As Greves – Anton Pannekoek

Publicado em: Western Socialist, janeiro de 1948. Fonte: https://www.aaap.be/Pages/Pannekoek-en-1948-Strikes.html.

No movimento operário se distinguem duas formas principais de luta, geralmente denominadas como campo de luta política e campo de luta econômica. O primeiro centrado nas eleições para os corpos parlamentares e afins, o último consistente nas greves por salários superiores e melhores condições de trabalho. Na segunda metade do século 19, havia uma opinião comum entre os socialistas de que o primeiro tinha uma importância fundamental, sendo revolucionário, pois preparava o objetivo da conquista do poder político, e, portanto, a revolução da estrutura da sociedade, abolindo o capitalismo e introduzindo um sistema socialista. Assim, o segundo era somente um meio de reforma, para manter ou melhorar o nível de vida dentro do capitalismo, aceitando, portanto, este sistema como base da sociedade.

A prática do parlamentarismo mostrou prontamente que tal distinção não poderia ser completamente correta. Marx, no Manifesto Comunista, já havia indicado algumas medidas de reforma que preparariam a revolução futura. Em tempos posteriores, os parlamentares socialistas estiveram trabalhando e lutando continuamente por reformas; os partidos socialistas, aos quais pertenciam, construindo um programa detalhado de “demandas imediatas”; e podiam ganhar um crescente número de eleitores. Em primeiro lugar, e mais evidentemente, na Alemanha; logo, em outros países europeus. O objetivo final de uma revolução socialista foi gradualmente jogado para segundo plano. O que, sob o nome de luta pelo socialismo, logrou realmente essa luta política foi assegurar para a classe operária um certo lugar reconhecido dentro da sociedade capitalista, com certos níveis de condições de trabalho e de vida, claro que nunca realmente assegurados, sempre instáveis, porém existentes de algum modo, sempre disputados e sempre necessitando de defesa.

As duas formas de luta, o sindicalismo com suas greves e o socialismo parlamentar, são agora somente instrumentos de reformas – em grande parte manejados pelas mesmas pessoas, dirigentes sindicais que estão no parlamento. E a doutrina reformista afirmava que através de sua atividade, pelas reformas acumuladas no parlamento e pela “democracia industrial” nas fábricas, eles transformariam gradualmente o capitalismo em socialismo.

Porém, o capitalismo tinha seus próprios caminhos. O que Marx havia exposto em seus estudos econômicos, a concentração do capital, realizou-se em um grau muito mais poderoso do que talvez seu autor tenha pensado. O crescimento e o desenvolvimento do capitalismo no século 20 provocaram uma quantidade de novos fenômenos sociais e condições econômicas. Todo socialista que defende a luta de classes intransigente tem que estudar estas mudanças atentamente, pois é delas que depende como os operários têm que agir para ganhar a vitória e a liberdade; diversas velhas concepções da revolução podem agora adotar uma forma bem distinta. Este desenvolvimento incrementou enormemente o poder do capital, deu a pequenos grupos monopolistas a dominação sobre o conjunto da burguesia e amarrou sempre mais firmemente o poder estatal aos grandes negócios.

Na classe capitalista fortaleceram os instintos de opressão, manifestos no aumento das tendências reacionárias e fascistas. Este desenvolvimento tornou os sindicatos cada vez mais impotentes frente ao capital, menos inclinados à luta; seus dirigentes se converteram cada vez mais em mediadores e inclusive agentes do capital, cuja tarefa é impor as insatisfatórias condições de trabalho ditadas pelo capital sobre os operários resistentes. As greves assumem cada vez mais a forma de greves selvagens, desencadeadas contra a vontade dos dirigentes sindicais, que então, tomando a direção, sufocam a luta tão logo assumam a direção. Enquanto no campo da luta política tudo é colaboração e harmonia das classes – no caso do PC, acompanhada por um discurso aparentemente revolucionário –, tais greves selvagens se tornam cada vez mais a única luta de classe real e amarga dos operários contra o capital.

Depois da guerra, estas tendências se intensificaram. A reconstrução – a reparação da devastação ou da insuficiência de forças produtivas – significa reconstrução capitalista. A reconstrução capitalista implica uma acumulação de capital mais rápida, um incremento mais vigoroso dos lucros, a depressão do nível de vida dos trabalhadores. O poder estatal adquire agora uma importante função organizando a vida mercantil. Na Europa devastada, o Estado adquire a primazia suprema: seus oficiais se convertem em diretores de uma economia planificada, regulando a produção e o consumo. Sua função especial é manter os operários sujeitados, e afogar todo descontentamento por meios físicos ou mentais. Na América, o Estado está sujeito ao grande capital, esta é sua função principal. Os operários possuem agora contra eles a frente única do poder estatal e da classe capitalista, aos quais se unem os dirigentes sindicais e partidários – que aspiram sentar-se na mesa de conferência com os gerentes e chefes e ter voto na fixação dos salários e das condições de trabalho. E, mediante este mecanismo capitalista de preços crescentes, o nível de vida dos operários cai rapidamente.

Na Europa, Inglaterra, Bélgica, França, Holanda – e na América também – vemos a manifestação de greves selvagens, ainda em pequenos grupos, sem consciência clara de seu papel social e sem objetivos ulteriores; porém mostrando um esplêndido espírito de solidariedade. Na Inglaterra desafiam seu governo “trabalhista”, e na França e Bélgica são hostis ao Partido Comunista no governo. Os operários começam a sentir que o poder estatal é agora seu inimigo mais importante; suas greves estão dirigidas contra este poder tanto quanto contra os seus amos capitalistas. As greves se converteram em um fator político; e quando as greves eclodem em tal extensão que atingem ramos inteiros e agitam a produção social em seu núcleo, se convertem em fatores políticos de primeira grandeza. Os próprios grevistas podem não ser conscientes disso (tampouco a maioria dos socialistas), podem não ter intenção de ser revolucionários, porém o são. E, gradualmente, a consciência surgirá do que estão fazendo de modo intuitivo, a partir da necessidade; e isto tornará as ações mais diretas e eficazes.

Assim, os papéis se invertem gradualmente. A ação parlamentar degenera em uma mera briga de políticos e serve para enganar a população, ou, no melhor dos casos, para ajustar o sujo e velho capitalismo. Ao mesmo tempo, as greves de massas dos operários tendem a converter-se nos mais sérios ataques contra o poder estatal, esta fortaleza do capitalismo, e nos fatores mais eficazes para desenvolver a consciência e o poder social da classe operária. No entanto, há certamente um longo caminho até este resultado; enquanto vemos os operários decretando greve e retornando ao trabalho por simples ordem de um chefe ambicioso, não estão, portanto, amadurecidos para as grandes ações de autolibertação. Porém, olhando para trás, sobre os desenvolvimento e mudanças de meio século passado, não podemos deixar de reconhecer a importância dessas lutas de classe genuinamente proletárias para nossas ideias da revolução social. Como, em relação a isto, as tarefas de propaganda se ampliam para os socialistas, podem ser consideradas em outro momento.

Publicado originalmente em: Anton Pannekoek: Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Traduzido por Nildo Viana.