[Nota do Crítica Desapiedada]: O presente ensaio de Cajo Brendel constitui um importante relato da luta dos trabalhadores na parte “soviética” do antigo capitalismo estatal alemão, a primeira de uma série de grandes revoltas proletárias na Europa Oriental. À revolta de 1953 em Berlim, sucedeu-se a Revolução Húngara de 1956*, as revoltas dos trabalhadores na Polônia em 1970-1971** e, em seguida, a enorme explosão de 1980-1981 na Polônia***.
Outro ensaio que contribui com a análise desse evento (Alemanha Oriental, 1953) pode ser conferido em: 1953 – Lezioni da Berlino (grupo Coalizione Operaia) [tradução para o alemão: 1953 – Lektionen aus berlin]. Boa leitura!
Obs.: Disponibilizamos também o pdf do texto: A revolta dos trabalhadores da Alemanha Oriental em junho de 1953 – Cajo Brendel.
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* Cf. o estudo clássico de Andy Anderson: Hungary 56 [Hungría ‘56] e o panfleto “Hungarian Revolution 56” do grupo Council Communist Pamphlet.
** Cf. o artigo “Poland, 1970-71: workers vs. state” publicado na revista Root and Branch.
*** Cf. o livro de Henri Simon, Poland 1980-1982: Class struggle and the crisis of capital, e o artigo de Nildo Viana, “A Revolução Polonesa De 1980“.
A revolta dos trabalhadores da Alemanha Oriental em junho de 1953[1]
Introdução
Há um quarto de século, numa manhã de verão de 1953, entre oitenta e cem operários da construção civil largaram suas espátulas de pedreiro na Stalinallee, em Berlim Oriental[2]. Desceram dos andaimes e, após reunirem vários colegas, marcharam até os prédios governamentais na Leipziger Straße para protestar contra o aumento de suas metas de desempenho. Sem perceber, eles desencadearam uma revolta proletária que se espalhou como um rastilho de pólvora por toda a Alemanha Oriental.
Nos dias 16 e 17 de junho de 1953, o regime bolchevique na República Democrática Alemã (RDA) tremeu. Até nos cantos mais distantes do país, os escravos assalariados do capitalismo de Estado vigente se puseram em movimento. Em quase todos os lugares onde a centelha da resistência os eletrizou, formaram-se espontaneamente conselhos revolucionários. Com isso, deram os primeiros passos em um caminho que de modo algum poderia conduzi-los à democracia burguesa, mas que deveria levá-los para além dela, rumo a uma democracia da classe trabalhadora.
A revolta teve um caráter tão puramente proletário como raramente se viu em eventos revolucionários de tamanha magnitude. O mundo recebeu uma lição vívida sobre o que é uma revolução proletária — e o que não é — e todos os mitos que a cercavam foram desfeitos mais completamente do que nunca.
A revolta dos trabalhadores da Alemanha Oriental afastou a tese de que sem teoria revolucionária não pode haver prática revolucionária. Ela provou que para uma ação revolucionária da classe trabalhadora não é necessário uma “vanguarda” revolucionária. Ela demonstrou que uma tempestade revolucionária não é desencadeada por uma consciência revolucionária, mas que, pelo contrário, os ventos da tempestade revolucionária apenas dão origem a uma consciência revolucionária. Demonstrou de que maneira pequenos grupos de trabalhadores, sob certas circunstâncias, podem se transformar em multidões e, em seguida, em massas coesas. Ensinou o que três anos depois a revolução húngara ensinaria novamente: que, em um processo de transformação como esse, os desejos das massas mudam rapidamente e que os slogans de um momento são rapidamente substituídos por outros. A revolta ensinou, acima de tudo, que a luta de classes é completamente irrelevante para o que os trabalhadores imaginam sobre suas próprias ações, que é apenas uma questão do que é a classe trabalhadora e o que ela é forçada a fazer com base nisso.
Tudo isso já é por si só motivo suficiente para, após vinte e cinco anos, relembrar os acontecimentos daquela época. Além disso, a geração mais jovem mal tem conhecimento do que ocorreu em junho de 1953 na Alemanha Oriental. Mentiras do lado ocidental e do oriental fizeram com que a imagem da revolta fosse distorcida e desbotada. Por esse motivo, tentaremos reconstruí-la nas páginas a seguir. Fazemos isso com base em um texto que foi escrito por um de nossos simpatizantes logo após o levante e que foi publicado muito pouco tempo depois do ocorrido.
As formulações originais, que por vezes revelam a emoção despertada pela luta proletária, nós deixamos, tanto quanto possível, inalteradas. Em muitos lugares, no entanto, foram inseridas novas passagens, nas quais são mencionados fatos e detalhes que infelizmente não puderam ser incluídos no escrito original, de tamanho limitado, ou que só chegaram ao nosso conhecimento após sua publicação. O que o leitor tem em mãos não é, portanto, uma reimpressão de um antigo folheto, mas sua ampliação em um todo coerente que fornece mais informações — esperamos. Acreditamos que isso possa contribuir para que não apenas o curso da luta dos trabalhadores da Alemanha Oriental ganhe maior notoriedade, mas também que mais luz seja lançada sobre uma série de problemas fundamentais que ainda hoje estão no centro das discussões.
Verão de 1978.
Capítulo 01 — Uma tempestade irrompe
No verão de 1953, a zona oriental da Alemanha, ocupada por tropas russas, foi palco de eventos revolucionários de grande alcance. Pela primeira vez em 32 anos, houve grandes movimentos simultâneos do proletariado em solo alemão. Em Berlim Oriental e em Magdeburgo; em Rostock e Warnemünde; em Brandemburgo e em Rathenow; em Dresden e em Görlitz, na fronteira polonesa; em Jena e na região de urânio de Aue; em Halle e Leipzig; em Bitterfeld, Merseburg, Wolfen e em inúmeros outros locais na extensa bacia de lignito da Alemanha Central os trabalhadores saíram das fábricas e foram para as ruas.
Trabalhadores da construção civil deram o impulso inicial, e os metalúrgicos imediatamente reagiram em massa ao seu sinal. Na siderúrgica de Hennigsdorf, na Bergmann-Borsig, nas fundições em Calbe e em Fürstenberg, nas fábricas da Zeiss, na BMW em Gera, na fundição de ferro Max em Unterwellenborn, na fábrica de munições em Schönebeck e na Olympia-Werke em Erfurt, para citar apenas alguns exemplos, o trabalho foi interrompido.
Por um breve momento, os trabalhadores tiveram o poder ao seu alcance. A camarilha do governo fantoche russo de Grotewohl e Ulbricht[3], contra a qual eles se rebelaram, foi tomada pelo pânico. Perderam toda iniciativa, toda capacidade de agir. O regime existente sucumbiu sob a pressão irresistível das massas.

Pelas ruas principais e sobre as praças, elas marcharam em poderosas procissões: proletários que por décadas estiveram mergulhados em amarga miséria, para quem a necessidade havia chegado ao limite e que, ao mesmo tempo, foram tocados pelo desejo de uma vida diferente. Todos eles foram subitamente tomados pela consciência de que não tinham nada a perder além de suas correntes.
Tal qual os marinheiros amotinados de Kiel entraram em Berlim na manhã úmida e enevoada do dia 9 de novembro de 1918, os metalúrgicos de Hennigsdorf foram enviados para a mesma Berlim na manhã chuvosa do dia 17 de junho. Mas havia uma diferença. Os marinheiros de Kiel, que chegavam em pequenos grupos pela avenida Charlottenburger, haviam perdido sua coesão e mal formavam uma unidade que impunha respeito pelo número. Os de Hennigsdorf, por outro lado, com 12.000 homens, mantinham-se firmemente unidos. Ombro a ombro, em largas fileiras de oito, marchavam pela estrada de paralelepípedos vindos do norte, vestidos com macacões sujos, seus óculos de solda empurrados para a testa ou pendurados no pescoço. Atravessaram o setor francês, depois de cortarem e removerem rapidamente a barreira de arame farpado na fronteira do setor com alicates de ferro que trouxeram. Alguns deles usavam calçados de madeira que produziam um som abafado nas pedras. O som ecoava oco contra as casas cinzentas da Müllerstraße em Wedding, ressoando como uma tempestade iminente que varreria os governantes da Alemanha Oriental do cenário político.
Uma chuva torrencial caía do céu cinzento quando os habitantes de Hennigsdorf se movimentaram para fora dos portões da fábrica. Em pouco tempo, a água escorria em seus rostos e em suas roupas humildes. Mas eles não se deixaram intimidar. As mulheres entre eles usavam calçados leves das lojas da Organização Comercial estatal, que não foram projetados para uma marcha como aquela que eles começaram. Quando seus pés começaram a doer, simplesmente os tiraram. Preferiam continuar descalças a ficar para trás. A obediência passiva e a rotina monótona, em que até então cada um vegetava por si só, deram lugar de repente a uma vontade e ação conjuntas: rumar para Berlim. A distância que tinham que percorrer era de mais de 20 quilômetros. E isso era apenas a ida. Ninguém pensava no caminho de volta. Quanto às consequências de suas ações, ninguém tinha uma ideia clara.
“O ânimo revolucionário”, escreveu Henriëtte Roland Holst certa vez, “só consegue comover os indivíduos completamente quando a avaliação lógica das difíceis consequências de suas ações para si mesmos recua para o fundo de sua consciência”[4]. Assim foi com os trabalhadores de Hennigsdorf, assim foi com inúmeros outros trabalhadores na Alemanha Oriental, muitos dos quais foram mobilizados antes deles.
No dia 16 de junho, por exemplo, uma procissão de cerca de dez mil pessoas passou pela sede da polícia de Berlim Oriental, na Alexanderplatz. Atrás das janelas do edifício de oito andares, apareceram alguns oficiais que, de forma significativa, ficaram batendo com o dedo na testa. Em um café na Greifswalder Straße, três trabalhadores estavam jogando cartas. Quando para sua surpresa viram trezentos grevistas passarem, inicialmente os consideraram completamente loucos. No entanto, para a massa, uma vez em movimento, aplicavam-se outras normas diferentes das dos indivíduos que ainda não haviam se fundido com ela ou nunca se fundiriam.
“Loucos”. Sim, à primeira vista, para aqueles que estavam cientes do enorme poder do Estado e do partido, todos aqueles que se revoltavam na Alemanha Oriental deviam parecer assim. Daí que o cidadão comum — como demonstra uma série de reflexões na imprensa capitalista — considerasse impossível o que aconteceu no verão de 1953 na chamada República Democrática Alemã. Era geralmente aceito no campo burguês que movimentos de massa não poderiam ocorrer sob um sistema como o bolchevismo. Dois historiadores alemães, Gerhard Ritter e Walter Görlitz, proclamaram isso novamente precisamente na mesma semana em que a revolta de junho estourou.
Eles e muitos outros que pensavam da mesma forma estavam firmemente convencidos de que a coragem necessária para uma eventual resistência contra esse sistema nunca poderia ser demonstrada pelas massas. Uma luta dos trabalhadores contra o domínio da classe bolchevique, tão feroz e intensa como a do século XVI, do século XVII, e como dos dias seguintes de junho, foram considerados improváveis e inacreditáveis. O fato de o improvável ter acontecido na Alemanha Oriental se deve ao fato de que as massas, como Rosa Luxemburgo observou certa vez, “são sempre capazes de se tornarem diferentes do que aparentam e são sempre o que as circunstâncias históricas fazem delas. As massas contêm um mar de possibilidades dentro de si e podem hoje ser completamente indiferentes e imóveis, para amanhã se erguerem e exibirem a maior coragem possível”. Portanto, ela argumenta, “não se deve confiar no humor predominante das massas, mas levar em conta as férreas leis do desenvolvimento social”[5].
No desenvolvimento das relações sociais capitalistas, está implícita a luta contra a opressão e a exploração, contra as condições de vida criadas para a classe trabalhadora pelo trabalho assalariado. É precisamente quando essa luta assume o caráter de uma revolta, quando ocorrem ações de massa revolucionárias, que as leis do desenvolvimento social são, por assim dizer, reveladas, e se lida implacavelmente com falsas representações e ilusões, bem como com inúmeros contos sobre a luta de classes proletária nos quais muitos ainda teimam em acreditar. Assim foi também quando a tempestade de junho de 1953 varreu a Alemanha Oriental.
Capítulo 02 — Um movimento espontâneo
Só é possível se falar de uma revolução proletária — e essa é uma opinião amplamente difundida — quando poderosas organizações são previamente criadas com uma liderança decidida que indica a rota a seguir e formula as palavras de ordem. Somente essa organização e tal liderança, como se ouve proclamar repetidamente, poderiam levar as massas a uma resistência efetiva. Uma “vanguarda” política seria uma condição indispensável para a luta decisiva e abrangente que poderia quebrar o poder da classe dominante. O desenrolar real dos acontecimentos em diversos movimentos revolucionários no passado deixou pouco dessa visão de pé. A revolta dos trabalhadores da Alemanha Oriental em junho de 1953 mais uma vez a relegou com grande certeza ao reino das fábulas.
Sem que tivessem sido incitadas por organizações específicas, as massas se mobilizaram. Aliás, não poderia ter sido de outra forma. Não existia nenhuma organização que pudesse fazer isso no Estado de Ulbricht e Grotewohl governado pelo SED bolchevique[6]. Faltavam slogans, palavras de ordem, resoluções que pudessem ter dado aos trabalhadores uma indicação de como agir. Não havia nenhum sinal de algo que se assemelhasse a uma liderança vinda de cima ou de fora.
“Não havia plano algum, tudo aconteceu espontaneamente. Os trabalhadores das fábricas vizinhas não sabiam o que os outros faziam, até que se uniram”. Foi o que declarou um trabalhador da fábrica de filmes Agfa, em Wolfen, perto de Bitterfeld, após o fim da luta.
“Nós havíamos chegado ao Lustgarten, o objetivo da nossa marcha, e ninguém sabia o que deveria acontecer depois”. Assim descreveu um berlinense que marchou em uma das muitas procissões que atravessaram as ruas da capital, em retrospectiva da sua experiência.
“Queríamos realizar uma manifestação na Theaterplatz. Não pensamos em outras medidas práticas. Era uma euforia. Esquecemos as coisas mais simples e urgentes”, disse um morador de Dresden.
“É uma catástrofe que não houvesse organização ou algo semelhante. Nós, nesta região, somos todas pessoas que nunca vivenciaram uma greve ou algo do tipo. O que aconteceu, isso foi tudo feito de improviso. Não tínhamos conexão com cidades ou outras empresas. Não sabíamos por onde começar. Simplesmente estávamos felizes que as coisas tinham chegado a esse ponto. Só se viam rostos felizes e agitados na multidão, pois todos pensavam: agora é a hora, agora seremos libertados do jugo da servidão”. Com essas palavras, um operário de fábrica de algum lugar da zona russa resumiu suas experiências.
Uma testemunha ocular de Halberstadt contou: “Todas as ações se caracterizavam pela espontaneidade, tudo foi improvisado, senão tudo teria sido melhor…”
Um dos primeiros a documentar os acontecimentos daquela época — com base em um número muito grande de depoimentos — chegou à conclusão de que “as ações, que tomaram a forma de uma greve geral, ocorreram de maneira totalmente descoordenada, ao contrário do que teria acontecido se fosse uma greve geral convocada por um sindicato. Os sindicatos existentes eram dominados por apoiadores do sistema e serviam exclusivamente aos interesses do estado. A iniciativa foi, portanto, tomada em muitos lugares simultaneamente, nas casas de centenas e milhares de trabalhadores que escutavam o rádio na noite do dia 16 de junho…”[7]. Em outro ponto ele afirmou que “a partir das sete horas da manhã” — ele fala do dia 17 Junho — “a agitação se espalhou por toda a área sem qualquer comunicação entre as várias aldeias e cidades”[8]. Historiadores posteriores só conseguiram confirmar essas primeiras impressões.
“A política salarial na zona soviética visa alcançar um aumento da produtividade do trabalho através do aumento do desempenho, com a redução da participação salarial… Sempre que possível, é aplicado o salário por desempenho… O nível salarial depende primeiramente do grupo salarial… em seguida, de até que ponto a norma é atingida, ou seja, o número de produtos que deve ser fabricado em determinado tempo…
Regulamentos tarifários já em 1950 nas empresas ‘de propriedade do povo’ e equiparadas a elas, garantiram uma diferenciação salarial avançada… O sistema de prêmios russo resulta em uma diferenciação ainda maior…”
Het loonsysteem in de sowjetzone in: Der Gewerkschafter, julho 1953.
Capítulo 03 — Mentiras bolcheviques
O verdadeiro desenrolar dos movimentos de massa na Alemanha Oriental foi um golpe mortal para todas as teorias que, como a bolchevique, tentavam provar a necessidade de um partido de revolucionários profissionais como precursor da revolução proletária. Os bolcheviques, como era de se esperar, tentaram evitar esse golpe. Após um significativo silêncio de nada menos que 48 horas, eles afirmaram que o que aconteceu em junho de 1953 não foi uma luta da classe trabalhadora, mas… “uma conspiração preparada há muito tempo”, um “terror perpetrado por gangues lideradas pessoalmente por Adenauer, Ollenhauer, Kaiser e Reuter”[9], uma ação de “milhares de provocadores” e “agentes fascistas estrangeiros” que “fracassou graças ao bom senso dos trabalhadores de Berlim …”
Realmente não há limites para a brutalidade desse pacote de mentiras. Em seu próprio órgão Neues Deutschland — o jornal da SED, edição de 17 de junho de 1953 — os “líderes” da Alemanha Oriental reconheceram que os trabalhadores que estavam no dia 16 e entraram em greve em junho “se distanciaram cuidadosamente de provocadores e elementos obscuros”. Além disso, em suas alegações posteriores, eles passaram silenciosamente por cima do fato de que a revolta de junho não surgiu do nada, mas foi o ponto culminante de um movimento que nos meses anteriores já estava se espalhando cada vez mais. Semanas antes dos dias 16 e 17 de junho, já estavam eclodindo greves em Eisleben, Finsterwalde, Fürstenwalde, Chemnitz-Borna e outros locais. As mesmas exigências feitas em junho foram feitas durante aquelas greves, quando centenas de milhares de pessoas invadiram cidades da Alemanha Oriental. Mas dessas greves anteriores, os bolcheviques nunca afirmaram que foram “incitadas por provocadores”. No entanto, sua conexão com o movimento posterior é tão inegável que, por si só, qualquer “revelação” sobre um suposto “dia X em que a República Democrática Alemã deveria ter sido derrubada” só pode ser desmascarada como uma história fantástica.
Segundo os bolcheviques, “95% dos manifestantes e protestantes em Berlim Oriental eram provenientes dos setores ocidentais desta cidade”. Isso significa, dado o número de manifestantes, que muitas, muitas centenas de milhares de pessoas presentes no dia 16 de junho, vindas de Berlim Ocidental, teriam passado pelos poucos postos de controle nas fronteiras do setor. Uma afirmação absolutamente ridícula. Que nem mesmo os próprios bolcheviques levaram isso a sério foi provado pelo fato de que, após a revolta, realizaram uma série significativa de prisões justamente em empresas e nos bairros proletários de Berlim Oriental, apesar de seu próprio jornal, o Neues Deutschland, ter escrito no dia anterior que nesses bairros operários de Berlim Oriental “viviam trabalhadores sensatos que não se deixavam provocar”.
Se os bolcheviques realmente querem sustentar que os manifestantes vieram dos setores ocidentais, eles terão que admitir que nos bairros da classe trabalhadora de Berlim Oriental, pessoas inocentes foram presas, condenadas a longas penas de prisão e, às vezes, até à morte. No entanto, se considerarem esses presos e executados como “culpados”, resta pouco do que afirmaram sobre a origem dos manifestantes.
Mas qual teria sido então a “culpa” daqueles jogados na prisão ou executados sumariamente? O jornal Vorwärts, da Alemanha Oriental, escreveu em 22 de junho, e o Neues Deutschland, em 23 de junho de 1953, que líderes de greve eleitos pelos trabalhadores estavam atuando nos canteiros de obras da Stalinallee — onde praticamente apenas membros do SED trabalhavam —, na fábrica de cabos de Köpenick e em todo o distrito de Leipzig. Isso significava que escolher uma liderança de greve ou ser escolhido para uma liderança de greve era o crime pelo qual as muitas dezenas de condenados estavam sendo julgados?

De fato, era isso que significava, mas não havia dúvida de que eles seriam acusados disso. Os governantes da Alemanha Oriental não podiam (e não podem) se dar ao luxo de reconhecer que perseguiam trabalhadores apenas pelo fato de que eles travavam uma luta de classes e ameaçavam a dominação bolchevique. Apesar da constatação dos jornais mencionados, os bolcheviques mantiveram a pobre narrativa de que a revolta teria sido obra de “agentes ocidentais” e de “provocadores”.
No Berliner Zeitung oriental de 21 de junho de 1953 consta a seguinte leitura: “Os provocadores estavam vestidos com camisas de cowboy”, sem que os editores, um tanto estúpidos, explicassem por que eles estavam vestidos de tal forma que era possível reconhecê-los como provocadores à primeira vista. Talvez porque até mesmo leitores espertos possam se perguntar sobre isso, e talvez também porque ninguém tinha visto aquelas camisas de cowboy marcantes, o Tägliche Rundschau veio em 24 de junho com uma versão diferente, segundo a qual “os agentes e espiões ocidentais” se “disfarçaram de trabalhadores da construção civil”. Desta vez, não foi mencionado como eles conseguiram obter os típicos trajes de pedreiro da Alemanha Oriental.
Em 20 de junho de 1953, um certo Kuba — pseudônimo de Kurt Barthel[10] — ofereceu ainda uma terceira leitura no Neues Deutschland. Ele falou de “Halbstarke”, ou seja, sobre “rebeldes” que teriam se misturado à população trabalhadora de Berlim e que “alguém” poderia ter reconhecido imediatamente pela aparência. Com tudo isso, os bolcheviques se enredaram em suas próprias mentiras.
Eles não tinham outra escolha. Estava totalmente ausente a compreensão de que a ação em massa dos trabalhadores da Alemanha Oriental surgiu das relações sociais e que a ordem estabelecida pelo SED evoca tanto a perspectiva da revolução proletária quanto o capitalismo na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos. “Só se tem vontade de lutar quando se tem motivo para isso, e vocês não tinham tal motivo”, disse Kuba aos trabalhadores da Alemanha Oriental. Não ocorreu a ele tirar a conclusão do fato concreto de que se eles haviam lutado era porque eles deviam ter um motivo.
Os governantes da Alemanha Oriental e seus aliados estavam separados da classe trabalhadora por um abismo. Chamavam de “socialismo” um salário por desempenho somado a um sistema de prêmios. Segundo eles, a exploração intensificada era do interesse do proletariado. O fato de o proletariado se rebelar contra isso era considerado por eles como um “mal-entendido” causado por terceiros, que deveriam ser eliminados pelas tropas russas e pela Volkspolizei.
Capítulo 04 — Prelúdio na primavera
Nos seus grandes movimentos de classe de 1953, os trabalhadores da Alemanha Oriental aplicaram diversas formas de luta. Quase todos os meios de resistência do proletariado foram utilizados simultânea e sucessivamente. A greve, a manifestação, a greve geral e a ocupação das fábricas alternaram-se e sucederam-se. A cada vez, um método dava lugar a outro assim que o movimento alcançava um certo estágio de desenvolvimento ou assim que as possibilidades inerentes a uma determinada forma de ação se esgotavam.
Tudo começou já no início da primavera. Em 16 de abril, por insistência dos trabalhadores, uma reunião da empresa foi realizada na usina de Zeitz, perto de Halle[11]. Naquela reunião, os trabalhadores protestaram contra os efeitos desfavoráveis do sistema de prêmios. De acordo com um relatório publicado semanas depois — nomeadamente apenas em 29 de maio — no jornal Freiheit, sediado em Halle, os trabalhadores de fato lançaram um ataque feroz ao partido ao tomarem essa atitude. Segundo a reportagem, o trabalhador Walter chamou de “vergonhoso que ainda tenhamos que discutir sobre as necessidades mais básicas”; o trabalhador Meyer perguntou ironicamente quanta bonificação o funcionário Kahnt havia recebido e o que ele realmente havia feito para merecê-lo.
No mesmo dia que o Freiheit escreveu sobre isso, no mesmo dia em que o governo anunciou um aumento nas metas de desempenho, o Neues Deutschland relatou distúrbios em uma empresa que trabalhava para a ferroviária Reichsbahn perto de Leipzig.
No Neues Deutschland de 2 de julho, podia-se ler sobre “discussões difíceis” entre os trabalhadores da fundição e fábrica de máquinas “do povo” em Berlim-Lichtenberg, onde o operário Adolf Schermer e vários outros se opuseram veementemente ao aumento das metas.
Em 7 de junho, a liderança do SED em Magdeburg foi duramente criticada no Neues Deutschland por não conseguir acompanhar o humor das massas, ilustradas como… “discussões conflituosas nos locais de trabalho”.
Nesses locais, e também em alguns outros como Wilhelmsruh e Jena, as discussões continuaram. Em outros lugares, os trabalhadores foram um passo além. Em Roßlau, por exemplo, eles não apenas expressaram sua indignação com o aumento das metas, mas também condenaram abertamente toda a política do partido e do governo. Em outros locais — mencionamos alguns deles no capítulo anterior — eles também pararam de trabalhar.
Discussão sem mais, discussão à qual foi associado um protesto político, em seguida greve, eram, pode-se dizer, três degraus diferentes de uma escada, que se subia gradualmente. Nessas greves, ao longo da primavera, apenas um número relativamente pequeno de trabalhadores estava em ação. Ademais, as greves foram de curta duração e não eclodiram simultaneamente. Mas o pano de fundo delas e o ritmo com que elas surgiram uma após a outra, ora aqui, ora ali, em todo o país, provou que cada uma formava os elementos, as partes, de um movimento de greve geral.
A tensão continuava a aumentar. Durante uma reunião da seção do partido na imprensa em Leipzig, um certo Zaunert chamou aqueles que defendiam a elevação das metas de “pessoas que simplesmente cumprem ordens”. Outro, chamado Ramlau, declarou que “uma verdadeira eleição deveria ser realizada, então o partido veria o que restava dele”[12]. Em 28 de maio, os carpinteiros do edifício G-North, na Stalinallee, em Berlim Oriental, entraram em greve. O Neues Deutschland escreveu sobre isso em 14 de junho. Dois redatores do jornal relataram que o carpinteiro Rocke chamou o aumento da norma de “uma chantagem direta”. Eles também escreveram que os trabalhadores reclamavam há meses que os valores preenchidos em seus contracheques estavam incorretos.
Em 12 de junho — quatro dias antes do início da revolta — houve novamente uma greve na Stalinallee, desta vez no canteiro de obras C-Sul. O motivo foi a leitura de uma carta que informava que as metas haviam sido aumentadas em dez por cento, com efeito retroativo a partir de 1º de junho. Os trabalhadores se recusaram a voltar ao trabalho enquanto essa medida não fosse revertida.
Por volta das duas e meia da tarde, apareceram quinze funcionários do partido, do sindicato bolchevique e da administração da empresa. Eles se espalharam entre os grevistas e tentaram acalmar os ânimos exaltados com o que um dos trabalhadores chamou de “conversa fiada”: “Esperem um pouco. Se vocês trabalharem mais, a vida vai melhorar porque mais será produzido. Com o aumento das metas, vocês não vão perder, porque tudo ficará mais barato.”
“Estamos ouvindo essa besteira há cinco anos”, disse um deles, “mas temos cada vez menos para comer”. “As barrigas de vocês estão bem cheias”, gritou um outro, “mas olhem para nós. Vocês ganham 1200 marcos”[13].
Um sindicalista argumentou: “Não existe isso de fazer greve em uma empresa ‘do próprio povo’. Se vocês fazem greve, estão fazendo greve contra vocês mesmos”. Ao que um dos trabalhadores respondeu: “Nós não fazemos greve por diversão. Sabemos exatamente por quê”. Então, o funcionário do sindicato mudou de abordagem: “Se vocês querem fazer greve, pelo menos informem o sindicato”. Os trabalhadores deixaram claro para ele que o sindicato “não tinha nada a ver” com a greve deles.
No entanto, os funcionários conseguiram dividir os grevistas em pequenos grupos. Contudo, ainda não conseguiram convencê-los a retomar o trabalho. Durante um passeio de barco organizado pela gerência no sábado seguinte, dia 13 de junho, o aumento das metas foi o único tópico de discussão. No retorno, surgiu uma acalorada discussão entre alguns operários da construção civil e alguns líderes partidários. Palavras como “parar a coisa toda” e “greve geral” foram mencionadas.
Na segunda-feira, 15 de junho, embora o trabalho tenha sido retomado, a inquietação na Stalinallee era ainda maior do que antes. Por volta das duas e meia da tarde, uma nova greve foi iniciada em uma das construções. O pavio estava aceso. Menos de 24 horas depois, o barril de pólvora explodiria.
Capítulo 05 — Não só a Stalinallee, mas Berlim inteira
O conflito que surgiu em 12 de junho no canteiro de obras C-Sul na Stalinallee apresentava em todos os aspectos semelhança com os conflitos das semanas anteriores. Porém, nas primeiras horas da manhã do dia 16 de junho, o movimento entrou em uma nova fase. As ações dispersas das quais era composto até aquele momento não tinham tido resultado visível. Os trabalhadores do Bloco 40 que pararam de trabalhar naquela manhã de terça-feira perceberam que sua força residia na sua quantidade, que tinham de envolver outros camaradas nas suas ações, que a expansão da luta era uma necessidade imperativa. Como resultado, a forma de sua resistência era completamente diferente.
“Primeiro trabalhem mais, só então vão ter uma existência mais digna”, rosnou um representante da administração da construção quando eles apareceram no trabalho. Foi a gota d’água. Mal tinham subido nos andaimes, já desciam as escadas novamente.
Não eram mais do que cerca de cem que começaram a discutir com outros trabalhadores no térreo. Um pensamento os preenchia: “O aumento da meta é assassinato”. Eles queriam mostrar aos governantes da Leipziger Straße o que eles pensavam sobre isso. Quando começaram a se movimentar por volta das dez horas, já eram alguns milhares.
Primeiro marcharam para outras construções. Os colegas de C-Sul os viram chegando de longe. Já estavam embaixo para se juntar a eles antes mesmo que qualquer palavra fosse trocada. O edifício do jornal Neues Deutschland na Küstriner Platz estava coberto de andaimes devido a obras de restauração. Uma testemunha ocular contou: “Subi as escadas com cerca de quinze homens do nosso grupo. ‘Ouçam, vocês concordam com o que está acontecendo?’ E já o primeiro largou a colher de pedreiro. No momento seguinte, as escadas tremeram sob o peso dos trabalhadores. Baldes rolaram de obra abaixo, ferramentas bateram nas tábuas e novamente nosso grupo foi reforçado por cem homens”.
O movimento continuou a se expandir imparável. A tentativa de transformar uma greve relativamente pequena e isolada em uma ação mais ampla não apenas teve sucesso, mas também transformou a atuação dos trabalhadores em algo diferente do que era inicialmente. Da greve, desenvolveu-se a manifestação, que logo se tornou uma manifestação de massa. Não demorou muito para que se ouvissem os primeiros cânticos: “Nós somos trabalhadores e não escravos”.
Quando se aproximaram da Alexanderplatz por volta das 11 horas, a procissão havia crescido para mais de dez mil homens e mulheres. Na ampla Alexanderplatz, a multidão imensa sentiu cada vez mais que nada nem ninguém poderia resistir a ela. “Nós já tínhamos nos tornado uma unidade, eu diria que até mesmo uma unidade consciente de sua força”, contou mais tarde um dos participantes. Os trabalhadores viram os agentes da Volkspolizei darem no pé apressados diante de seus olhos. Isso fortaleceu seu senso de poder. Eles reagiram espontaneamente com um novo lema:
“Abaixo o governo, abaixo a Volkspolizei. Queremos redução das metas.”
Da Alexanderplatz, a interminável procissão virou para a ampla avenida Unter den Linden. De uma fileira de casas à outra, podia-se caminhar sobre as cabeças. Quando os da frente entraram na Wilhelmstraße, todo o aumento de meta já estava quase esquecido. “Não queremos ser escravos, queremos finalmente ser livres”, ressoava estrondosamente. Um único pensamento se apoderou subitamente de todas as cabeças e corações.
O que essa manifestação em massa realizou foi o mesmo que todas as manifestações em massa alcançam e no que consiste seu significado. Com um só golpe, ela uniu a classe trabalhadora, dividida em incontáveis indivíduos, em um todo coeso. Ela revelou tanto aos trabalhadores quanto aos seus inimigos os fundamentos mais profundos do poder proletário: o número de trabalhadores e sua união predestinada.
“A manifestação”, de acordo com Henriëtte Roland Holst[14], “recria as águas mortas dos solitários apáticos no mar agitado e turbulento da multidão que pressiona ativamente; maravilhados e encantados, experimentam seu próprio desejo insondável, sua força e audácia insondáveis. Daí a autoconfiança ilimitada, a ousadia desafiadora, a embriaguez exaltada com que manifestações espontâneas em massa costumam preencher seus participantes. É como se a força de todos os demais entrasse na própria cabeça e membros do indivíduo”. Não aconteceu de forma diferente naquele dia 16 de junho em Berlim Oriental. A multidão se transformou em uma massa.
Com mais de vinte mil pessoas, eles cercaram os prédios do governo na Leipziger Straße às duas horas da tarde. “Fora com o governo, fora com Grotewohl e Ulbricht”, bradavam. Os dois ministros não se atreveram a aparecer. Em seu lugar, saíram seus colegas Selbmann e Rau, cuja aparição não agradou o público: “Queremos ver Ulbricht e Grotewohl. Nós mesmos decidiremos quem queremos ouvir”.
Por volta das duas e meia, Selbmann subiu em uma mesinha que tinha sido levada para fora. “Caros colegas…”, começou ele. Imediatamente, a multidão o interrompeu aos brados: “Você não é nosso colega, você é um canalha e um traidor”. Selbmann tentou novamente. Ele admitiu que o aumento das metas foi uma decisão errada e que seria revertida. Mas essa promessa já não fazia sentido algum. Talvez tivesse surtido efeito naquela mesma manhã às oito horas. À tarde, só provocava risos e raiva. Um pedreiro empurrou Selbmann da mesinha com um gesto brusco e subiu ele mesmo. A multidão aplaudiu. “O que você nos conta aqui não nos interessa nem um pouco”, disse o pedreiro. “Queremos ser livres. Não estamos aqui apenas contra as novas metas e não viemos apenas da Stalinallee. Somos toda a Berlim”.

Com isso, não foi dito uma palavra a mais. O que começou como uma manifestação dos operários da construção civil se desenvolveu na resistência de toda a cidade. Por volta das quatro horas, carros de som do governo foram enviados. As autoridades anunciaram que o aumento das metas havia sido revogado. Em vão. Na verdade, já não restava nada de sua autoridade. Na Rosenthaler Platz, os carros foram virados. A palavra de ordem da greve geral passou de boca em boca.
Por volta das cinco horas, os primeiros funcionários bolcheviques foram espancados diante dos olhos da impotente Volkspolizei. Nas primeiras horas da noite, coros gritavam “Fora SED”. Logo depois, os cartazes bolcheviques foram arrancados das paredes. Na prisão feminina na Barnimstraße, manifestantes exigiram a libertação imediata das prisioneiras. Quando deu dez horas, a febre revolucionária havia tomado conta de toda a população de Berlim Oriental. Nas grandes fábricas de máquinas, o turno da noite já não havia comparecido.
“Os trabalhadores ficaram surpresos com sua própria coragem”, contou uma pessoa que vivenciou as cenas na Leipziger Straße. Outro afirmou: “Quando cheguei em casa na noite do dia 16 de junho, meu único pensamento foi: espero que sejamos fortes o suficiente amanhã e que todos participem. Na noite do dia 16 para 17 de junho, ficou claro para mim que eu tinha que lutar, independentemente das consequências, e que todos nós tínhamos que lutar até termos sucesso. O 16 de junho mudou todos nós.”
Capítulo 06 — A onda da revolução
Se o dia 16 de junho mudou tudo e todos, o dia 17 de junho mudaria tudo e todos ainda mais. A razão foi que as manifestações de massa coincidiram com as greves de massa e que ambas as formas interligadas de luta proletária criaram uma reação em cadeia que se desenrolou com velocidade extraordinária. Como os trabalhadores sentiram a força de sua classe, eles começaram a agir como uma classe; agindo como uma classe, seu senso de poder foi fortalecido.
Para se manifestar, é claro, era preciso parar de trabalhar. Por outro lado, onde as manifestações eram realizadas, os trabalhadores se dirigiam para as fábricas onde os membros hesitantes da classe ainda não haviam aderido à ação. Os grevistas se tornaram manifestantes, e os manifestantes estimularam a atividade grevista.
A unidade deles foi uma sensação para os trabalhadores. Para evitar que fosse rompida, para impedir que a expansão constante de sua luta — e com isso a própria luta — fosse interrompida, medidas tinham que ser tomadas de hora em hora, cada uma resultando no avanço do movimento e elevando-o a um nível superior.
Em toda a Alemanha Oriental, os trabalhadores formaram suas próprias lideranças de greve, que regulavam os acontecimentos, seja por empresa, seja em uma cidade inteira ou até mesmo em determinadas áreas industriais. O resultado foi que ocorreu uma mudança de poder. Organizações que haviam sido formadas durante e para a luta estavam constantemente ganhando autoridade, enquanto a do partido e do governo diminuía. O país escapava do controle do poder institucional existente até então. Ele perdia seu poder dirigente à medida que os trabalhadores se tornavam cada vez mais autossuficientes e seus comitês de greve, não apenas na prática, mas também formalmente, assumiram o caráter de conselhos de trabalhadores. Assim, surgiu uma organização que não foi de forma alguma formada para revolucionar a situação, mas, ao contrário, foi um produto do processo revolucionário. Assim, as greves em massa, que juntas assumiram a forma de greve geral, sofreram uma mudança de qualidade com o aumento de sua quantidade.
Essa mudança de qualidade também se manifestou como uma mudança de consciência. O trabalho havia sido originalmente interrompido para desfazer o aumento das metas e não para derrubar o governo. “Queremos viver como seres humanos, não queremos nada mais”, exclamou o trabalhador Engelhardt em 16 de abril durante discussões na usina hidroelétrica de Zeits. No momento em que as empresas em todos os lugares foram paralisadas, os trabalhadores (que essencialmente estavam ocupados em revolucionar as relações sociais) queriam a queda do regime existente, que se baseava nessas relações, para poderem viver como seres humanos. “Fora com o bode (Walter Ulbricht)” gritavam eles, depois de inicialmente terem gritado “Fora com o aumento das metas”. Isso caracterizou precisamente o desenvolvimento dos eventos em curso e os transformou em um processo revolucionário.
Não foi uma ou outra organização que criou a revolução, mas a revolução criou sua própria organização; não foi uma consciência revolucionária que deu o impulso para a revolta, mas a revolta gerou uma consciência revolucionária. Uma coisa estava inextricavelmente ligada à outra. Parecia que as novas organizações, antes inexistentes, surgiram em um passe de mágica. Na realidade, elas deviam sua origem à iniciativa de líderes anteriormente desconhecidos, vindos das massas, que se surpreenderam mais do que ninguém com suas próprias ações. Eles foram subitamente capturados pelo que estava acontecendo e colocados em destaque quando, no caldeirão dos acontecimentos, a consciência de todos foi transformada. Por outro lado, a formação das novas organizações contribuiu significativamente para essa transformação da consciência. Os exemplos disso estão à nossa disposição.

Então, ao meio-dia do dia 17 de junho, na cidade de Görlitz, varrida pela onda de greves e resistência, a multidão rebelde assumiu o controle do sistema de alto-falantes da emissora da cidade e os primeiros palestrantes imediatamente apareceram no microfone. Vinte mil pessoas os escutaram. A qualidade do som era ruim. Mas, em uma ordem variada, eles falaram um após o outro: trabalhadores da grande fábrica de vagões Lowa, trabalhadores de outras fábricas, artesãos, um dono de café, um arquiteto, funcionários de escritório e, repetidamente, trabalhadores. A maioria nunca tinha falado em um microfone antes. Mas seu entusiasmo e a alegria de poderem vivenciar aquele momento os ajudou a superar todas as suas inibições. Eles estavam diante de milhares e falaram.
Em Magdeburg, o músico K. tocou na noite do dia 16 junho de camisa branca e saia preta a ópera “Die Fledermaus”, de Johann Strauss, para um auditório lotado. Esse homem, que nunca havia se envolvido com política, não tinha a menor ideia naquele momento de que lideraria na manhã seguinte os trabalhadores rebeldes dessa cidade do centro da Alemanha e que se veria obrigado a fugir para Berlim Ocidental dois dias depois por causa disso.
Em Dresden, Richard S., de 34 anos, liderou os grevistas e manifestantes de fábrica em fábrica para convencer os funcionários a se juntarem à ação. Nas salas das máquinas, ele subia nos tornos e gesticulava com os braços até que as correias de transmissão parassem. Então, as palavras fluíam quase naturalmente de seus lábios: “Vocês ouviram falar dos heróis da Stalinallee? Não podemos abandoná-los. Venham para as ruas”. Ele e mais dois formaram o Comitê Revolucionário. Cada caminhão que encontravam era parado por eles. Cada motorista era persuadido a dar meia-volta e participar. Em pouco tempo, eles tinham uma unidade móvel que, às onze horas da manhã, já transportava 15.000 pessoas. “Eu me senti renascido”, contou S. posteriormente. “Enviei cinquenta ciclistas para ocupar a estação de rádio…”
Em Dresden, essa tentativa fracassou. Em Halle, porém, obteve sucesso. Lá a estação de rádio da cidade foi ocupada por trinta trabalhadores rebeldes. Eles garantiram que os anúncios da liderança central da greve ressoassem pelo espaço.
Os acontecimentos ocorreram no dia 17 Junho de 1953 com a velocidade de uma avalanche. O dia mal havia começado e, em todas as cidades e vilarejos e em praticamente todas as empresas industriais da RDA, os trabalhadores se lançaram na luta. Começaram com greves e manifestações — assim como em Berlim Oriental. Poucas horas depois, agentes da Volkspolizei haviam sido desarmados, escritórios do partido foram invadidos, pedaços de panfletos de propaganda bolchevique rasgados voaram pelas ruas e, nas prisões, as celas dos presos políticos foram arrombadas. Em seguida, após essas primeiras manifestações gerais da raiva popular reprimida, a revolta espontânea começou a assumir cada vez mais o aspecto de uma revolução proletária.
O processo pôde ser observado, e não por acaso, de forma mais pura nas partes da Alemanha Oriental que eram mais industrializadas e tinham uma grande densidade populacional composta majoritariamente por trabalhadores. O centro da indústria da Alemanha Oriental estava na região de lignito da Alemanha Central. Foi lá que se encontravam os focos da revolta. Em Halle, Wolfen, Merseburg, Bitterfeld, Roßlau, Gera e lugares semelhantes, surgiram organizações que assumiram brevemente o poder executivo, que exibiram uma nova estrutura, nem burguesa nem capitalista de Estado, que era em todos os aspectos o sintoma de uma verdadeira libertação dos trabalhadores.
Em Halle uma reunião foi realizada em uma das fábricas à uma e meia da tarde. A reunião contou com a participação de representantes das lideranças de greve de quase todas as empresas da cidade. Foi eleito um conselho que se autodenominou “Comitê de Iniciativa”, mas que, falando estritamente, funcionava como um conselho de trabalhadores. Foi esse conselho que declarou a greve geral; foi esse conselho que tomou a decisão de ocupar um dos jornais locais para imprimir um manifesto. Inicialmente, isso foi bem-sucedido. Quando a polícia secreta bolchevique foi alertada, pelas costas dos trabalhadores, o plano teve que ser abandonado. Ninguém sequer precisava se perguntar em qual classe havia oposto uma resistência em Halle. De muitas grandes empresas metalúrgicas nos arredores, uma coluna de trabalhadores após a outra marchava em direção ao centro da cidade nas primeiras horas da manhã, assim como os trabalhadores de Hennigsdorf marchavam para Berlim. No mercado de Halle, formaram uma multidão de mais de cinquenta mil manifestantes.
Merseburg vivenciou algo semelhante. Cerca de 20.000 funcionários da Leuna Werke[15], localizada ao sul da cidade, bem como trabalhadores da Buna-Werke em Schkopau, da usina de lignito Groß-Kayna, das minas de carvão no Vale Geisel e de três diferentes fábricas de papel se reuniram na Uhlandplatz, localizada no centro. A direção da greve, convencida de que o poder dos trabalhadores nas empresas, aconselhou os manifestantes a retornarem e lutarem por suas reivindicações. Quais eram essas reivindicações já havia ficado claro no início da manhã. Todos se reuniram em frente ao prédio da diretoria da Leuna-Werke. Um dos oradores exigiu, entre outras coisas, que o sistema de perseguição fosse encerrado e que a polícia da empresa fosse imediatamente desarmada. Um grupo de trabalhadores da Leuna ocupou a emissora da fábrica.
Em Roßlau, os trabalhadores também foram senhores e mestres da cidade por um curto período. Aqueles que trabalhavam no estaleiro de Roßlau formaram o núcleo da resistência.
Assim como na Alemanha Central, o mesmo ocorreu, em princípio, em todas as empresas e em todos os locais importantes. Em Dresden, trabalhadores de todas as grandes fábricas, incluindo a Zeiss, entraram em greve e se manifestaram. Na região de Brandemburgo, trabalhadores do estaleiro Thälmann, da empresa de rebocadores Brandemburgo, da mina Elisabeth e da oficina de tanques Kirchmöser — sob gestão russa — também lutaram. Em Falkensee, as obras foram paralisadas em todas as empresas, assim como em Leipzig. Em Frankfurt am Oder, Fürstenberg, Greifswald e Gotha, para citar apenas algumas, os proletários da Alemanha Oriental saíram às ruas com a mesma frequência que na região do urânio em Aue, perto da fronteira com a República Tcheca, ou no norte, menos povoado.
Nada disso foi um impeditivo para que o Neues Deutschland publicasse descaradamente, em 28 de julho de 1953: “A greve geral preparada e declarada pelos golpistas não deu em nada porque a grande maioria dos trabalhadores não compareceu. Apenas cerca de cinco por cento entraram em greve”. Na realidade, as autoridades da Alemanha Oriental foram confrontadas com a resistência de toda a classe oprimida.
Capítulo 07 — Nem Ulbricht nem Adenauer
Quando o governo Ulbricht e o SED anunciaram no início do verão de 1953 o aumento das metas de produtividade, partes da classe trabalhadora da Alemanha Oriental esperavam ainda poder evitar o impacto por meio de uma categoria salarial mais alta. Essa esperança foi imediatamente frustrada. O Neues Deutschland escreveu sem rodeios, em 22 de maio, que tal coisa seria “completamente contrária aos interesses dos trabalhadores”. Os próprios trabalhadores tinham uma visão muito diferente de seus interesses. Eles calcularam rapidamente que um trabalhador que poderia ganhar de 20 a 24 marcos (orientais) por dia, após o aumento das normas, receberia apenas de 13 a 16 marcos pela mesma quantidade de trabalho que antes. Eles não estavam dispostos a aceitar isso. Eles se opuseram a tal ataque às suas condições materiais de vida, nem por motivos políticos, nem por ideais políticos.
O fato de sua luta contra a política salarial do governo ter se transformado, em poucas horas, em uma luta contra o governo como tal não foi de forma alguma resultado de suas intenções. Isso surgiu da própria essência dessa luta e de seu caráter de classe. Isso imprimiu à sua ação um certo selo, que determinou de momento a momento o conteúdo e a forma de seu movimento.
Esse caráter de classe foi, de fato, ignorado tanto no Leste quanto no Oeste pela mesma razão. Os bolcheviques teriam que abandonar todos os mitos sobre sua própria sociedade se o tivessem reconhecido. As democracias burguesas não tinham nenhum interesse em enfatizar o significado social de uma explosão que, por essa razão, poderia causar grande agitação entre seus próprios escravos assalariados. Por isso, na República Federal da Alemanha Ocidental, se falava de um “levante popular” contra o ocupante russo e se destacavam vários fenômenos secundários que poderiam ser facilmente interpretados de uma maneira que se adequasse aos interesses da classe dominante. Por esse motivo as figuras políticas da burguesia da Alemanha Ocidental falavam de uma “luta pela unidade alemã”.
Durante uma manifestação solene na Rudolf-Wilde-Platz, no distrito de Schöneberg, em Berlim Ocidental, em 23 de junho de 1953, o premiê Konrad Adenauer disse: “A parte do povo alemão que vive atrás da cortina de ferro nos clamou para que não os esqueçamos… Eu juro por todo o povo alemão que não descansaremos até que eles também conheçam a liberdade novamente e toda a Alemanha esteja reunificada…”. O prefeito Ernst Reuter[16] disse: “Nenhum poder no mundo nem ninguém poderá nos separar permanentemente. A bandeira da servidão foi retirada do Portão de Brandemburgo por nossa juventude, e essa juventude um dia plantará a bandeira da liberdade lá…”
Agora, era verdade que em 17 de junho, os jovens de Berlim Oriental removeram a odiada bandeira da RDA do portão monumental em questão e então fizeram uma tentativa frustrada de substituí-la pela bandeira preta, vermelha e dourada da Alemanha Ocidental. Também era verdade que, em inúmeros coros, repetidamente se clamava por “liberdade” e que, em várias manifestações, às vezes eram levadas bandeiras da Alemanha Ocidental. Mas isso apenas provava que nem todos os participantes da revolta tinham uma compreensão clara da essência de suas próprias ações e que, na medida em que a adquiriram, certamente não a adquiriram ao mesmo tempo.
Os trabalhadores da Alemanha Oriental, durante suas ações, deixaram claro em mais de uma ocasião que não estavam se voltando contra as tropas russas no território da Alemanha Oriental, mas sim contra o governo da SED. Até que essas tropas se juntassem à luta contra eles, os trabalhadores não adotaram uma atitude agressiva em relação a eles, em contraste com suas ações contra a odiada Volkspolizei e funcionários do partido.
Se todos os trabalhadores entenderam seu movimento como um movimento de classe é uma pergunta que certamente deve ser respondida negativamente. Mas isso não muda o fato indiscutível de que esse foi um movimento de classe. O que importa não é o que os trabalhadores individualmente pensaram, mas o que foi feito por todos os trabalhadores juntos. Que, apesar dos símbolos da Alemanha Ocidental levados a várias cidades e apesar de certos slogans notavelmente ingênuos de liberdade e até mesmo de unidade, a classe que agia por si mesma certamente não estava interessada em viver dentro das fronteiras de uma “Alemanha unificada”, e isso era claro como o dia nas palavras que os ferroviários de Magdeburg pintaram nos vagões abandonados nos pátios de manobras desertos: “Nem Ulbricht, nem Adenauer, mas Ollenhauer”.
Embora isso expressasse que eles consideravam (erroneamente) um social-democrata como Ollenhauer um representante de sua classe, também ficou claro que eles não queriam saber de uma Alemanha governada por Adenauer, tampouco de uma Alemanha onde Ulbricht reinasse. Eles expressaram de maneira formalmente incorreta e primitiva que não apenas lutavam contra o capitalismo de estado, mas também contra o próprio capitalismo, que não lhes parecia tão atraente trocar o jugo da servidão bolchevique pelo jugo de uma burguesia, depois de terem tomado seu próprio destino em suas próprias mãos.
O fato de políticos burgueses da Alemanha Ocidental terem posteriormente declarado o dia 17 de junho como “Dia da Unidade Alemã” obscureceu o fato de que era o dia em que a divisão de classes, existente tanto na Alemanha Oriental quanto na Ocidental, não era mais aceita pelos trabalhadores da Alemanha Oriental. Naquele dia, os trabalhadores da RDA demonstraram que, como proletários, eram os inimigos naturais de uma dominação de classe baseada em sua opressão.

Capítulo 08 — O bolchevismo sem máscaras
O governo Ulbricht-Grotewohl estava completamente impotente diante do movimento de classe espontâneo dos trabalhadores da Alemanha Oriental. Sua chamada Polícia do Povo, a Volkspolizei, mostrou-se em muitos casos pouco confiável e, na medida em que os burocratas do SED podiam contar com ela, revelou-se muito fraca. Não foi em poucas localidades que ela foi desarmada em um piscar de olhos.
Moralmente, a liderança bolchevique já havia perdido a batalha antes mesmo de ela realmente começar. Já na tarde do dia 16 de junho, a podridão interna do regime tornou-se inequivocamente clara. Os ministros mais importantes se encolheram de medo e não ousaram se mostrar quando a massa enfurecida crescia sob suas janelas na Leipziger Straße. Naquela mesma noite, várias figuras de destaque do partido fizeram suas malas. Naquele momento, pedreiros e operários de máquinas, técnicos de manutenção e carpinteiros já dominavam as ruas. Ainda não havia fumaça saindo da Columbushaus na Potsdamer Platz, que seria incendiada no dia seguinte. Mas o sonho dos governantes já havia se dissipado em fumaça. Os trabalhadores ainda não haviam tomado o poder, mas ele já havia escapado das mãos dos líderes do partido e do governo.
O fato de que eles conseguiram retomar o controle se deu graças às tropas e tanques russos. Se eles não tivessem avançado sobre Berlim e muitas outras cidades rebeldes, se os russos não tivessem declarado lei marcial, realizado prisões em massa e execuções em massa, o destino do regime teria sido selado.
Tal qual os cossacos do czar Nicolau II, sob o comando do general Semyonov, reprimiram a revolta dos trabalhadores de Moscou em dezembro de 1905, o alto comissário Semyonov reprimiu a revolta na Alemanha Oriental em junho de 1953. Soldados russos atiraram nas manifestações; trabalhadores foram esmagados sob as esteiras dos tanques russos, contra os quais lutaram heroicamente, desarmados, dando o exemplo aos seus camaradas de todos os países[17].
No verão de 1953, o bolchevismo mais uma vez revelou sua verdadeira face. Desde a revolta de Kronstadt em março de 1922, a oposição irreconciliável entre a classe trabalhadora e a ditadura partidária bolchevique nunca havia se manifestado de forma tão clara e aberta. Nunca antes tantos trabalhadores haviam experimentado que, na luta por sua libertação, encontrariam o bolchevismo como um inimigo implacável em seu caminho.
Numa grande demonstração de força, divisões de tanques russos intervieram no final da tarde de 17 de junho. Mas não conseguiram sufocar imediatamente a resistência. O comandante da cidade russa de Berlim, general-major Dibrova, declarou estado de emergência no setor oriental à uma hora da tarde. Logo, a medida também estava em vigor nas outras cidades da Alemanha Oriental. No entanto, isso não significou o fim da luta. Embora as ruas de Berlim tivessem sido completamente “limpas” no dia 18 de junho, as greves continuaram.
No país, as ações se expandiram naquele dia até mesmo para empresas que ainda não haviam sido afetadas pela luta. Em Warnemünde, os trabalhadores do estaleiro Warnow cessaram o trabalho. Em Dresden, Chemnitz e Rostock, os funcionários de várias empresas “populares” entraram em greve; em Potsdam, a equipe municipal. Em várias cidades ocorreram destruições significativas: nas vias navegáveis internas todo o tráfego marítimo foi interrompido.
Na noite de 18 de junho, um destacamento de oitocentos homens da Volkspolizei ocupou as minas de carvão em Zwickau e Oelsnitz. Eles ficaram cara a cara com quinze mil mineiros que exigiam a libertação de seus camaradas presos. As manifestações continuaram na Leuna-Werke. Trezentos membros da Volkspolizei juntaram-se aos manifestantes. A infantaria russa abriu fogo e ocupou os prédios da fábrica. Pouco depois, alguns deles foram incendiados.
Naquele mesmo 18 de junho, a resistência se espalhou para a até então pacífica região mineira dos Montes Metalíferos. Oitenta mil mineiros entraram em greve, protestaram e invadiram prédios do partido, prefeituras e escritórios distritais. Nas cidades Johanngeorgenstadt, Marienberg, Eibenstock, Falkenstein e Oberschlema, violentos combates de rua eclodiram, envolvendo tanto a Volkspolizei quanto os russos fortemente armados.
No dia 19 de junho, toda a região mineradora estava em revolta. Cem mil homens fizeram greves e manifestações. Nada menos que sessenta e cinco minas de urânio foram inutilizadas com explosivos, outras foram inundadas. Os russos foram forçados a enviar mais tropas para este canto remoto da RDA do que as que haviam usado em 1945 para a conquista de Berlim[18]. Eles desencadearam uma onda de prisões e execuções, mas a revolta continuou. No domingo, 21 de junho, o estado de exceção foi intensificado. Em resposta, numerosos agentes da Volkspolizei foram linchados. Só após dez dias inteiros de luta amarga e repetidamente reacendida, os russos conseguiram controlar a situação.
Na sexta-feira, 19, e sábado, 20 de junho, a luta dos trabalhadores continuou em outras partes da Alemanha Oriental. Warnemünde e Rostock foram palco de confrontos violentos. Em Dessau, no curso superior do Elba, o pão não estava mais disponível em nenhum lugar da cidade, mas os trabalhadores não tinham intenção de abandonar sua resistência por esse motivo. Em Mecklemburgo e no Harz, fortes unidades da Volkspolizei se amotinaram; elas se recusaram a atirar. Quando a semana chegou ao fim, novas greves eclodiram em vários locais, desta vez principalmente em empresas menores. Os comitês de greve, formados imediatamente, declararam que o trabalho só seria retomado quando o estado de exceção fosse levantado, as exigências dos trabalhadores fossem atendidas e os militares tivessem desocupado as fábricas.
No final das contas, as massas não foram páreo para as adversidades esmagadoras. Após serem reconduzidos por metralhadoras de volta aos locais de trabalho, após os muitos mortos terem sido enterrados, os vários “líderes” capitalistas de estado do SED se recuperaram do choque. O poder que a classe trabalhadora havia conseguido desenvolver em sua revolução proletária os fez tremer. Eles reagiram ao medo com vingança judicial. Após a onda revolucionária, uma onda de terror varreu o país.
As contradições sociais que fundamentaram a resistência dos trabalhadores obviamente não foram eliminadas. Obviamente, as forças que se manifestaram durante a revolta de junho não puderam ser erradicadas. Afinal, elas sempre estiveram e estão presentes na classe trabalhadora. Elas surgem de sua posição no processo de produção.
Enquanto qualquer sociedade for organizada com base no trabalho assalariado, uma revolução dos trabalhadores assalariados é algo que paira sobre ela como uma espada de Dâmocles. Os trabalhadores da Alemanha Oriental mostraram como se deve imaginar uma revolução proletária[19].
[1] Este texto foi traduzido diretamente a partir do holandês, tendo como base sua edição de 1978, revisada pelo próprio Cajo Brendel e publicada pelo grupo Daad en Gedacht (Ação e Pensamento). Disponível em: https://www.daadengedachte.nl/brochures-dg/de-oost-duitse-arbeidersopstand-van-1953/. Traduções para outros idiomas podem ser consultadas em: De Arbeidersopstand van 1953 in de DDR [Alemão], L’insurrection ouvrière en Allemagne de l’Est, juin 1953 [Francês] e The Working Class Uprising in East-Germany June 1953 [Inglês] (N.T.).
[2] Essa ampla avenida, originalmente chamada Frankfurter Allee, foi novamente rebatizada de Frankfurter Allee em 1956, após a desmitificação de Stálin (N.A.).
[3] Tratam-se de Otto Grotewohl, primeiro-ministro da RDA de 1949 a 1964, e Walter Ulbricht, político e Primeiro Secretário do Partido Socialista Unificado da Alemanha de 1950 a 1971 (N.T.).
[4] Henriette Roland Holst. Revolutionaire massa-aktie, Rotterdam, 1918, p. 372.
[5] Rosa Luxemburg. Brief aan Mathilde Wurm, escrito em 16 de fevereiro de 1917 na prisão (Fortaleza de Wronke), citado em: Paul Fröhlich. Rosa Luxemburg. Gedanke und Tat, Hamburgo, 1948, p. 117.
[6] Sozialistische Einheitspartei Deutschlands (SED), Partido Socialista Unificado da Alemanha, fundado em 1946 pela fusão do KPD e SPD na zona soviética, foi o partido dominante da RDA, exercendo controle total sobre o Estado e a sociedade até 1989. Com a reunificação da Alemanha, transformou-se no partido Die Linke (N.T.).
[7]Joachim G. Leithäuser, Der Monat, outubro de 1953, p. 46 (N.A.).
[8] Joachim G. Leithäuser, Der Monat, setembro de 1953, p. 613 (N.A.).
[9] Konrad Adenauer era chanceler da República Federal da Alemanha Ocidental na época; Erich Ollenhauer era o líder do Partido Social-Democrata da Alemanha Ocidental; Jakob Kaiser era um dos líderes do Partido Democrata Cristão na Alemanha Ocidental; e Ernst Reuter era prefeito de Berlim Ocidental na época (N.A.).
[10] Kurt Walter Barthel (1914 – 1967) foi um escritor, poeta e dramaturgo alemão. Foi membro da Câmara Popular da RDA de 1950 a 1958 e membro do Comitê Central do SED de 1954 a 1967 (N.T.).
[11] O SED hesitou por um bom tempo se permitiria tal reunião. A permissão para isso foi dada apenas no último momento. Foi assim que o “bom e legalmente garantido direito à liberdade de expressão” se apresentou na prática, sobre o qual Kuba escreveu baboseiras posteriormente no Neues Deutschland (N.A.).
[12] Leipziger Volkszeitung, 23 maio 1953 (N.A.).
[13] Comunicação de um dos operários da construção envolvidos à redação do Der Monat, ver o número de setembro de 1953, p. 601 (N.A.).
[14] Henriëtte Roland Holst, Os meios de luta da revolução social, Amsterdã, 1918, p. 16 (N.A.).
[15] A Leuna-Werke (indústria química) era a maior empresa da RDA, com um total de 28.000 funcionários (N.A.).
[16] Ernst Rudolf Johannes Reuter (1889 – 1953) foi prefeito de Berlim Ocidental de 1948 a 1953, durante a Guerra Fria (N.T.).
[17] Pouco mais de três anos depois, no final de outubro e início de novembro de 1956, o exemplo foi seguido. Durante a revolução húngara, os trabalhadores de Budapeste e de outras cidades conseguiram tirar de combate vários tanques russos, com a ajuda de coquetéis molotov improvisados (N.A.).
[18] Vide Der Monat de outubro de 1953. Além da força russa, há também informações sobre a fragilidade das forças militares envolvidas. Isso consistia no fato de que, mesmo entre os soldados e oficiais russos, havia simpatia pelos trabalhadores. Alguns, como os simpatizantes da Volkspolizei, pagaram por essa simpatia com a morte por fuzilamento. Outros conseguiram fugir para o Ocidente. Entre estes últimos estava o major russo Nikita Ronschin. Ele relatou que pelo menos dezoito soldados russos foram executados (Der Monat, outubro de 1953, p. 66.) (N.A.).
[19] Ao escrever esta brochura, baseamo-nos em diversas publicações, cujo valor advém principalmente dos numerosos depoimentos de participantes/testemunhas oculares. Gostaríamos de mencionar: Arno Scholz e Werner Nieke, “Der 17. Juni, die Volkserhebung in Ostberlin und in der Sowjetzone”, Berlin-Grunewald 1953; as sínteses publicadas por Leithäuser em “Der Monat”; o ensaio de Fischer “Dois Dias que Abalaram o Mundo Soviético” na Readers Digest de dezembro de 1953; vários ensaios na imprensa sindical da Alemanha Ocidental; e, finalmente, o livro abrangente de Stefan Brant, publicado muito mais tarde, “Der Aufstand, Vorgeschichte, Geschichte und Deutung”, des 17. Juni 1953, Stuttgart 1954 (N.A.).
Traduzido por Vinícius Posansky.
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