nada muda com belos discursos e apelos inflamados à ação revolucionária: esta nasce da dura e árdua necessidade, quando não há outra saída. A revolução exige ainda algo mais do que a ofensiva das massas, capaz de derrubar o regime vigente fruto das necessidades profundas das massas. Exige que o proletariado assuma os grandes problemas da reconstrução social, tome decisões difíceis, participe como um todo no movimento criador. Para tanto é necessário que a vanguarda e, em seguida, as massas cada vez mais amplas tomem as coisas em suas mãos, se considerem responsáveis, se dediquem a tentar, a fazer propaganda, a combater, experimentar, refletir, considerar para depois se atrever e chegar até o final. Mas tudo isso é duro e penoso. Por isso, enquanto o proletariado tiver a impressão de que existe um caminho mais fácil – em que outros atuem no seu lugar, lancem consignas do alto de uma tribuna, tomem decisões, deem o sinal para a ação, façam leis – ele vacilará, permanecerá passivo e prisioneiro dos velhos hábitos de pensamento e das velhas debilidades. (PANNEKOEK, 2005, p. 240-242).

É preciso repetir mil vezes e, se necessário, milhares e milhões de vezes, e quem não entendeu e não aprendeu esta lição à luz da história depois de novembro de 1918, é um cego (mesmo que seja você, camarada): o proletariado da Europa Ocidental deve antes de tudo agir por si mesmo, não por meio de dirigentes, não somente no terreno sindical, mas também no terreno político, porque ele está só, e nenhuma tática de dirigente, por mais astuta que seja, poderá tirá-lo de suas dificuldades. A força motriz, o enorme impulso, tem de vir dele mesmo. É na Europa Ocidental, mais do que na Rússia, que, pela primeira vez, a emancipação do proletariado será obrados próprios proletários. Por isso que os camaradas da Esquerda têm razão quando dizem aos trabalhadores alemães: camaradas não participem das eleições! Boicotem o parlamento! Em política, contém apenas com vocês mesmos. Não conseguireis a vitória enquanto não tiverem consciência desta verdade e atuarem de acordo com ela. Vocês apenas serão capazes de vencer se atuarem assim durante dois, cinco, dez anos, até que se habituem homem por homem, grupo por grupo, de cidade em cidade, de província em província e, finalmente, em todo o país. Enquanto partido, união, comitês de fábrica, massa, classe. Até o dia em que, pela prática continuamente renovada, por meio de uma série de lutas e derrotas, conquisteis a maioria e, depois de ter passado por esta árdua escola, possam finalmente se levantar como uma massa compacta.

Porém, estes camaradas, os esquerdistas, o KAPD, teriam cometido um grave erro se tivessem se limitado a defender esta linha apenas verbalmente, pela propaganda. Na questão política, a luta e o exemplo têm ainda mais importância do que na questão sindical. Por tal motivo, os camaradas do KAPD estavam corretos e obedeciam a uma necessidade histórica quando decidiram romper com a Liga Spartacus, mais precisamente com seu núcleo dirigente, quando este tentou impedir que realizassem sua propaganda, pois era extremamente necessário fornecer um exemplo tanto para o povo alemão quanto para o proletariado europeu ocidental. Neste quadro de um povo de escravos políticos e no mundo de submissos da Europa Ocidental era necessário que surgisse um grupo que servisse de exemplo, de militantes livres, sem dirigentes, isto é, sem dirigentes à moda antiga. Sem deputados no parlamento. E isto, diga-se mais uma vez, não porque seja bonito, bom ou heroico, mas porque o povo trabalhador da Europa Ocidental está só nesta terrível luta, porque não pode contar com a ajuda de nenhuma outra classe, porque a habilidade dos dirigentes não lhes serve para nada. O que lhes serve é a vontade e a decisão das massas em bloco, homens e mulheres.

A tática oposta a essa, a participação no parlamento, que só pode ser prejudicial para a continuação deste grande objetivo, oferece apenas uma pequena vantagem (propaganda do alto da tribuna parlamentar). A Esquerda rejeita o parlamentarismo, em nome de um propósito maior.

Você argumenta que o camarada Liebknecht, se fosse vivo, saberia usar admiravelmente o parlamento. É o que nós negamos. Ele se veria politicamente amordaçado no momento em que todos os partidos da grande e pequena burguesia formassem um bloco contra nós. E, nessas condições, ele não ganharia as massas melhor do que se estivesse fora do Reichstag. Pelo contrário, grande parte das massas se referenciaria nele, em seus discursos, e a partir desse momento, sua presença lá seria nociva[24].

Obviamente que os “esquerdistas” deverão atuar nesse sentido por anos e anos, e as pessoas que, por qualquer razão, pensam apenas em termos de êxitos imediatos, grandes batalhões, recorde de adesões e vitórias eleitorais, grandes partidos e Internacional poderosa (mas de fachada!) devem esperar outra coisa. Mas estarão satisfeitos com essa tática aqueles que compreenderem que a revolução vai triunfar na Alemanha e na Europa Ocidental somente se um grande número, a massa dos trabalhadores, contarem apenas consigo mesmos.

É a única boa para a Alemanha e Europa Ocidental, em especial boa para a Inglaterra.

Camarada, você conhece a Inglaterra com seu individualismo burguês, suas liberdades burguesas, sua democracia parlamentar, moldadas ao longo de seis ou sete séculos? conhece realmente este estado de coisas, infinitamente diferente do que existe em seu país? sabe até que ponto essas ideias estão enraizadas em todos, inclusive proletários, na Inglaterra e nas colônias inglesas? conhece esse corpo de ideias elevadas ao absoluto e que é objeto de aceitação geral tanto na vida pública quanto na vida privada? Parece-me que não se tem ideia do que isso significa na Rússia ou na Europa do Leste. Se você estivesse consciente, não deixaria de aplaudir os operários ingleses que romperam categoricamente com esse produto excepcional do capitalismo, sem equivalente no mundo inteiro.

Para alcançar este objetivo de modo perfeitamente consciente, deve-se estar animado por uma subjetividade tão revolucionária como a dos homens que foram os primeiros a ter coragem de romper com o tzarismo. A Revolução Inglesa já se perfila para romper com a democracia burguesa como um todo.

Ruptura que deverá se consumar com o máximo de energia, como deve ser em um país tão orgulhoso de sua história, tradições e de um poder formidável. O proletariado Inglês é dotado de uma força prodigiosa (potencialmente é o mais poderoso do mundo); mesmo que a revolução ainda não esteja a ponto de eclodir em seu país, quando se levanta contra a burguesia mais poderosa do mundo o faz com toda sua força, e de um só golpe, apenas um, rejeita toda a democracia inglesa.

É o que fez a sua vanguarda, a Esquerda, assim como o KAPD, a vanguarda alemã. E por que fez isso? Porque sabe que pode contar apenas consigo mesmo, com nenhuma outra classe de todo o país, e que na Inglaterra é principalmente ao próprio proletariado, e não a dirigentes, lutar e vencer[25].

O proletariado inglês manifesta nesta vanguarda o modo como quer lutar: sozinho e contra todas as classes da Inglaterra e suas colônias. Isso não poderia deixar de chegar, camarada, e finalmente chegou. Esse orgulho e ousadia, frutos do maior dos capitalismos. Agora, finalmente, chegou, e de uma só vez.

Foi uma jornada histórica, camarada, naquele dia de junho, quando se fundou em Londres o primeiro partido comunista e que este rejeitou uma constituição e uma estrutura de Estado de sete séculos! Gostaria que Marx e Engels estivessem lá. Que imensa alegria teriam sentido, tenho certeza disso, se tivessem podido assistir a esses operários ingleses rejeitar – mesmo que ainda só em teoria – o Estado inglês que serviu de modelo e exemplo para todos os Estados burgueses do mundo, que por séculos é o coração e bastião do capitalismo mundial, que reina sobre um terço da humanidade, se pudessem vê-los rejeitar este Estado e seu parlamento!

Essa tática é muito mais justificada na Inglaterra porque sabemos que o capitalismo britânico apoia o capitalismo em todos os outros países e certamente não hesitará em trazer tropas do mundo inteiro para reprimir o proletariado, tanto dentro como fora do país. Assim, a luta do proletariado inglês é uma luta contra o capitalismo mundial. Mais uma razão para que o comunismo inglês forneça o exemplo mais perfeito e nítido, trave um combate exemplar para o proletariado mundial e o fortaleça assim com o seu exemplo. Assim, torna-se necessário sempre e em toda parte que exista um grupo que vá até as últimas consequências. Esses grupos são o sal da terra.

Agora, após ter justificado o antiparlamentarismo, passo a examinar seus argumentos em favor do parlamentarismo. Você o defende (da página 36 a 68), na Inglaterra e na Alemanha. Mas sua argumentação refere-se apenas a Rússia (e, na melhor das hipóteses, a alguns países do Leste Europeu), mas nada para a Europa Ocidental. E é aí, como ja sublinhei, que você se equivoca. Assim, de dirigente marxista você se converte em dirigente oportunista, e de dirigente da esquerda marxista na Rússia e, provavelmente, de alguns países da Europa Oriental, você cai no oportunismo quando se trata da Europa Ocidental. Sua tática, se for adotada, levaria o Ocidente à derrota. É o que vou provar refutando seus argumentos detalhadamente[26].

Camarada, enquanto lia sua argumentação da página 36 a 68, uma lembrança me veio à mente constantemente. Lembrei-me de um congresso do partido social-patriota holandês, ouvindo um discurso de Troelstra[27]. Quando ele descrevia para os operários as grandes vantagens do reformismo. Ele falou dos operários que ainda não eram Socialdemocratas e precisávamos atraí-los por meio de compromissos. Explanava sobre as alianças a serem feitas (todas provisórias, é claro) com os partidos desses operários, sobre as “divisões” entre os partidos burgueses que deveríamos aproveitar. E você usa mais ou menos, não, exatamente a mesma linguagem, camarada Lênin, quando se trata de nós europeus ocidentais!

Me lembro quando nós, os camaradas marxistas, estávamos sentados no fundo da sala, um pequeno grupo de quatro ou cinco. Henriette Roland-Holst[28], Pannekoek, e mais alguns. Assim como você, Troelstra era cativante, persuasivo. Lembro também como, em meio à explosão de aplausos, às brilhantes frases a favor do reformismo e aos insultos dirigidos aos marxistas, os operários sentados na sala se viravam para olhar aqueles “idiotas”, “burros” e “loucos infantis” como fomos denominados por Troelstra, mais ou menos como você faz. Provavelmente foi assim que aconteceram as coisas no Congresso da Internacional em Moscou, durante o seu discurso contra os marxistas “esquerdistas”. E como você, camarada, exatamente como você, Troelstra foi tão convincente, tão lógico, em seu método, que às vezes cheguei a pensar que ele tinha razão.

Muitas vezes tive que tomar a palavra pela oposição (nos anos anteriores a 1909, data de nossa expulsão). Mas você sabe qual era o meio infalível que eu empregava toda vez que, ouvindo um ou outro, começava a duvidar de mim? Eu pensava em um trecho do programa de nosso partido: Sempre atue, em palavras e ações, de modo a despertar e reforçar a consciência de classe do proletariado. E perguntava-me então: o que este homem diz fortalecerá a consciência de classe do proletariado? E, sempre, percebia que não e, portanto, era ele quem estava equivocado.

Aconteceu o mesmo com a leitura de sua brochura. Prestei atenção aos seus argumentos oportunistas em favor da cooperação com os partidos nãocomunistas, a favor do compromisso com os partidos burgueses. Fui seduzido. Tudo parecia tão brilhante, tão claro, tão perfeito! E tão lógico em seu método! Mas então, como de costume, me questionei com uma pergunta que me veio à mente ultimamente, para lutar contra os oportunistas do comunismo. Esta pergunta é: sim ou não, o que o camarada está dizendo agora serve para estimular o desejo de ação das massas, sua vontade de revolução, da revolução na Europa Ocidental? E tanto com a mente quanto com o coração, respondi imediatamente: não! Ao mesmo tempo, soube que você, camarada Lênin, na medida em que se pode ter certeza de uma coisa, que você estava equivocado.

Recomendo aos camaradas da Esquerda este método. Camaradas, não deixem de fazer esta pergunta, quando, no curso das duras lutas que terão pela frente em todos os países contra os comunistas oportunistas (aqui na Holanda a batalha causa estragos a três anos), perguntem a si mesmos se querem saber se estão com a razão e porquê.

Em sua luta contra nós, você, camarada, utiliza apenas três argumentos, repetidos incessantemente em seu texto, isoladamente ou combinados uns com os outros. Ei-los:

1º) Utilidade da propaganda no parlamento para conquistar os operários e elementos da pequena burguesia.

2º) Utilidade da ação no parlamento para explorar as “divisões” entre partidos e realizar acordos com alguns deles.

3º) Exemplo da Rússia, onde a propaganda e os acordos deram excelentes resultados

Você não tem outros argumentos. Agora vou respondê-los pela ordem.

Comecemos pelo primeiro, a propaganda no parlamento. Argumento sem grande valor. Para os trabalhadores não-comunistas, ou seja, os social-democratas, cristãos e outros que pensam em termos burgueses, em geral, não tomam conhecimento, por meio de seus jornais, de nenhuma palavra das nossas intervenções no parlamento. E quando tomam, aquela imprensa as desfigura completamente. Não chegamos a eles por meio desses discursos e sim por meio de reuniões públicas, nossos próprios panfletos e jornais

Nós – e me expresso frequentemente em nome do KAPD – pelo contrário, tentamos chegar a eles por meio da ação (em tempos de revolução, que é do se trata aqui). Em todas as cidades e grandes vilarejos eles podem nos ver em ação. Eles enxergam nossas greves, nossos combates de rua, nossos conselhos operários. Ouvem nossas palavras de ordem. Nos veem ir a frente. Essa é a melhor propaganda, a que dá mais resultados. Mas não se faz no parlamento. Portanto, pode-se chegar do mesmo jeito aos operários não-comunistas, aos elementos pequeno-burgueses e aos pequenos agricultores, sem recorrer à ação parlamentar

Torna-se necessário refutar aqui uma passagem em especial do seu texto sobre a “doença infantil”, que mostra claramente o quão longe o oportunismo pode levar, camarada.

Você afirma (p. 66-67), que o motivo pelo qual os operários alemães passam em massa para os independentes e não para os comunistas, se deve à atitude de hostilidade dos comunistas em relação ao parlamento. Assim, as massas operárias de Berlim teriam sido quase ganhas para a revolução pela morte de nossos camaradas Liebknecht e Rosa Luxemburgo e pela ação consciente, greves e combates de rua dos comunistas. Faltava apenas um discurso do camarada Levy no Parlamento! Se ele houvesse proferido tal discurso, os operários teriam vindo para o nosso lado e não para o lado equivocado dos Independentes! Não, camarada, não é verdade. Os operários foram para o lado equivocado porque ainda temiam a revolução, a revolução sem ambiguidades. Porque não se passa da escravidão para a liberdade sem hesitação.

Atenção, camarada! Veja para onde o oportunismo está te levando!

Seu primeiro argumento é inútil.

E se considerarmos que a participação no parlamento (durante a revolução na Alemanha, Inglaterra e toda a Europa Ocidental) reforça entre os operários a concepção de que os dirigentes saberão encontrar uma saída, enquanto debilita a outra concepção de que o proletariado deve, ele mesmo, se encarregar de tudo, percebe-se que este argumento além de inútil é prejudicial.

Argumento 2: utilidade da ação parlamentar (em tempos de revolução) para explorar as divisões entre os partidos políticos e fazer acordos com este ou aquele partido.

Para refutar este argumento (particularmente no que se refere à Inglaterra, à Alemanha, e de modo geral, à toda a Europa Ocidental), tenho que me estender de modo mais amplo que no primeiro. É doloroso para mim fazer isto contra você, camarada Lênin. Mas essa questão do oportunismo revolucionário (em oposição ao oportunismo reformista) é vital para nós, na Europa Ocidental. Literalmente uma questão de vida ou morte. Refutar esse argumento em si mesmo é fácil. Já o fizemos centenas de vezes contra os Troelstra, Henderson, Bernstein, Legien, Renaudel, Vandervelde e outros[29], em uma palavra: contra todos os social-patriotas. O próprio Kautsky em pessoa, quando ainda se chamava Kautsky, o refutou. Foi o grande argumento dos reformistas. E nunca imaginamos ter que usá-lo contra você. No entanto, é necessário. Mãos à obra!

Valer-se dos “rachas” parlamentares não ajuda muito porque, durante anos e décadas, estes “rachas” são insignificantes. Tanto entre os partidos da grande burguesia, quanto entre eles e os partidos da pequena burguesia. Na Europa Ocidental, na Alemanha, na Inglaterra as coisas se passam assim e não começaram no período revolucionário e sim no tempo da evolução lenta. Há muito tempo que todos os partidos, inclusive os da pequena burguesia e do pequeno campesinato, estão unidos contra os operários e suas diferenças sobre questões relativas aos trabalhadores (e, portanto, mais ou menos todas as outras) tornaram-se mínimas, quando não desapareceram completamente.

Verdade teórica e verdade prática na Europa Ocidental, na Alemanha e na Inglaterra.

Verdade teórica: porque o capital tem-se concentrado formidavelmente nas mãos dos bancos, trustes e monopólios. Porque, na Europa Ocidental, em especial na Inglaterra e na Alemanha, esses bancos, trustes e cartéis integraram quase todo o capital dos diversos ramos da indústria, comércio e transportes, bem como grande parte da agricultura. Por isso, toda a indústria, incluindo as pequenas, todo o comércio, incluindo o pequeno, todas as empresas de transporte, incluídas as pequenas, todas as empresas agrícolas, incluídas as pequenas, estão sob o domínio completo do grande capital. Incorporaram-se a ele.

O camarada Lênin argumenta que os pequenos patrões do comércio, dos transportes, da indústria e da agricultura oscilam entre capitalistas e proletários. É falso. Este foi o caso na Rússia e, antigamente, também entre nós. Mas, na Europa Ocidental, na Alemanha, na Inglaterra, estão agora tão estreita e completamente submetidos ao grande capital, que não oscilam mais. Lojistas, pequenos industriais e pequenos comerciantes, todos dependem inteiramente da boa vontade dos trusts, monopólios e bancos que lhes fornecem bens e créditos. Mesmo o pequeno agricultor, por meio de sua cooperativa e das hipotecas, também está submetido.

Qual é, então, camarada, a situação social dos membros dessas categorias mais próximas do proletariado? Eles consistem de lojistas, artesãos, pequenos funcionários, empregados e camponeses pobres.

Analisemos esta camadas na Europa Ocidental. Venha comigo, camarada, não digo em uma loja de departamentos, claramente sob controle das grandes empresas, mas em uma pequena loja de um miserável bairro operário na Europa Ocidental. Olhe ao seu redor. O que salta aos olhos? Quase todas as mercadorias, roupas, alimentos, utensílios, madeira e carvão, etc., São produtos da grande indústria, na maioria das vezes dos trustes. Seja na cidade ou no campo. A partir de agora, grande parte dos pequenos comerciantes são funcionários humildes do grande capital. Em outras palavras, do capital financeiro, uma vez que ele é quem controla as grandes fábricas, os trustes.

Repare na oficina de um artesão na cidade ou no campo, pouco importa! As matérias-primas, metais, couro, madeira e outros vem do grande capital, muitas vezes dos monopólios, dos bancos em outras palavras. E mesmo que os fornecedores desses bens ainda sejam pequenos capitalistas, dependem, do grande capital.

E quanto aos pequenos funcionários e empregados? Na Europa Ocidental, a maioria deles estão a serviço do grande capital ou, do Estado e dos municípios que vivem em absoluta dependência do grande de capital, ou seja, em última análise, dos bancos. O percentual de empregados e funcionários, mais próximos do proletário colocado sob controle direto ou indireto do grande capital é muito elevado na Europa Ocidental, enorme na Inglaterra e na Alemanha, e também nos Estados Unidos e colônias inglesas.

Os interesses desses grupos sociais são, portanto, ligados aos interesses do grande capital e, em consequência, também dos bancos. Já falei dos camponeses pobres e vimos que, para o momento, não estão suscetíveis de serem ganhos pelo comunismo, em virtude dos argumentos já apresentados e também pelo fato de que dependem do grande capital para suas vendas, mercadorias e hipotecas. Qual a consequência disso, camarada?

Segue-se que a sociedade e o Estado modernos europeu ocidentais (e estadunidenses) formam uma totalidade única, organizada até a menor de suas engrenagens, dominada, dinamizada e regulada em todos os aspectos pelo capital financeiro. Esta sociedade está estruturada de modo capitalista, mas, apesar disso, estruturada. O capital financeiro é o sangue deste corpo social, o irriga inteiramente e alimenta seus diversos setores. Este corpo forma um todo e deve seu poder formidável ao capital, razão pela qual todos os seus componentes continuarão solidários até o seu fim real, prático. Todos, exceto um: o proletariado que cria o sangue, a mais-valia.

Em virtude da dependência de todas as outras classes sociais em relação ao capital financeiro, e do enorme poder que ele dispõe, elas são hostis à revolução e o proletariado está só.

E como o capital é a força mais flexível e adaptável do mundo, e geralmente consegue centuplicar seu poder graças ao crédito, é ele que mantém e restaura a coesão do capitalismo, da sociedade e do Estado capitalistas, mesmo hoje, depois de uma guerra horrível e de milhares de destruições e em uma situação que nos parece ser a de sua bancarrota. Por isso ele aglutina com mais autoridade do que nunca todas as classes em torno dele, exceto o proletariado, e as transforma em um conjunto compacto orientado contra a classe operária. Este poder, esta flexibilidade para se adaptar, e esta coesão de todas as classes são tão grandes que sobreviverão por muito tempo, mesmo após o início da revolução. Certamente, o capital se enfraqueceu consideravelmente. A crise chega e, com ela, a revolução. Mas nem por isso o capitalismo deixa de permanecer extremamente poderoso. Por dois motivos: a escravidão subjetiva das massas, e o capital financeiro. Portanto, é preciso basear nossa tática nesses dois fatores. Há ainda um terceiro: o grande número de proletários. Devido a este fator, o capital financeiro organizado conseguiu agrupar em torno dele, contra a revolução, todas as classes da sociedade. Na verdade, tais classes são conscientes de que, se pudessem levar os operários (cerca de vinte milhões na Alemanha) a fazer jornadas de trabalho de dez, doze, quatorze horas, seria possível escapar da crise. Para elas, é mais uma razão para formarem uma frente única. Essa é a situação económica na Europa Ocidental.

Na Rússia, o capital financeiro estava longe deste nível de poder. E, consequentemente, o nível de coesão entre a burguesia e as camadas médias também era mais baixo. Daí as divisões reais entre as classes. Ao mesmo tempo, o proletariado russo não estava reduzido às suas próprias forças. Estes fatores econômicos exercem um efeito decisivo sobre a política. Por tal motivo as classes dominadas da Europa Ocidental, como escravas submissas que são, votam em seus patrões, nos partidos da grande burguesia e aderem a eles. Este povo humilde não tem, por assim dizer, partidos próprios na Alemanha, na Inglaterra, nem em geral na Europa Ocidental. As coisas já estavam bastante avançadas nesse sentido antes da revolução e antes da guerra. Mas a guerra acentuou esta tendência em grandes proporções em função do surto de chauvinismo e como resultado, principalmente, da gigantesca organização de todas as forças econômicas sob a forma de trustes. E a revolução reforçou consideravelmente a tendência à fusão dos partidos da grande burguesia, bem como da capacidade de absorver todos os elementos pequeno-burgueses e pequenos camponeses.

A lição da Revolução Russa não se perdeu: agora se sabe em todas as partes o que enfrentar. Na Europa Ocidental, especialmente Alemanha e Inglaterra, os monopólios, bancos e trustes, o imperialismo tanto quanto a guerra e a revolução levaram a que burgueses (grandes e pequenos) e camponeses (grandes e pequenos) formassem um bloco contra o proletariado[30]. E como a questão do trabalho determina tudo, atuam em acordo nas demais questões.

Camarada, devo repetir aqui uma observação anterior (capítulo um) sobre a questão camponesa. Sei muito bem que não é você e sim as mediocridades do nosso partido que, incapazes de assentar a tática sobre pontos de vista gerais, fundamentam-na sobre visões parciais e direcionam a atenção para segmentos dessas camadas sociais que ainda escapam à dominação do grande capital. Não nego a existência de tais segmentos, mas digo que, na Europa Ocidental, a tendência é de que se integrem no grande capital. E sobre esta verdade geral deve se basear a nossa tática!

Também não nego que ainda se possam produzir divisões. Digo simplesmente que a tendência geral é, e continuará a ser por muito tempo ainda, durante a revolução, a de formação de uma coalizão dessas classes. E digo que os operários da Europa Ocidental têm mais interesse em dirigir sua atenção para o aspecto coalizão do que para o aspecto divisão, pois entre nós, é aos operários a quem cabe fazer a revolução, não a seus dirigentes nem a seus deputados no parlamento. Da mesma forma, apesar do que as mediocridades me façam dizer, não afirmo que haja identidade entre os interesses reais dessas camadas médias e os do grande capital. Bem sei que estão oprimidas. O que digo é: mais que antes tais camadas formam uma frente comum com o grande capital porque também elas se veem confrontadas com o perigo da revolução proletária. De fato, o reino do capital lhes fornece certa segurança, lhes oferece a possibilidade, ou pelo menos a esperança, de melhorar a sua situação. Agora se sentem ameaçadas pelo caos e pela revolução, a qual significa nos primeiros tempos um caos ainda maior. Por isso se juntam ao capital para tentar acabar com o caos por todos os meios, aumentar a produção, obrigar os operários a trabalhar mais e aceitar as privações sem reclamar. Aos olhos dessas camadas, a revolução proletária é o fim de toda ordem social, o rebaixamento dos níveis de vida, por mais modestos que sejam. Por isso continuarão com o capital e permanecerão com ele por muito tempo, inclusive durante a revolução.

E devo sublinhar mais uma vez que aqui se trata da tática a seguir no início e ao longo da revolução. Não ignoro que, no final da revolução, quando a vitória estiver próxima e o capitalismo abalado em seus alicerces, as tais camadas de que falo virão até nós. Mas devemos estabelecer nossa tática para o início e para o desenvolvimento da revolução, não para o seu final. Há muitos anos que a burguesia e todos os partidos burgueses da Europa Ocidental, incluídas as agremiações com efetivos pequeno-burgueses e pequeno-camponeses, não fazem nada a favor do proletariado. Todos se posicionaram contra o movimento operário e a favor do imperialismo e da guerra. Há muitos anos não existe nenhum partido na Alemanha, na Inglaterra, na Europa Ocidental, que apoie o proletariado. Todos lhe são hostis e sob todos os pontos de vista[31].

Aplicação cada vez mais restrita da legislação trabalhista, promulgação de leis contra as greves, aumentos constantes de impostos. Aprovação unânime do imperialismo, do colonialismo e da militarização galopante pelos partidos da grande e pequena burguesias. As diferenças entre liberais e clericais, conservadores e progressistas, e entre burgueses grandes e pequenos. Todo o palavrório dos social-patriotas sobre as divergências entre os partidos e suas “divisões” não passa de uma miragem, um requentado que você nos serve camarada Lênin, nos países da Europa Ocidental! Vimos bem no que deu em julho/agosto de 1914. Nessa época não estavam todos unidos? A revolução teve como efeito prático uni-los ainda mais. Unidos contra a revolução e por isso, no fundo, contra todo o proletariado, pois apenas a revolução é capaz de melhorar o futuro de todos. Todos os partidos unidos contra a revolução, unânimes, sem sombra de “divisão”. E como depois da guerra, da crise e da revolução, todas as questões concretas sejam sociais ou políticas estão ligadas à questão da revolução, estas classes fazem frente única, em definitivo, sobre todas as questões, colocando-se contra o proletariado da Europa Ocidental em todos os pontos.

Em suma, também do ponto de vista prático o trust, o monopólio, o grande banco, o imperialismo, a guerra, a revolução fizeram de todas as classes – burgueses grandes e pequenos e campesinato – uma massa compacta levantada contra o proletariado[32]. Trata-se, portanto, de uma certeza tanto na prática quanto na teoria. A revolução na Europa Ocidental, especialmente na Inglaterra e na Alemanha, não pode contar com “divisões” de qualquer importância entre tais classes em questão.

Devo acrescentar aqui alguma coisa de pessoal. Nas páginas 47 e 48[33], você critica o birô de Amsterdam e se vale de uma de suas teses. Entre parênteses, tudo o que você afirma sobre ela é errôneo. Mas você declara também que antes de condenar o parlamentarismo o birô de Amsterdam deveria fazer uma análise das relações de classe e dos partidos políticos de modo a justificar tal condenação. Mil perdões camarada! o birô podia perfeitamente prescindir disso, pois o que sustenta sua tese, a saber, que todos os partidos burgueses dentro do parlamento, e alguns fora, são a muito tempo, e continuam sendo, inimigos do proletariado e que não há divisões entre eles, é coisa provada a muito tempo e em geral admitida pelos marxistas, ao menos na Europa Ocidental. Inútil pois se estender sobre isso.

Agora, você sim, que é partidário dos acordos e alianças parlamentares e tenta nos arrastar para o oportunismo, é que deveria se incumbir da tarefa de provar que existem “divisões” importantes entre os partidos burgueses.

Você quer levar a acordos na Europa Ocidental. O que Troelstra, Henderson, Scheidemann, Turati, etc.[34], não conseguiram alcançar em tempos de desenvolvimento pacífico, você quer realizar em tempos de revolução! Resta provar que é possível. E não com exemplos russos – isto seria muito fácil! – mas, com exemplos da Europa Ocidental. Você cumpriu este dever da forma mais lamentável. Nada surpreendente, pois você apenas se referiu à sua própria experiência, na Rússia, um país muito atrasado, e não a um país moderno na Europa Ocidental. Exceção feita aos exemplos russos (que abordarei adiante), em todo o seu texto – cujo conteúdo é o de tratar de questões de tática – encontrei apenas dois exemplos europeus ocidentais: o golpe de Kapp na Alemanha e o gabinete Lloyd George-Churchill com Asquith a frente da oposição na Inglaterra. Poucos e pobres exemplos, na realidade, quando se trata de provar que de fato há “divisões” reais entre partidos burgueses e, em particular, entre partidos socialdemocratas.

Caso houvesse necessidade de provar que inexistem divisões importantes entre os partidos burgueses (e também socialdemocratas nesse caso) em tempos de revolução na Europa Ocidental, o Golpe de Kapp forneceria a melhor prova. Os golpistas não castigaram nem assassinaram ou prenderam integrantes dos partidos do centro, democratas e socialdemocratas. E quando estes recuperaram o poder se abstiveram igualmente de prender, castigar ou matar os golpistas. Mas os dois lados perseguiram os comunistas. Como os comunistas ainda eram muito fracos nesse momento, não tiveram necessidade de instaurar juntos uma ditadura. Na próxima vez, se os comunistas forem mais fortes, eles organizarão uma ditadura comum.

Era seu dever, e continua sendo camarada, demonstrar como os comunistas poderiam naquele momento ter se aproveitado de uma “divisão” no parlamento. Em proveito do proletariado obviamente. Cabia a você indicar o que os deputados comunistas no parlamento deveriam dizer para que os proletários conseguissem enxergar tal divisão e dela tirarem proveito. Evidentemente de modo a não fortalecer os partidos burgueses. E você não pode fazer isso porque os tais partidos são unânimes em tempos de revolução. Ora, são destes tempos que se trata. Cabia a você demonstrar que, se aparecessem tais divisões em circunstâncias particulares, valeria mais a pena chamar a atenção dos proletários para elas do que para a tendência geral de se aliarem. Era seu dever e continua sendo camarada, antes de se dirigir a nós, nos fazer enxergar onde estão estas “divisões” na Inglaterra, na Alemanha, na Europa Ocidental.

Mas você também não pode fazer isso. Você fala de divergências entre Churchill, Lloyd George e Asquith, que deveriam ser utilizadas pelos trabalhadores. Inacreditável! seria inútil discutir isso com você. Todo mundo sabe que a partir do dia em que o proletariado industrial da Inglaterra adquiriu alguma força, partidos e dirigentes burgueses não pararam de fabricar divergências desse tipo para enganar os trabalhadores, atraí-los para um campo e depois para o outro e assim sucessivamente ao infinito para mantê-los em um estado de fraqueza e dependência. Com este objetivo, acontece até com frequência que um mesmo governo conte entre seus membros com dois adversários “irreconciliáveis”: Lloyd George e Churchill. E eis que o camarada Lênin cai em uma armadilha quase centenária! Tenta convencer os operários ingleses a embasar sua política sobre falsas aparências! Em tempos de revolução! No dia em que os Churchill, Lloyd George e Asquith se unirem contra a revolução, você, camarada, terá enfraquecido o proletariado inglês com uma ilusão. Você tinha o dever, camarada, de esclarecer os fatos com rigor, de modo concreto, com exemplos claros e precisos. Mas de uma ponta a outra de seu último capítulo, você derrama generalidades tão nobres quanto vazias (p. 96, por ex.). Cabia a você levar em conta conflitos e divergências não russas, artificiais, ou secundárias, mas da Europa Ocidental, primordiais e reais. Em nenhum lugar seu texto faz isso. Enquanto você não fornecer estes exemplos, não vamos acreditar em você. Se você fizer isso uma vez, então vamos responder. Enquanto isso diremos que se trata apenas de ilusões, boas apenas para enganar os trabalhadores e fazê-los adotar uma tática falsa. A verdade, camarada, é que você assimila equivocadamente a revolução na Europa Ocidental à Revolução Russa. E por que erroneamente? Porque você se esquece que nos Estados modernos da Europa Ocidental (e América do Norte), existe uma força muito superior às diferentes frações de capitalistas – proprietários de terras, industriais e comerciantes – o capital financeiro. Esta força, que se confunde com o imperialismo, unifica todos os capitalistas e ao mesmo tempo os pequenos burgueses e camponeses. Mas ainda há um ponto a considerar. Você diz “Há divisões entre partidos burgueses e partidos proletários. Devemos nos aproveitar delas”. Sem dúvida, sem dúvida.

É preciso reconhecer que essas divergências de pontos de vista entre socialdemocratas e burgueses estavam quase reduzidas a zero durante a guerra e durante a revolução praticamente desapareceram. Feita a ressalva, é certo que houve e poderia acontecer novamente. Falemos sobre elas, então. Especialmente quando utiliza como pretexto contra Sylvia Pankhurst, um governo “puramente” operário na Inglaterra com os Thomas, Henderson, Clynes entre outros, e, contra o KAPD, do possível governo “puramente” socialista dos Ebert, Scheidemann, Noske, Hilferding, Crispien, Cohn[35].

Que deixássemos sobreviver um governo desse tipo não é impossível. Pode ser necessário, um passo à frente para o movimento. Se fosse esse o caso, de não podemos ir mais longe, então vamos deixá-lo sobreviver. O criticaremos sem piedade e, a partir do momento que seja possível, o substituiremos por um governo comunista. Mas não para ajudá-lo no Parlamento e nem nas eleições para que chegue ao poder.

Não faremos porque o proletariado da Europa Ocidental está só na revolução. Por esta razão, tudo, você entendeu bem, tudo aqui depende da sua vontade de agir e de sua clareza própria. Ora, sua tática tanto dentro quanto fora do Parlamento, é a de fazer acordos entre os Scheidemann e Henderson, os Crispien e este ou aquele de seus partidários, seja o independente Inglês ou o comunista oportunista da Liga Spartacus ou o BSP (Partido Socialista Inglês). Uma boa tática para semear a confusão na subjetividade dos operários, chamando-os a eleger pessoas que sabem de antemão que não são confiáveis. Nossa tática, pelo contrário, esclarece as consciências denunciando o inimigo por sua verdadeira face. Por este motivo a adotamos e rejeitamos a sua na Europa Ocidental nas atuais circunstâncias, mesmo se a clandestinidade nos obrigasse a perder qualquer representação no parlamento e nos impedir, em função disso, de explorar aí qualquer “divisão” (no parlamento!).

Segui-lo neste terreno será, mais uma vez, semear confusão e manter ilusões. Mas então não seria preciso tentar atrair os militantes dos partidos socialdemocratas? Dos Independentes? Do Partido Trabalhista? Pois bem, nós da “esquerda” queremos ganhar os proletários e elementos pequeno burgueses desses partidos por meio da nossa propaganda, nossas reuniões, nossa imprensa; e principalmente pelo nosso exemplo, nossas palavras de ordem e nosso trabalho nas fábricas. Aqueles que não conquistarmos por estes meios, não vale a pena, e, de qualquer maneira, podem ir para o diabo. Estes partidos socialdemocratas, e outros partidos socialistas, independentes ou trabalhistas da Inglaterra e da Alemanha agrupam proletários com pequenos burgueses. Com o passar do tempo, poderemos ganhar os primeiros, os proletários. Mas apenas um pequeno número dos segundos que, ao contrário dos pequenos camponeses, não tem grande importância económica. Os poucos que virão para o nosso lado o farão por nossa propaganda, etc. Mas a maioria – e é nela que se apoiam os Noske e quejandos – integram o capitalismo até o fim, e quanto mais progride a revolução, mais se agruparão em torno dele.

Não aceitar fazer acordos eleitorais com esses partidos significa cortar relações com seus militantes? Combatê-los como inimigos? Absolutamente. Na medida do possível tentamos trabalhar com eles. Em todos os momentos, os chamamos para a ação comum: greves, boicotes, rebeliões, lutas de rua, e, sobretudo, para formar conselhos operários e comitês de fábrica. Nós os procuramos para isso em todos os lugares. Mas não os procuramos, como acontecia antes, no campo parlamentar e sim nos locais de trabalho, nas reuniões e na rua. Nestes lugares é que se pode trabalhar com eles hoje. Nestes lugares nos unimos ao proletariado. Essa é a nova prática que substitui a prática socialdemocrata. A prática comunista. Você pretende, camarada, levar socialdemocratas, independentes e outros ao parlamento e ao governo para mostrar que não passam de empulhadores. Você quer utilizar o parlamento para mostrar que não serve para nada

Cada um com seu método: você usa truques com os proletários. Os incita a que caiam em uma armadilha. Nosso método é ajudá-los a evitar a armadilha. Porque em seu país, isso é possível. Você adota a tática dos povos camponeses, nós, a dos povos industriais. Não veja nisso ironia ou sarcasmo. Que tal caminho tenha sido bom em seu país, estou convencido. Apenas veja que você não deve nos impor – seja nas pequenas ou nas grandes questões, dos sindicatos e do parlamentarismo – uma tática boa para a Rússia, mas desastrosa para nós.

Ainda tenho que fazer uma observação. Você escreve, e tem defendido muitas vezes, que a revolução na Europa Ocidental não começará antes de terem sido suficientemente abaladas, neutralizadas ou ganhas as camadas próximas do proletariado. Se esta tese fosse correta, e como demonstrei que tal não é possível no início da revolução, seria impossível. Mais de uma vez me fizeram tal observação vinda de seu próprio campo, especialmente do camarada Zinoviev. Mas, felizmente, você tem, sobre um assunto de tal gravidade e tão decisivo para a revolução, um ponto de vista falso. O que prova mais uma vez que você julga tudo pela perspectiva da Europa Oriental. Voltarei a isto no último capítulo.

Assim, penso ter demonstrado que o seu segundo argumento a favor do parlamentarismo, em grande parte, faz parte da enganação oportunista – e que também deste ponto de vista, o parlamentarismo deve ser substituído por esta outra forma de luta, sem os seus inconvenientes e com maiores vantagens. Porque admito que sua tática possa ter certas vantagens. Um governo dos trabalhadores pode trazer algo de bom, deixar as coisas mais claras. Mesmo em períodos de clandestinidade reconhecemos que sua tática pode ser vantajosa. Mas, da mesma forma como dissemos outrora aos revisionistas e reformistas: “colocamos acima de tudo o desenvolvimento da consciência proletária”, hoje dizemos a você, Lênin e a seus camaradas “direitistas”: colocamos acima de tudo o desenvolvimento da vontade de ação das massas. Do mesmo modo que antigamente tudo estava a serviço daquilo, hoje, na Europa Ocidental, tudo tem de estar a serviço disto. E veremos quem tem razão, “os esquerdistas”… ou Lênin! Não tenho dúvidas do resultado. Venceremos contra você e contra os Troelstra, Henderson, Ranudel e Legien.

Agora seu terceiro argumento: os exemplos russos. Seu texto está cheio deles e os li com muita atenção quando se referia a eles. Os admirava no passado e ainda hoje. Sempre estive ao seu lado desde 1903. Mesmo quando desconhecia suas intenções, em função do corte das comunicações naquele momento, eu te defendia com os seus próprios argumentos, como por ocasião da paz de Brest-Litovsk[36]. Sua tática certamente foi excelente no que se refere à Rússia e foi por intermédio dela que ali se conquistou a vitória. Mas de que vale na Europa Ocidental? Pouco ou nada a meu ver. Estamos de acordo sobre os soviets e a ditadura do proletariado como instrumentos para a revolução e a construção da nova sociedade. Da mesma forma sua política para as relações exteriores tem sido exemplar aos nossos olhos, pelo menos até agora. Mas tudo isto muda quando se trata da sua tática para a Europa Ocidental. E isto é muito natural.

Qual milagre faria que a tática a ser seguida na Europa Ocidental e na Europa Oriental fosse a mesma? A Rússia, país predominante agrícola com um capitalismo industrial moderno de desenvolvimento ainda restrito, de pouco peso em relação ao conjunto da economia nacional e em grande parte de origem estrangeira. Na Europa Ocidental, sobretudo Alemanha e Inglaterra, é exatamente o oposto. No seu país, todas as formas superadas de capital sobrevivendo com base no capital usurário. Entre nós: predomínio quase exclusivo do capital financeiro altamente desenvolvido. Entre vocês: resquícios importantes dos tempos feudais e pré-feudais, inclusive resquícios de épocas tribais e bárbaras. Entre nós, sobretudo Inglaterra e Alemanha: total domínio da forma mais avançada de capitalismo sobre a agricultura, comércio, transportes, indústria. Entre vocês: restos consideráveis de servidão, camponeses pobres, camadas médias rurais decadentes. Entre nós: conexões dos camponeses pobres com a produção, transportes e técnica modernas; camadas médias da cidade e do campo intimamente ligadas ao grande capital. E ainda há entre vocês classes com as quais o proletariado em ascensão pode se aliar. A existência dessas classes, por si só, é um fator favorável. E, obviamente, o mesmo em relação aos partidos políticos. Entre nós, nada disso existe.

Eis a razão pela qual entre vocês foi bom fazer acordos, pactos em todas as direções, como você explicou de modo tão empolgante, e até mesmo se valer das contradições entre liberais e proprietários de terras. Entre nós todas essas manobras são impossíveis. Daí a necessidade de uma tática para o Leste e outra para o Oeste da Europa. Nossa tática adapta-se à nossa situação e é tão boa aqui para nós quanto a sua é boa para a Rússia.

Encontro exemplos russos citados por você sobretudo nas páginas 16, 19, 35-36 e 64- 65. Mas, no caso dos sindicatos na Rússia (p. 45), qualquer que seja o significado deles em seu contexto, são inúteis para a Europa Ocidental onde o proletariado precisa de armas muito mais poderosas. No caso do parlamentarismo, seus exemplos ou se referem a um período não revolucionário (p. 21, 35-36, 64-65) e não se aplicam à situação discutida aqui, ou então são tão diferentes da nossa situação – dado que vocês podiam contar com os partidos de camponeses pobres e de pequenos burgueses -, que são inaplicáveis aqui[37] (pág. 16, 49, 50-51, 66-67). Penso que se o seu texto é falso do começo ao fim – e igualmente falsa a tática definida, de acordo com você, pelo Executivo de Moscou – é porque você não conhece bem o suficiente as condições da Europa Ocidental, ou melhor, por que você não tira as conclusões certas do que você sabe delas, e porque você se inclina fortemente a julgar tudo a partir do ponto de vista russo. Mas isso significa – e é necessário repetir aqui com a máxima clareza, porque disso depende o futuro do proletariado da Europa Ocidental e mundial e da revolução em todo o mundo – que se você persistir nesta tática, nem você nem o Executivo serão capazes de liderar a revolução na Europa Ocidental e, consequentemente, a revolução mundial.

Você pergunta: vocês, que querem transformar o mundo, não são nem capazes de formar uma bancada no parlamento? Respondemos: este seu livro demonstra claramente que tentar levá-lo à prática trará por consequência imediata conduzir o movimento operário a um beco sem saída, à sua derrocada. Seu livro faz resplandecer perante os olhos dos operários da Europa Ocidental uma coisa impossível: fazer acordos com os capitalistas em tempos de revolução. Afirmar, como você faz, que os capitalistas da Europa Ocidental estão divididos em tais momentos, é malabarismo verbal. Seu livro quer fazer acreditar que um acordo com os social-patriotas e os elementos vacilantes (?) no parlamento pode conter algo de bom, quando na verdade apenas pode resultar em desastre.

Seu livro leva o proletariado europeu ocidental de volta ao pântano do qual ele vinha saindo com a maior dificuldade depois de tremendos esforços que durante muito tempo não produziram grandes resultados. Nos leva de volta ao pântano que nos meteram os Scheidemann, Renaudel, Kautsky, Macdonald, Longuet, Vandervelde, Branting, Troelstra e outros. (Para a maior alegria destes e dos capitalistas, se entendem seu significado). Para o proletariado comunista revolucionário este livro significa o que significou o livro de Bernstein para o proletariado pré-revolucionário. Foi o primeiro de seus livros que não é bom, mas, para a Europa Ocidental, não podia haver coisa pior.

Quanto a nós, camaradas da “esquerda”, resta formarmos um bloco compacto, retomar tudo pela base, e exercer a crítica mais rigorosa contra todos aqueles que, dentro da III Internacional, se afastam do bom caminho[38]. Para concluir essa discussão, eu diria que seus três argumentos a favor do parlamentarismo ou tem pouco significado ou são completamente falsos. Neste ponto, tanto quanto no da questão sindical, sua tática é nefasta para o proletariado.

IV – O oportunismo no interior da III Internacional

O tema do oportunismo é tão importante que preciso discorrer longamente sobre ele aqui.

Camarada, a fundação da III Internacional de forma alguma fez o oportunismo desaparecer do interior de nossas fileiras. Podemos constatar isso agora em todos os partidos comunistas e em todos os países. Ademais, teria sido um milagre e contrário a todas as leis do desenvolvimento que o mal que matou a II Internacional não sobrevivesse na III! Longe disso, do mesmo modo que a existência da II Internacional esteve marcada pelo duelo entre anarquismo e socialdemocracia, a existência da III estará marcada pelo duelo entre oportunismo e marxismo revolucionário.

Assim, hoje, os comunistas entram no parlamento para se converterem em dirigentes. Se apoiam nos sindicatos e partidos “operários” visando obter vantagens eleitorais. O comunismo se encontra a serviço dos partidos ao invés de estarem os partidos a serviço do comunismo. Como a revolução na Europa Ocidental será forçosamente lenta, retornarão os podres acordos parlamentares com social-patriotas e capitalistas, a liberdade de expressão será novamente reprimida, os bons militantes serão expulsos. Em poucas palavras: será o regresso às práticas da II Internacional.

A Esquerda tem o dever de se opor e lutar contra tudo isso do mesmo modo como fez no interior da II Internacional. Nesta tarefa deve ser apoiada por todos os marxistas e revolucionários, mesmo se estes consideram que aquela se equivoca em um ou outro ponto. Pois o oportunismo é o nosso inimigo mais perigoso não somente fora, como você disse (p. 17), mas também dentro nossas próprias fileiras. O ressurgir do oportunismo entre nós, pela tangente, com seus efeitos desastrosos sobre a subjetividade e a energia do proletariado, é um perigo mil vezes mais grave que presenciar a Esquerda se lançar em tarefas excessivamente radicais. Mesmo quando ela vai muito longe não deixa de ser revolucionária por isso. E muda de tática quando percebe que não funciona. Mas a direita está destinada a se tornar cada vez mais oportunista, a se atolar cada vez mais no lodaçal e desmoralizar cada vez mais aos operários. Não foi à toa que vinte e cinco anos de luta nos infundiram tal entendimento pela experiência. O oportunismo é a peste do movimento operário, a morte da revolução. A fonte de todos os males: reformismo, guerra, derrota, fim da revolução na Hungria e na Alemanha. O oportunismo causou nossa perdição. E ei-lo aqui a todo vapor, no interior da III Internacional!

Para que longos discursos? Olhe à sua volta camarada! Acima de tudo olhe para você mesmo, desgraçadamente! Olhe para o Executivo! Olhe para todos os países da Europa!

Leia o jornal do British Socialist Party, hoje convertido em órgão do Partido Comunista Inglês. Leia dez, vinte números dele e compare as tímidas críticas feitas aos sindicatos, ao Partido Trabalhista e aos deputados trabalhistas com o órgão da Esquerda. Compare a imprensa de uma organização integrante do Partido Trabalhista com a imprensa de uma organização que combate a esse mesmo Partido Trabalhista e constatará que o oportunismo invade em massa a III Internacional. Sempre visando a ter peso no parlamento (graças ao apoio dos trabalhadores contrarrevolucionários)… ao estilo da II Internacional! Pense também que os independentes serão prontamente acolhidos no interior da III Internacional, bem como outros partidos centristas igualmente fortes numericamente! Acreditas que se você forçar a tais partidos que expulsem os Kautsky, Thomas e quejandos eles não serão substituídos por uma massa enorme de milhares de outros oportunistas? Todas essas medidas de expulsão seriam insuficientes pois os oportunistas afluem em desabalada carreira para solicitar sua filiação[39]. Sobretudo depois da publicação de seu texto.

Veja os oportunistas desse partido comunista holandês que outrora era justamente chamado de partido dos bolcheviques da Europa Ocidental, considerando as diferenças de situação. Leia o texto[40] que comprova até que ponto este partido está corrompido pelo oportunismo ao estilo II Internacional. Após se posicionar a favor da Entente durante e depois da guerra continua fazendo-o agora. Tal partido, de tão brilhantes qualidades até bem pouco tempo, se converteu em um mestre do equívoco e da ambiguidade. Mas olhe para a Alemanha camarada, país onde estourou a revolução! É onde o oportunismo encontra seu terreno preferido! Qual não foi a estupefação de que fomos tomados quando soubemos que você estava de acordo com a posição do KPD durante as jornadas de março! Mas felizmente seu texto nos permite compreender que você não estava a par do curso dos acontecimentos. Com certeza você aprovou a atitude do Comitê Central do KPD de oferecer sua oposição leal aos Ebert, Scheidemann, Hilferding, Crispien; evidentemente você ainda ignorava que, no exato momento em que redigias seu texto, Ebert reunia tropas contra o proletariado, que nesse momento prosseguia a greve geral em numerosas regiões do país e que a imensa maioria das massas comunistas buscavam conduzir a revolução, se não à vitória (talvez ainda impossível de imediato), pelo menos a um patamar mais elevado. Mas enquanto as massas prosseguiam a revolução com greves e com levantamento armado (nunca nada havia sido tão formidável e carregado de esperança que a insurreição do Rhur e a greve geral), os dirigentes propunham acordos parlamentares[41]. Isto significava apoiar Ebert contra a revolução do Ruhr. E se existe um exemplo que demonstra até que ponto a utilização do parlamentarismo em tempos de revolução pode ser execrável, na Europa Ocidental, é sem dúvida esse. Compreenda camarada: oportunismo parlamentar, compromisso com social-patriotas e independentes, eis coisas que nós não queremos nem ouvir falar, e que você abre as portas!

Camarada, neste momento qual é o destino dos comitês de empresa? Você mesmo, o Executivo e a Internacional exortaram aos comunistas para que participassem neles, ao lado todas as outras tendências, para conseguir a direção dos sindicatos. E o que aconteceu? Exatamente o contrário. O Conselho central dos comitês de empresa se converteu mais ou menos em instrumento dos sindicatos. O sindicato é um polvo que afoga todo ser vivo que fique ao seu alcance. Leia e se informe camarada sobre tudo que ocorre na Alemanha e na Europa Ocidental que tenho esperanças de que você passará para o nosso lado. Igualmente fico feliz em acreditar que a experiência fará com que a III Internacional adote a nossa tática. Se isso acontece com o oportunismo na Alemanha, o que acontecerá na França e Inglaterra? Compreenda camarada que esse é o tipo de dirigente que não queremos. É a forma de unidade entre massas e dirigentes que não queremos. É o tipo de disciplina de ferro, de obediência cega, de militarização que não queremos.

Permita-me aqui dizer uma palavra ao Comitê Executivo e a Radek em particular. O Comitê Executivo teve a desfaçatez de pressionar o KAPD para que expulse Wolffheim e Laufenberg, ao invés de deixar que o próprio KAPD decida a questão. Depois de admitir o KAPD enchendo-o de ameaças, multiplicou as ofertas a partidos centristas do tipo USPD. Mas nunca pressionou o partido italiano para expulsar os seus socialpatriotas. Nem ao KPD para que expulse o seu Comitê Central que, por sua oferta de oposição leal, foi cúmplice do metralhamento de comunistas no Ruhr. Nem ao Partido Holandês para que expulse Wijnkoop e van Ravensteyn que, durante a guerra, ofereceram barcos para a entente. Isto não significa que pessoalmente eu seja pela expulsão desses camaradas. Não, considero-os bons camaradas cujos graves erros que cometeram foram causados pelas dificuldades terríveis inerentes ao desenvolvimento da revolução na Europa Ocidental. Nós também, como todo mundo, ainda cometemos grandes faltas. Além disso, no ponto em que a Internacional se encontra, tais expulsões não adiantariam nada.

Digo isto apenas para fornecer um novo exemplo dos estragos que o oportunismo provocou em nossas fileiras. Se o Executivo de Moscou se mostrou tão injusto com o KAPD se deve ao fato de que sua tática mundial o leva a acolher bem os independentes e demais oportunistas e não aos revolucionários autênticos. Enquanto sabia perfeitamente o que esperar, fingiu ignorar que o KAPD rejeitava categoricamente a tática de Wolffheim e Laufenberg unicamente por miseráveis razões oportunistas. Pois, agindo do mesmo modo que os sindicatos e partidos políticos, tal tática aponta para atrair as massas a qualquer preço, sejam elas comunistas ou não. Outros dois fatos demonstram claramente para onde vai a Internacional. Primeiro foi a liquidação do Birô de Amsterdam, o único grupo de marxistas e teóricos revolucionários da Europa Ocidental que nunca vacilou. Segundo, e ainda pior se é possível, foi o tratamento reservado ao KAPD, o único partido da Europa Ocidental que, enquanto organização e totalidade coerente, levou a revolução onde deve ser levada desde o dia de sua fundação até o presente. Enquanto se adulava de todas as formas os partidos centristas da Alemanha, França e Inglaterra – que sempre traíram a revolução – o KAPD, partido verdadeiramente revolucionário, era tratado como inimigo. Inquietantes sintomas, camarada.

Resumindo: a II Internacional ainda vive – ou revive – entre nós e o oportunismo arrasta o movimento operário para a perdição. E por ser o oportunismo um fator de desastre e tão forte entre nós, mais do que eu jamais houvesse imaginado, que a Esquerda nos é necessária. Ainda que não fosse por outros motivos, a Esquerda nos faria falta para se opor, para servir como contrapeso ao oportunismo. Ah camarada! Se você tivesse seguido na Internacional a tática dos “esquerdistas”, que nada mais é do que a tática “pura” dos bolcheviques na Rússia adaptada às condições da Europa Ocidental (e da América do Norte)!

Se a III Internacional tivesse como objetivo, inscrito em seus estatutos, apenas criar e ampliar a organização econômica – sob a forma de organizações de fábrica e uniões operárias (às quais poderiam se somar, se fosse o caso, associações industriais baseadas nas fábricas) – e a organização política em partidos que rejeitassem o parlamentarismo! Desse modo você disporia em todos os países de núcleos, de partidos compactos, absolutamente compactos, realmente capazes de realizar a revolução. Capazes de incorporar as massas progressivamente, não por pressões exteriores, apenas com seu exemplo. E disporia também de organizações econômicas que fariam os sindicatos contrarrevolucionários voarem pelos ares (tanto os oficiais quanto os anarcossindicalistas).

Assim você teria barrado o caminho a todo tipo de oportunistas de um só golpe. Pois os oportunistas apenas têm algo a dizer nos lugares onde existem possiblidades de, nas sombras, entrar em acordo com a contrarrevolução. Além disso, e isto é o mais importante, você teria colocado as amplas massas do proletariado, enquanto é possível fazê-lo como no momento atual, em condições de atuar como militantes autônomos.

Se você Lênin, e vocês Zinoviev, Bukharin e Radek tivessem feito isso, adotado essa tática, com sua autoridade, experiência, energia e inteligência e nos ajudado a corrigir os erros que ainda cometemos e que são inerentes à nossa tática, disporíamos de uma III Internacional perfeitamente compacta por dentro, inabalável frente ao exterior, que, com seu exemplo, incorporaria progressivamente o conjunto do proletariado mundial e lançaria os fundamentos do comunismo. Evidentemente nenhuma tática é infalível. Mas esta pelo menos permitiria enfrentar as derrotas e superá-las mais facilmente, escolher o caminho mais curto e conseguir a vitória mais rápida e mais segura. Mas você não quis isso. Desde o primeiro dia preferiu massas total ou parcialmente sem consciência a militantes conscientes e determinados. Sua tática leva o proletariado a uma longa série de derrotas.

Conclusão

Restam algumas coisas a dizer sobre o seu último capítulo “Algumas conclusões”, talvez o capítulo mais importante do seu texto. Eu o reli com paixão, excitado pela ideia da Revolução Russa, mas repetindo a mim mesmo sem parar: “esta tática, tão adequada para a Rússia, não vale nada aqui entre nós. Aqui leva ao desastre.” Naquela parte você nos explica camarada (p. 90 a 102), que em certo estágio do desenvolvimento é necessário atrair as massas aos milhões e dezenas de milhões. Que a propaganda pelo comunismo “puro” – que agrupou e educou a vanguarda – já não é suficiente a partir daquele ponto para a tarefa. Daí em diante trata-se, de acordo com seus métodos oportunistas que combati anteriormente, de tirar proveito das “divisões”, dos elementos pequeno burgueses, etc.

Camarada, este capítulo também é completamente falso. Você avalia como russo e não como comunista internacional que conhece o capitalismo real, europeu ocidental. Por mais que este capítulo consiga explicar de modo admirável a sua revolução, torna-se inexato a partir do momento em que se trata do capitalismo da grande indústria, dos trusts e dos monopólios. Demonstrarei agora, começando pelas pequenas coisas. Você assegura (p. 90) que a vanguarda consciente do proletariado está ganha. Isto é falso camarada! Que os tempos da propaganda foram ultrapassados. Incorreto! Que a vanguarda proletária está conquistada ideologicamente (p. 89). Errado! Tais afirmações vão na mesma linha do que Bukharin escreveu (e deriva do mesmo estado de ânimo): “O capitalismo inglês está falido!”. Também em Radek encontrei palavras igualmente delirantes, que contém mais de astrologia do que de astronomia. Tudo isso está incorreto. Com exceção da Alemanha não existe em nenhuma parte uma vanguarda revolucionária. Nem na Inglaterra, na França, na Bélgica, na Holanda e nem – se estou bem informado – nos países escandinavos. Nestes lugares encontramos apenas pioneiros, que sequer estão de acordo sobre o caminho a seguir[42]. Defender que “os tempos da propaganda passaram” é se enganar espantosamente. Não camarada, na Europa Ocidental esses tempos estão apenas começando e em parte alguma existem núcleos compactos.

Dito isto, precisamos justamente de núcleos duros como o aço e puros como o cristal. Se se pretende construir uma grande organização é por aí que se deve começar. Neste nível não estamos no mesmo estágio que vocês em 1903, e nem até um pouco antes, nos tempos da “Iskra”. Camarada, as circunstâncias e condições, aqui, estão muito mais maduras que nós mesmos. Motivo mais que suficiente para não se deixar levar e começar pelos núcleos!

Na Europa Ocidental os PC’s da Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Escandinávia, Itália, etc., continuarão pequenos, não por desejo nosso, mas porque é a única maneira de um dia sermos fortes. Tomemos como exemplo a Bélgica. Não há no mundo proletariado tão corrompido pelo reformismo como o proletariado belga (com exceção da Hungria antes da revolução). Se ali o comunismo se transformasse em movimento de massas (com parlamentarismo e tudo mais) assistiríamos se lançar sobre ele, e levá-lo à ruína, todo tipo de abutres, arrivistas e oportunismos. Em todas as outras partes acontece o mesmo.

Considerando que o movimento operário entre nós é muito débil e ainda por cima majoritariamente atolado no oportunismo e que o comunismo aqui ainda é praticamente inexistente, devemos instituir pequenos núcleos e lutar com a máxima clareza e o máximo de esclarecimento teórico sobre questões como parlamentarismo, sindicatos e todas as demais Uma seita! Diz o Comitê Executivo. Seita? Exatamente, se por seita se entende o núcleo de um movimento que almeja conquistar o mundo!

Camarada, até há bem pouco tempo o movimento dos bolcheviques era absolutamente minoritário. E porque era e pretendia continuar sendo durante um longo período, permanecia puro. Este foi o único motivo pelo qual se converteu em uma força. É o que queremos fazer. Trata-se de uma questão de suma importância e dela depende o destino da revolução na Europa Ocidental e da Revolução Russa. Seja prudente camarada! você sabe que Napoleão, ao tentar expandir o reinado do capitalismo moderno para toda a Europa, sucumbiu e deu lugar à reação. Justo ele que apareceu em uma época em que não somente havia Idade Média em excesso como, sobretudo, insuficiente capitalismo. Quanto a estes pontos secundários suas afirmações são inexatas. Passo agora ao mais importante do que afirmas: que chegou a hora de atrair as massas aos milhões graças à política que descreves, sem fazer propaganda pelo comunismo “puro”. Camarada, mesmo que você estivesse correto sobre as pequenas coisas, mesmo que os PC’s de nossos países estivessem à altura de sua tarefa, ainda assim você estaria equivocado sobre este ponto capital do início ao fim.

Você afirma (p. 91-92) que a revolução está madura quando se consegue convencer a vanguarda e quando: 1) todas as forças de classe que nos são hostis estão suficientemente debilitadas por uma luta que as supera; 2) todos os elementos intermediários, inseguros e vacilantes – ou seja a pequena burguesia e a democracia pequeno burguesa por oposição à democracia burguesa – estão suficientemente desmascarados perante o povo e suficientemente esgotados por sua falência prática.

Alto lá camarada! Você está falando da Rússia! De fato, ali se deram as condições da revolução no dia em que a classe política se viu na mais profunda desordem e quando perdeu sua energia completamente. Mas nos Estados modernos, onde o capital domina verdadeiramente, as condições serão muito diferentes. Os partidos da grande burguesia, longe de caírem no caos, se unirão contra o comunismo e trarão a democracia pequeno burguesa a reboque. E mesmo que não ocorra assim em termos absolutos, será em geral desse modo e isso basta para determinar a nossa tática.

Na Europa Ocidental devemos esperar uma revolução que resultará de um combate dos mais encarniçados de ambos os lados, uma luta organizada e coesa por parte da burguesia (grande e pequena). Prova disso são as formidáveis organizações tanto dos capitalistas quanto dos proletários. Nós também devemos criar formas superiores de organização, com armas mais eficazes e os melhores e mais poderosos meios de luta (e não os mais irrisórios). Não é na Rússia, e sim aqui onde ocorrerá a batalha decisiva entre Trabalho e Capital, pois é aqui que se encontra o capital real.

Camarada, se você acredita que exagero por excesso de clareza teórica, olhe para a Alemanha. Lá o Estado está em uma situação de afundamento total, quase sem saída. Ao mesmo tempo todas as classes – grande e pequena burguesias, grande e pequeno campesinato – formam um bloco contra o proletariado. O mesmo ocorrerá em todos os outros países.

Sem dúvida que, ao final do processo de desenvolvimento da revolução, quando a crise alcançar proporções aterradoras e estivermos bem próximos da vitória, pode ser que se desfaça essa unidade das classes capitalistas e parcelas da pequena burguesia e do pequeno campesinato passem para o nosso lado. Mas de que adianta isso agora? Devemos estabelecer nossa tática globalmente, tanto para o início quanto para o curso da revolução. E porque as coisas são assim e continuarão sendo, considerando as relações de classe e sobretudo as relações de produção, que o proletariado está sozinho. E por estar sozinho somente pode triunfar se desenvolver sem cessar suas forças intelectuais.

Dado que o proletariado somente pode vencer sozinho, a propaganda pelo comunismo “puro” torna-se indispensável entre nós até a vitória final (diferentemente da Rússia). Sem esta propaganda o proletariado da Europa Ocidental, e também o russo e o mundial, caminha para sua perdição. Por isso aquele que sonhe, como você, em fazer acordos e alianças com setores burgueses e pequeno burgueses, isto é, opte pelo oportunismo, se agarra a ilusões e não à realidade, desvia o proletariado e o trai (utilizo o mesmo termo que você usou contra o Birô de Amsterdam). E o mesmo pode ser dito do Executivo de Moscou.

Redigia eu estas páginas quando me chegou a notícia de que a Internacional adotou a tática sua e do Executivo[43]. Os delegados da Europa Ocidental se deixaram cegar pela Revolução Russa. Que assim seja! Mediremos forças no interior da Internacional. Os delegados da Europa Ocidental se deixaram cegar pela Revolução Russa. Que assim seja! Mediremos forças no interior da Internacional.

Camarada, nós, seus velhos amigos Pannekoek, Roland-Holst, Rutgers e Eu – e você não pode ter amigos mais sinceros – nos perguntamos, ao saber da notícia, quais motivos te levaram a adotar esta tática. As opiniões estavam bastante divididas. Um dizia: Rússia está em um momento crítico e decisivo tão ruim do ponto de vista econômico, que necessita da paz acima de tudo. Eis a razão do esforço do camarada Lênin em chamar todas as forças (Independentes, Partido Trabalhista, etc.) capazes de ajudá-lo a conseguir a paz[44]. Outro dizia: ele tenta acelerar o curso geral da revolução europeia e, para tanto, necessita da cooperação de milhões de pessoas. Daí seu oportunismo. De minha parte, como já havia dito, penso que você compreende mal as condições europeias. De qualquer forma camarada, sejam quais forem os motivos que te moveram, você corre para a mais assombrosa das derrotas e levará o proletariado consigo se persistir nessa tática.

Ao querer salvar a Rússia, a Revolução Russa, com essa tática você mistura comunistas com não comunistas. Você os mistura conosco, verdadeiros comunistas, quando ainda sequer dispomos de um núcleo a toda prova! É com esta confusão de sindicatos mumificados, com uma massa de pessoas que são comunistas pela metade ou um quarto ou um oitavo ou absolutamente nada, sem um núcleo robusto, que você pretende combater o capital mais organizado do mundo e que unificou com ele a todas as classes não proletárias!! Não será surpresa se esta confusão explodir pelos ares e essa grande massa preferir o salve-se quem puder quando o momento se aproximar.

Camarada, uma derrota esmagadora do proletariado, na Alemanha por exemplo, será a senha para uma ofensiva geral contra a Rússia. E não acontecerá outra coisa enquanto você pretender fazer a revolução na Europa Ocidental com essa miscelânea de Partido Trabalhista, Independentes, partido italiano, centristas franceses, etc. e com esses sindicatos, acrescente-se. Uma mixórdia desse tipo não dará nem medo aos governos estabelecidos.

Agora, se pelo contrário, você institui grupos radicais com forte coesão interna, partidos compactos (mesmo pequenos), tudo se transformará. Pois apenas tais grupos são capazes de, em tempos de revolução, impelir as massas a realizarem ações importantes e heroicas, como demonstrou a Liga Spartacus no seu início. Apenas tais grupos podem ser temidos pelos governos e forçá-los a se curvar diante da Rússia. Ao final, quando esta linha “pura” tenha possibilitado a nossos partidos adquirirem a força necessária, chegará o momento da vitória. Esta nossa tática “esquerdista” é, tanto para a Rússia quanto para nós, não somente a melhor, mas a única via de salvação. Em sentido inverso, a sua tática é russa. Seria admiravelmente conveniente em um país onde um exército de milhões de camponeses pobres se mostra disposto a segui-los e onde camadas médias desmoralizadas vacilam. Entre nós não vale nada.

Finalmente, preciso refutar uma afirmação que é cara a você e a muitos de seus camaradas de armas, e da qual já falei anteriormente no capítulo três, a saber, que a revolução na Europa Ocidental não começará antes que as camadas sociais mais baixas, democráticas, tenham sido abaladas, neutralizadas ou ganhas. Esta tese, referente a um tema de tremenda importância para a revolução, prova mais uma vez que você enxerga tudo exclusivamente a partir de uma perspectiva do Leste Europeu. E esta visão é falsa pois, na Alemanha e na Inglaterra, o proletariado é tão forte numericamente e tão poderoso graças à sua organização que pode fazer a revolução do início ao fim sem essas classes e até mesmo contra elas. Na verdade, deve fazer, mesmo quando sofre como na Alemanha. E somente conseguirá sob a condição de seguir a tática correta, organizar-se baseado nas organizações de fábrica e rejeitar o parlamentarismo. Sob a condição de, deste modo, desenvolver o poder proletário!

Nós da Esquerda optamos por essa tática não apenas por todas as razões acima expostas, mas também, e, sobretudo, porque o proletariado da Europa Ocidental, especialmente alemão e inglês, quando tomar consciência e se unificar, será tão forte e terá um poder tal que, contando apenas consigo mesmo, terá a possibilidade de vencer por esse simples meio. O proletariado russo, como era extremamente débil sozinho, teve de tomar rotas tortuosas e, ao fazê-lo, superou em muito tudo que o proletariado em todo o mundo tinha sido capaz de fazer até agora. Mas somente o caminho reto, sem desvios, pode levar o proletariado da Europa Ocidental para a vitória.

Resta agora examinar uma tese que encontrei frequentemente em comunistas “direitistas”, que Losovski, o chefe dos sindicatos russos, me expôs e que também aparece em seus escritos: “A crise jogará as massas nos braços do comunismo, mesmo que os sindicatos se mantenham ruins e o parlamentarismo”. Este é um argumento muito pobre. Pois não temos a menor ideia da extensão que terá a crise que se engendra. Terá na Inglaterra e na França a profundidade que tem hoje na Alemanha? Além do mais, os últimos seis anos revelaram toda a fragilidade desta tese (a tese “mecanicista” da II Internacional). Ao longo dos últimos anos da guerra, a Alemanha passou por uma terrível miséria. Não houve revolução. A miséria foi ainda mais terrível em 1918/19. A revolução não triunfou. Na Hungria, Áustria, Polónia, nos países dos Balcãs, a crise foi e continua espantosa. Nada de revolução ou de vitória da revolução, apesar da presença muito próxima dos exércitos russos. Finalmente, o meu terceiro ponto, o argumento se volta contra você, pois se a crise fatalmente trará a revolução, porque não adotar logo a melhor tática, a tática “esquerdista”?

Mas os exemplos da Alemanha, Hungria, Baviera, Áustria, Polónia e países balcânicos nos ensinam que apenas crise e miséria não bastam. A mais terrível das crises econômicas atinge seu auge, e não há revolução. Portanto, necessariamente, há outro fator na origem de uma revolução, fator cuja ausência faz com que ela não se realize ou fracasse. Esse fator é a subjetividade, a mentalidade das massas. Sua tática, camarada, é a que, na Europa Ocidental, não insufla o suficiente essa subjetividade das massas, não o assenta suficientemente, deixa intacta como está, sem mudar nada. Ao longo deste trabalho ressaltei que o capital financeiro, trusts, monopólios, e o Estado na Europa Ocidental (e América do Norte), formado e submetido a eles se juntam em um bloco unido contra a revolução a todas as camadas burguesas, grandes e pequenas. Mas essa força não se limita a unificar a sociedade e o Estado contra a revolução. Ao longo do período passado, período de desenvolvimento pacífico, o capital bancário educou, unificou e organizou no mesmo sentido contrarrevolucionário o próprio proletariado. Com que meios? Por meio dos sindicatos (oficiais e anarcossindicalistas) e partidos socialdemocratas. Ao conduzi-los a lutar apenas por melhoras imediatas, o capital transformou sindicatos e partidos operários em pilares da sociedade e do Estado, em potências contrarrevolucionárias. Fez deles agentes de sua própria conservação. Mas, como agrupam os operários, quase a maioria da classe proletária, e a revolução é inconcebível sem a participação destes trabalhadores, é necessário, para que triunfe, encarregar-se primeiro destas organizações. Como consegui-lo? Transformando sua mentalidade, isto é, atuando de modo que seus militantes de base tenham a subjetividade mais independente possível. A única maneira de alcançar tal resultado é substituir as organizações sindicais por organizações e uniões operárias, e acabar com o parlamentarismo dos partidos operários. Eis exatamente o que sua tática impede.

A falência do capitalismo alemão, francês, italiano é um fato indiscutível. A rigor trata-se da falência destes Estados capitalistas. Contudo, os próprios capitalistas e suas organizações econômicas e políticas resistem. Inclusive seus lucros, dividendos e novos investimentos são enormes devido unicamente à emissão de papel moeda pelo Estado. Que se afundem os Estados alemão, francês, italiano, que os capitalistas se afundarão por sua vez. A crise avança implacavelmente. Se os preços sobem, aumentarão as ondas de greves; se os preços baixam, aumentará o exército de desempregados. Se a miséria aumenta na Europa, a fome está a caminho. Além disso, se multiplicam pelo mundo novos fatores de explosão. Se aproxima a nova conflagração, a nova revolução. Mas qual será seu resultado? O capitalismo conserva sua força. Alemanha, Itália, França, Leste Europeu não são o mundo inteiro. Na Europa Ocidental, América do Norte, nos domínios ingleses o capitalismo manterá por muito tempo a coesão de todas as classes contra o proletariado. Portanto, o resultado depende em grande medida de nossa tática e nossa organização. E sua tática é falsa.

Apenas uma tática é válida na Europa Ocidental: a tática dos “esquerdistas” que diz a verdade ao proletariado e não o engana com a ajuda de malabarismos verbais. A tática que, mesmo que necessite de tempo, saberá forjar as armas mais poderosas, não, as únicas eficazes: organizações de fábrica (unificadas como totalidade) e os núcleos, inicialmente pequenos, mas puros e compactos, os partidos comunistas. Trata-se da tática que depois saberá ampliar estas organizações para o conjunto do proletariado. Colocarei um ponto final nesta exposição condensando-a com o auxílio de algumas fórmulas contundentes, para que dela os operários tenham por si mesmos uma visão global.

Em primeiro lugar, acredito que dela resulta um quadro claro tanto das causas da nossa tática quanto da própria tática em si: o capital financeiro domina a Europa Ocidental. Ao manter um proletariado gigantesco na mais profunda escravidão material e ideológica, o capital financeiro unifica atrás de si todos os extratos burgueses e pequeno burgueses. Por isso torna-se necessário para estas enormes massas atingir à atividade autônoma. O que, em tempos de revolução, é impossível sem organizações de fábrica e a abolição do parlamentarismo.

Em segundo lugar, ressaltarei em poucas frases o mais claramente possível a diferença entre a sua tática e da III Internacional por um lado e a tática “esquerdista” por outro, afim de que na hipótese altamente provável de que sua tática resulte nas piores derrotas, os operários não se desmoralizem e percebam que existe outra:

Para a Internacional, a revolução na Europa Ocidental se desenvolverá de acordo com as leis e a tática da Revolução Russa.

Para a Esquerda, a revolução na Europa Ocidental tem suas próprias leis e se aterá a elas.

Para a Internacional, cabe à revolução na Europa Ocidental fazer acordos e alianças com partidos de pequenos camponeses e pequenos burgueses, e até mesmo com partidos da grande burguesia.

Para a Esquerda é impossível.

Segundo a Internacional, durante a revolução na Europa Ocidental existirão “rachas” e divisões entre os partidos burgueses, pequeno burgueses e de camponeses pobres.

Segundo a Esquerda, até o final da revolução os partidos da pequena e da grande burguesia formarão uma frente unida.

A III Internacional subestima a força do capital europeu ocidental e norte-americano.

A Esquerda concebe sua tática em função deste imenso poder.

A III Internacional não enxerga no capital financeiro, no grande capital, um poder capaz de unificar todas as classes burguesas.

A Esquerda elabora sua tática em relação a esse poder.

A III Internacional, por não admitir que o proletariado europeu ocidental está reduzido às suas próprias forças, não procura desenvolver subjetivamente este proletariado que, no entanto, continua a viver sob a influência da ideologia burguesa em todos os campos e adota uma tática que possibilita a continuidade de sua submissão às ideias da burguesia.

A tática que a Esquerda adota coloca em primeiro plano a emancipação do mundo subjetivo do proletariado.

A III Internacional, por não enxergar a necessidade de emancipação da subjetividade e nem a unidade de todos os partidos burgueses e pequeno burgueses, fundamenta sua tática em acordos e “rachas”, e não apenas conserva os sindicatos como procura ganhá-los.

A Esquerda, por entender que a emancipação da subjetividade é prioridade e por estar convencida da unidade das formações burguesas, considera que é necessário acabar com os sindicatos e forjar armas melhores para o proletariado.

Pelas mesmas razões a III Internacional não ataca o parlamentarismo e a Esquerda quer a abolição dele. Enquanto a III Internacional mantém a escravidão ideológica do proletariado no mesmo patamar em que se encontrava na época da II Internacional, a Esquerda pretende eliminá-la da subjetividade proletária cortando o mal pela raiz.

A III Internacional, por não admitir como primeira necessidade a emancipação das consciências na Europa Ocidental e tampouco a unidade de todas as organizações burguesas em tempos de revolução, procura agrupar as massas enquanto massas sem questionar se são autenticamente comunistas nem orienta sua tática para que sejam.

A Esquerda pretende formar em todos os países partidos que reúnam apenas comunistas e concebe sua tática em função disso. E o modo pelo qual pretende transformar as massas, a maioria do proletariado, em comunistas é por meio do exemplo desses partidos que no início serão pequenos.

Enquanto a III Internacional considera as massas da Europa Ocidental um meio, a Esquerda as considera um fim.

Em função desta tática (perfeitamente justificada na Rússia) a III Internacional pratica uma política de dirigentes enquanto a Esquerda, em sentido inverso, pratica uma política de massas.

Por causa dessa tática, a III Internacional leva à ruína não apenas a revolução na Europa Ocidental como também, e sobretudo, a revolução na Rússia.

A Esquerda, pelo contrário, leva o proletariado mundial à vitória

Para permitir que os operários compreendam melhor nossa tática, resumirei também minha exposição sob a forma de teses, para serem lidas, bem entendido, à luz do conjunto.

1. A tática da revolução europeia ocidental deve ser totalmente diferente da tática da revolução russa.

2. Tal se deve a que, entre nós, o proletariado está só.

3. Por isso necessita fazer a revolução sozinho e contra todas as demais classes.

4. Assim, a importância das massas proletárias é proporcionalmente maior e a dos dirigentes proporcionalmente menor do que na Rússia.

5. Para fazer a revolução o proletariado deve dispor das melhores armas.

6. Por serem armas ineficazes, os sindicatos devem ser substituídos ou transformados por meio de organizações de fábrica que devem se unificar.

7. Devido ao fato de o proletariado estar constrangido a fazer a revolução sozinho e sem ajuda, precisa que seus corações mentes estejam evoluídos no mais alto nível. Por isso não se deve recorrer ao parlamentarismo em tempos de revolução.

Saudações fraternas

Herman GORTER

Publicado originalmente em: http://resistindo.org/caderno-1-conselhismo-x-bolchevismo/.
A tradução foi realizada por José Carlos Mendonça
Nota do tradutor: Esta tradução para o português se baseia na tradução do espanhol realizada por Emílio Madrid Expósito – a partir da versão francesa traduzida por André Prudhommeaux – editada em novembro de 2004 na obra La izquierda comunista germano-holandesa contra Lenin. [Barcelona]: Espartaco Internacional, 2004. Foi ainda cotejada com uma versão incompleta do texto (não estão incluídas a parte IV e a conclusão) publicada em língua portuguesa e traduzida por Daniel Aarão Reis Filho, incluída na obra organizada por Maurício Tragtenberg, Marxismo Heterodoxo, São Paulo: Brasiliense, 1981. Em função disso, as notas de rodapé estão assim identificadas: NA para notas do autor (Gorter), NEF para notas da edição francesa, NEE para notas da edição espanhola de 2004, NMT para notas de Maurício Tragtenberg e NT para notas desta tradução ao português.


[1] Herman Gorter (1864/1927): militante revolucionário, poeta de renome e teórico marxista na Holanda. Fez parte do grupo articulado em torno do jornal De Tribune e foi fundador do Partido Social-Democrático de Esquerda em 1909. Internacionalista e pacifista durante a guerra de 1914-18, ligou-se à esquerda que promoveu a Conferência de Zimmerwald, influenciando com seus textos os espartaquistas alemães reunidos em torno de Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Aderiu ao Partido Comunista Holandês e participou do Bureau de Amsterdan em 1920. Adversário da ação parlamentar e da participação dos comunistas nos sindicatos reformistas, polemizou duramente com os bolcheviques na célebre Carta Aberta a Lênin em que refutava as teses expostas por este no Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. Em 1921 deixou o PC holandês e fundou o Partido Comunista Operário. Seus escritos influenciaram a liderança do PC alemão. Após 1922 retirou-se da vida política. (NMT)

[2] O autor refere-se à ofensiva do Exército Vermelho que, mediante uma “guerra revolucionária”, pretendia auxiliar o proletariado polonês a livrar-se de sua burguesia. Porém, os poloneses, sob direção do general Pilsudsky, contiveram o Exército Vermelho às portas de Varsóvia obrigando-o a retroceder. (NMT)

[3] Você escreve, por exemplo, em O Estado e a Revolução (p. 67): “A maioria esmagadora dos camponeses, em todo país capitalista em que há campesinato (e estes países são maioria), estão oprimidos pelo governo e aspiram à sua derrubada, ao estabelecimento de um governo ‘barato’. O proletariado sozinho não pode conseguir este objetivo.” A dificuldade, porém, é que o campesinato não aspira ao comunismo. (nota do autor)

[4] O Partido Socialista Revolucionário russo era dirigido por Vitor Tchernov, constituído na sua maioria de camponeses. No processo de Outubro forma-se uma ala esquerda liderada por Maria Spiridonova que apoia Lênin. Porém, a guerra civil e a invasão estrangeira levariam ao fim da aliança e à ditadura do partido único. (NMT)

[5] As teses agrárias de Moscou o confirmam. (NA)

[6] Não possuo dados estatísticos para a Suécia e a Espanha. (NA)

[7] Você, camarada, certamente não tentará ganhar uma batalha atribuindo um sentido absoluto às afirmações de seus adversários, como fazem os espíritos mesquinhos. Minha observação acima apenas se destina a estes. (NA)

[8] Não me refiro aqui ao fato de que em função desta diferença de relação numérica (20 milhões em 70 milhões na Alemanha), a importância da massa e dos dirigentes e a relação entre massa, partido e dirigentes, mesmo durante e no final da revolução, serão diferentes em relação à Rússia. O desenvolvimento desta questão, extremamente importante em si mesma, me levaria muito longe agora. (NA)

[9] Kornilov, um general czarista, inconformado com o constitucionalismo de Kerensky e a ascensão dos sovietes (conselhos), pretendia, mediante um golpe de Estado, restabelecer a Monarquia. Sua tentativa foi derrotada. (NMT)

[10] Pelo menos até agora. (NA). Sylvia Pankhurst foi uma das primeiras líderes trabalhistas e feministas na Grã-Bretanha, de indiscutível prestígio popular na época. (NMT)

[11] Comissão de Amsterdã, formada por elementos que romperam com a II Internacional e procuraram aproximar-se da III Internacional, apoiando a noção da importância das bases em relação aos dirigentes e da ação direta das massas em relação aos líderes que “falavam” em seu nome. (NMT)

[12] Na discussão com você fiquei surpreso pela utilização que você sempre faz das opiniões particulares do adversário e não de suas posições oficiais. (NA)

[13] Reich aqui é entendido como o conjunto da nação alemã. (NMT)

[14] Naturalmente, é importante compreender que uma nova correlação entre individualismo e centralismo não já está dada como um fato acabado, mas é uma realidade em formação, um processo em desenvolvimento que só se completará através da luta. (NA)

[15] A sua observação sarcástica de que a própria União Operária não pode ser pura não nos atinge. Ela só seria correta no quadro da luta da União por melhorias no capitalismo, mas não no quadro da luta da União pela revolução. (NA)

[16] Os Shop-Committees, Shop-Stewards, e, particularmente no País de Gales, as Industrial Unions. (NA)

[17] Afirmar que este movimento na Alemanha foi criado “de cima para baixo” não passa de uma calúnia. (NA)

[18] Operários Industriais do Mundo (Industrial Workers of the World – IWW): organização proletária dos EUA, fundada em 1905. De orientação sindicalista revolucionária, nega a ação partidária e parlamentar. Para maiores informações consultar: http://www.iww.org. (NT)

[19] Como tantos outros, você nos apresenta, camarada, o argumento de que, se deixarem os sindicatos, os comunistas perderiam o contato com as massas. Mas o melhor dos contatos não é o contato cotidiano na fábrica? E, neste momento, as fabricas não se transformaram em locais de discussão? Se assim é, como é possível os “esquerdistas” perderem o contato com as massas? (NA)

[20] O seguinte exemplo fornece uma ideia da confusão que engendra tal oportunismo: em certos países, além dos sindicatos reformistas, existem organizações sindicalistas revolucionárias que, apesar de ruins, lutam melhor que as primeiras. As teses de Moscou exigem a fusão destas últimas com as grandes organizações reformistas. Obrigam, assim, por exemplo, na Holanda, os comunistas a serem “fura-greves”. E mais: a AAU é condenada porque defende a cisão. Mas o que faz a III Internacional? Constrói uma nova Internacional sindical! (NA).*
* = Gorter se refere à Internacional Sindical Vermelha (Profintern) constituída em 1921 e dissolvida em fins de 1937, para agrupar os sindicatos revolucionários dos diversos países que aceitavam a política da III Internacional (Comintern). (NT)

[21] Fundado em abril de 1917, a partir do agrupamento de várias seções do SPD que haviam se separado autonomamente. O USPD contestou a política guerreira do SPD, mas continuou fiel às concepções clássicas da social-democracia. Em outubro de 1920 deliberou em congresso, por maioria, aderir à III Internacional e em dezembro daquele ano a ala esquerda, majoritária, decidiu fundir-se com o PC Alemão (KPD) formando o PC Unificado da Alemanha (VKPD). Em 1922 a ala direita, minoritária, retornou ao SPD. (NT)

[22] No começo pensei que se tratava de uma questão secundária. A atitude oportunista da Liga Spartacus quando do golpe de Kapp e o seu texto oportunista também nesta questão, me convenceram tratar-se de uma importante questão. (NA)

[23] Esta grande influência, toda esta ideologia típica da Europa Ocidental, dos EUA e das colônias inglesas, não é compreendida na Europa Oriental, Turquia e nos Balcãs (para não falar da Ásia e do resto). (NA)

[24] O exemplo do camarada Liebknecht prova exatamente a correção de nossa tática. Antes da revolução, quando o imperialismo estava no auge de seu poder e se reprimia toda agitação em virtude da lei marcial, seus protestos no Parlamento lhe valeram uma grande influência. Durante a revolução essa influência desapareceu. Logo que os operários tomarem seus destinos nas próprias mãos, devemos abandonar o parlamentarismo. (NA)

[25] Certamente não existe na Inglaterra camponeses pobres propensos a apoiar o capitalismo. Por outro lado, existem camadas médias muito maiores e ainda mais ligadas ao sistema. (NA)

[26] O perigo do oportunismo está ainda mais vivo na Inglaterra que em outros lugares. Assim, parece que nossa camarada Sylvia Pankhurst, que foi uma ótima militante do comunismo de esquerda, por temperamento, instinto, experiência, mas talvez nem tanto por um estudo aprofundado, tenha mudado de opinião. Deixou o antiparlamentarismo e, desse modo, um aspecto fundamental da sua luta contra o oportunismo. Toma assim o caminho que antes dela percorreram milhares de dirigentes operários ingleses: o da submissão ao oportunismo com todas as suas consequências e, no fundo, à burguesia. Nada de surpreendente nisso. Mas que tenha sido você, camarada Lênin, que a levou a ele, que a convenceu, a única dirigente intrépida e consequente da Inglaterra, isto foi um duro golpe para a revolução russa e mundial. (NA)

[27] Redator-chefe do jornal diário do Partido Operário Social-Democrata da Holanda (SDAP), deputado e líder da bancada no parlamento. (NT)

[28] Henriette Roland Holst (1869-1952) alcançou reputação internacional por suas atividades em uma reunião secreta realizada em setembro 1915 na aldeia suíça de Zimmerwald. Entre os 40 participantes da conferência encontravam-se Lenin e Trotsky. A conferência de Zimmerwald foi convocada para combater a guerra e afirmar o internacionalismo do movimento operário. (NT)

[29] Henderson do Partido Trabalhista Inglês; Bernstein da Social-Democracia da Alemanha; Legien da Social-Democracia belga; Renaudel da Social-Democracia francesa; e Vandervelde da Social-Democracia Belga – personagens que permaneceram fiéis ao social-patriotismo e reformismo da II Internacional, chegando a ocupar postos ministeriais sob domínio burguês. (NMT)

[30] É verdade que a proletarização aumentou enormemente por causa da guerra. Mas todos, ou quase todos, os que não são proletários se agarram ainda mais ao capitalismo, defendem-no com armas se necessário e combatem o comunismo. (NA)

[31] Falta-me espaço aqui para demonstrar isso detalhadamente. Tratei do assunto em um texto intitulado “As bases do comunismo”. (NA)

[32] Nós holandeses sabemos disso perfeitamente. Constatamos o desaparecimento destas “divisões” diante de nossos olhos no nosso país. Um pequeno país, sem dúvida, mas uma grande potência imperialista por causa de suas colônias. Entre nós não existem mais partidos democráticos, cristãos ou outros. Mesmo que sejamos apenas holandeses, podemos avaliar isso melhor que um russo que, infelizmente, parece aplicar para a Europa Ocidental critérios válidos para a Rússia. (NA).

[33] Toda paginação mencionada refere-se à versão em que Gorter se baseou, salvo indicação expressa. (NT)

[34] Scheidemann pertencia à ala direita da socialdemocracia alemã e Turati era um socialdemocrata italiano filiado à II Internacional. (NMT)

[35] Resta saber se entre nós existirá essa etapa dos governos “puramente” operários. Talvez aqui, mais uma vez, você incorra em erro pelo exemplo russo (Kerenski). A seguir demonstrarei que mesmo quando essa etapa se apresenta, como durante as jornadas de março (março de 1920: golpe de Kapp – NEF) na Alemanha, não cabia apoiar esse governo “puramente” socialista. (NA)

[36] Não se sabe se Gorter, o KAPD e os “esquerdistas” em geral conheceram outra versão – interna ao campo revolucionário, porém não bolchevique – do contexto que envolveu a assinatura da paz de Brest-Litovsk apresentada pelo Partido Socialista Revolucionário de Esquerda (Internacionalistas), escrita em 1918 e condensada na obra Os Socialistas Revolucionários de Esquerda na Revolução Russa: uma luta mal conhecida. (Florianópolis: Em Debate, 2012). (NT)

[37] Seria muito monótono discutir aqui todos estes exemplos russos. Convido o leitor a relê-los e, assim, poderá constatar a veracidade de tudo o que se afirma. (NA)

[38] De minha parte, estou convencido de que nos países em que a revolução não é iminente e onde o proletariado ainda não possui a força para fazê-la, o parlamentarismo continua a ser um recurso possível. Nestas situações são necessários controle e crítica das mais rigorosas. Penso que outros camaradas têm posição diferente a respeito. (NA)

[39] Uma única jornada (por ocasião do Congresso de Halle) permitiu de uma só vez incorporar 500.000 novos militantes, conduzidos por dirigentes que ainda recentemente você dizia serem piores que os Scheidemann. (NA)

[40] Vide H. Gorter: “O oportunismo no PC Holandês” (1919), em Denis Authier e Jean Barrot: La Izquierda comunista en Alemania, p. 286-312. (NEE)

[41] O camarada Pannekoek, que conhece a fundo a Alemanha, havia previsto com clareza: quando os dirigentes da Liga Spartacus tiverem que escolher entre parlamento e revolução, escolherão o parlamento. (ver antologia citada, sobretudo p. 178 e 185). (NA)

[42] Veja o caso dos comunistas ingleses, divididos sobre a questão absolutamente fundamental de aderir ou não ao Partido Trabalhista. (NA)

[43] Trata-se das famosas “vinte e uma” condições de admissão dos partidos aprovadas pelo II Congresso da Internacional Comunista. (NEF)

[44] Consultar A. Pannekoek: op. cit., p. 200-201. (NEE)