
O movimento anticolonial no Vietnã*
Loren Goldner é um escritor que na época da publicação do artigo vivia em Cambridge, Massachussets. Seu artigo mais recente na New Politics, “The Cia and the Portuguese Revolution”, foi publicado na edição de inverno de 1997.
Ngo Van é um revolucionário vietnamita que hoje vive, aos 84 anos de idade, em Paris. Quando seu livro† foi publicado na França em 1995, imediatamente gerou grande interesse e o objetivo desta resenha é chamar ainda que modestamente a atenção do público estadunidense para esse livro[1]. O livro de Ngo Van é único assim como sua vida foi única; seu livro é o primeiro relato completo do movimento anticolonial no Vietnã de 1920 a 1945 feito por alguém que viveu muito daquele período como militante trotskista. Com toda a chuva de críticas pós-modernistas contemporâneas sobre escutar as “outras vozes”, aqui finalmente um revolucionário marxista vietnamita está contando sua história não para afirmar sua diferença irredutível, mas sim, muito pelo contrário, para contribuir para uma reconstituição do tipo de internacionalismo real que foi enterrado nos anos 1960 e 1970 sob a fanfarra e as bandeirinhas stalinistas em defesa da Frente Nacional para a Libertação (FNL), ajudando a abrir caminho para a subsequente desilusão e o cinismo resignado e confortável dos pós-modernistas acadêmicos que conseguiram, pelo menos na academia dos Estados Unidos, se estabelecer como a voz autêntica do Terceiro Mundo. Ngo Van comeu o pau que o diabo amassou não na luta para se tornar professor titular em algum câmpus da Ivy League mas contra as ondas sucessivas de repressão stalinista francesa, japonesa e vietnamita daqueles que, como ele próprio, encetaram um movimento pela emancipação de trabalhadores e camponeses contra os dois poderes coloniais e, então, contra a burocracia nacionalista totalitária de Ho Chi Minh, que eventualmente saiu vencedora.
Ngo Van é, além disso, uma espécie de figura renascentista. Nasceu fora de Saigon em 1913, para onde se mudou em 1927 para trabalhar e em 1932 se envolveu com a política anticolonial e, por fim, trotskista. Esteve na prisão com Ta Thu Thau, o líder trotskista vietnamita, mas, diferente de Ta Thu Thau, ele sobreviveu ao massacre stalinista dos trotskistas no Vietnã em 1945. Ele se mudou para a França em 1948 e, nos 30 anos seguintes, ganhou a vida lá como trabalhador fabril. Durante esse período, se afastou do trotskismo e entrou na órbita da conselhista Information et Correspondance Ouvrières (ICO), publicando em sua editora seus artigos sobre os eventos na Indochina nos anos da Guerra do Vietnã. Também conseguiu, quando ainda era trabalhador fabril, escrever um estudo sobre divinação, magia e política na China antiga. Em 1978, finalmente conseguiu se aposentar e se debruçou em 17 anos de pesquisa e escrita que resultaram neste livro. Ademais, a capa é uma bela pintura expressionista chamada “Saigon em insurreição”, de Ngo Van.
Leitores do livro de Ngo Van que viveram os anos de maior envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã e do movimento antiguerra aqui e na Europa se arrependerão amargamente que parece que estavam 25 ou 30 anos atrasados para ter seu impacto político máximo. (Quando perguntei a Ngo Van, talvez impetuosamente, por que ele não havia escrito naquela época, ele respondeu que isso era impossível por causa do seu trabalho na fábrica.) O terceiro-mundismo da esquerda Ocidental dos anos 60 tinha Mao Tsé-Tung, Ho Chi Minh, Che Guevara e Fidel Castro como seus ídolos e a consciência da história das oposições de esquerda a esses stalinistas era quase que um conhecimento especializado. No caso do Vietnã, em particular, a situação era complicada pelos próprios trotskistas ocidentais[2] (sobretudo na França e nos Estados Unidos), que estavam tão ansiosos para aparecer como os “melhores construtores” do movimento antiguerra a favor da FNL que a história real de seus camaradas vietnamitas era quase uma vergonha, uma “história antiga” com nenhuma relevância para as demandas do presente.
O que torna o caso do Vietnã[3] tão interessante é que o único país no qual o movimento trotskista, no final dos anos 1930, de fato superou em organização os stalinistas na política de massas[4].
Ngo Van fornece um relato longo e detalhado da efervescência dos anos 1920 na intelligentsia vietnamita[5], muito dele no exílio em Paris, em sua evolução (comum a uma série de países asiáticos) do nacionalismo ao comunismo. O Partido Comunista Indochinês (PCI) foi fundado a partir dessa efervescência em 1930. Logo, a história do movimento anticolonial no Vietnã, como na maioria dos outros países, se tornou necessariamente vinculada às vicissitudes da Internacional Comunista (IC). O fiasco da IC na China em 1927[6] abriu o caminho para o assim chamado “Terceiro Período” (1928-1934) da Comintern, uma política de “classe contra classe” que retratava os social-democratas e outros reformistas como “o inimigo principal”, o que, no mundo colonial, depois do período anterior de flerte excessivo com o nacionalismo burguês, enviou os partidos comunistas em políticas aventureiras agressivas. A insurreição de Yên Bái em fevereiro de 1930, organizada por nacionalistas burgueses, permitiu que o PCI se lançasse em três anos desse tipo de ação, todas afogadas em repressões sangrentas, o que quase levou ao desaparecimento do partido. No final das contas, o balancete foi de 4 mil prisões e 1.760 mortos na repressão. No decorrer do período de 1931-33, uma corrente dissidente, influenciada pela Oposição Internacional de Esquerda, se solidificou em torno de Ta Thu Thau, em oposição ao putschismo do Terceiro Período.
Assim como o massacre de Xangai de 1927 havia aberto caminho para o “Terceiro Período”, a catástrofe do triunfo de Hitler na Alemanha marcou seu fim. Após as revoltas fascistas na França em fevereiro de 1934, estava em curso uma nova fase de colaboração da Comintern com partidos burgueses contra o fascismo, a Frente Popular. No Vietnã esse período foi o pano de fundo do incomum codomínio por stalinistas e trotskistas[7] do jornal La Lutte, até que, em 1937, uma diretiva de Ho Chi Minh alinhou os militantes do PCI contra os “irmãos gêmeos do fascismo”, colocando de lado toda a agitação anticolonial a serviço da Frente Popular. Este período viu uma fase de atividade eleitoral na qual tanto stalinistas quanto trotskistas conquistaram assentos na câmara municipal de Saigon, um órgão impotente que, não obstante, lhes oferecia certa tribuna pública enquanto os obrigava a amenizar sua política. Em 1936-37, no entanto, a enorme onda de greves na França teve sua equivalente no Vietnã, onde trabalhadores conquistaram as maiores vitórias da história sob o regime colonial. Esta explosão trabalhadora engendrou uma corrente trotskista mais radical em torno de um novo jornal, o Le Militant. A diretiva de maio de 1937 de Ho Chi Minh ordenando que o PCI rompesse com o La Lutte foi uma resposta direta à radicalização da onda de greves e em sintonia com a orientação conciliatória da Frente Popular e do Partido Comunista Francês (PCF) na metrópole e com a política geral da Comintern. Em 1938, depois de os stalinistas se reagruparem em torno de seu próprio jornal, o L’Avant-Garde, os trotskistas, surfando na energia da onda de greves, venceram as eleições municipais de Saigon e, em 1939, conquistaram 80% dos votos para a câmara municipal colonial de Cochinchina, o auge de sua influência antes da insurreição de 1945. Isto constitui, que eu saiba, o único exemplo antes de 1945 em que a política da “revolução permanente” orientada à oposição operária e camponesa ao colonialismo venceu, ainda que efemeramente, a “teoria dos estágios” stalinista em uma arena pública.
A eclosão da II Guerra Mundial deu fim a esse período de oposição legal. As autoridades coloniais francesas reprimiram impiedosa tanto o PCI como os trotskistas. Depois da queda da França, os japoneses assumiram controle do Vietnã, mas permitiram que o exército e a polícia pró-Vichy continuassem a administrar a colônia. Em dezembro de 1940, o PCI tentou outra insurreição, como aquelas de 1930-31, que novamente foi abatida sangrentamente. Por vários motivos, o PCI sobreviveu à II Guerra mais intacto do que os trotskistas, que não tinham recursos internacionais aos quais recorrer. (Em 1945, por outro lado, as forças de Ho Chi Minh estavam trabalhando com o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) estadunidense).
Com a derrota iminente do Japão, a história de Ngo Van chega a seu dénouement [desenlace], a insurreição de Saigon de agosto e setembro de 1945. (É também neste momento que seu livro coincide com o de David Marr‡, que será discutido momentaneamente). No vácuo de poder no fim da guerra, a população vietnamita pensou que havia chegado a hora da independência. Com esse estado de espírito, duas perspectivas colidiram: aquela dos trotskistas, que tentaram aplicar uma política de “revolução permanente” baseada nos trabalhadores e camponeses pobres, e aquela do PCI stalinista, agora reconstituído como o Viet Minh, que acreditava, ou ao menos dizia acreditar, que a independência poderia ser conquistada através de negociações. A questão concreta, em agosto e setembro de 1945, era a resistência armada às expedições chinesas, inglesas e francesas enviadas para restaurar a autoridade colonial Aliada. (É necessário se lembrar que com ministros comunistas no governo provisório em Paris, era plausível que o PCI argumentasse que a independência era negociável, ao menos antes dos massacres na Argélia e no Madagascar executados por este mesmo governo demonstrarem que a verdadeira posição do PCF acerca da questão colonial. O PCI também deveria saber que não havia estipulação para a independência indochinesa nos acordos de Yalta.)
Embora os trotskistas tenham sido enfraquecidos pela guerra, eles ressurgiram nas ruas expressando diretamente um ânimo popular poderoso pela independência imediata e pela resistência armada à restauração colonial. O movimento de resistência Viet Minh, contudo, havia tomado o governo local em boa parte do país e estava manobrando para se posicionar contra todos os adversários. Em 2 de setembro de 1945, o Viet Minh declarou independência e uma semana depois deu boas-vindas à chegada das tropas britânicas[8]. Em 23 de setembro, a população de Saigon se ergueu e cercaram durante dias as forças estrangeiras no centro da cidade, deixando-as isoladas dos suprimentos, mas, em outubro, os franceses haviam lutado e escapado e restabelecido o controle. Durante este período, os grupos de extermínio do Viet Minh estavam eliminando os trotskistas, seus principais rivais sérios de esquerda onde conseguissem encontrá-los. Isso foi seguido por meses de manobras internacionais, durante os quais o controle francês sobre a Indochina foi restabelecido. A estratégia do Viet Minh de independência negociada havia sido um fracasso. Ho Chi Minh viajou para a França para mais negociações, que também fracassaram. Em março, 1946, Ho teve que confrontar uma multidão em Hanói, chocada pelo restabelecimento do poder francês, gritando “eu juro, eu não traí vocês!” Quase imediatamente após isso, começaram 30 anos de guerra: primeiro contra os franceses, depois, contra os estadunidenses.
O livro de Ngo Van é acima de tudo uma homenagem a diversas gerações de lutadores e revolucionários anticolonialistas, agora esquecidos ou caluniados como “traidores” na história oficial stalinista ou rebaixados a notas de rodapé em estudos mais acadêmicos. Sua narrativa é elevada pelo (discreto) pano de fundo autobiográfico. Só pode se torcer por uma tradução completa para o inglês, pois não há livro melhor sobre a revolução vietnamita até 1945.
O livro de Ngo Van também oferece uma perspectiva a partir da qual considerar, em contrapartida, um tipo de estudo completamente diferente daquele escrito pelo professor australiano David Marr, Vietnam 1945. Ainda que seja bastante injusto criticar Marr por não ser um revolucionário vietnamita, é decerto impressionante que ele consiga escrever um livro de 600 páginas sobre muitos dos mesmos eventos narrados por Ngo Van (embora, é claro, muito mais dedicado ao ano crucial de 1945 e ao contexto internacional) enquanto faz nada menos que umas 20 e poucas referências ao trotskismo vietnamita e virtualmente nenhuma substancial. A foto de apresentação do autor na sobrecapa é ele em uma conversa amigável com o burocrata stalinista, Tran Van Giau, que organizou a tomada de Saigon pelo Viet Minh e que ordenou a eliminação física de muitos trotskistas também é para se pensar. Nesta resenha, portanto, o livro de Marr será considerado primariamente no que toca as questões políticas suscitadas por Ngo Van.
Anteriormente, Marr havia escrito dois estudos bastante interessantes sobre a formação da intelligentsia nacionalista no Vietnã e sua história subsequente até 1945[9]. Seu novo livro apresenta uma massa de material igualmente interessante sobre este ano decisivo e o contexto relevante imediato. O autor consultou fontes em todos os idiomas relevantes, inclusive vietnamita, chinês e japonês. Ele com certeza não é um ingênuo amigo de viagem do regime vietnamita atual e diz categoricamente que a grande maioria das fontes históricas oficiais de Hanói “alisaram fios de cabelos de anjo” em sua apresentação e interpretação desses eventos. Provavelmente, a parte mais original do livro de Marr é sua história social da insurreição de 1945 fora de Hanói.
O livro de Marr começa com o “golpe” japonês de março de 1945, no qual o Japão pôs fim à administração policial e militar francesa da Indochina, em efeito desde 1940.[10] Uma situação de crise social e colapso iminente foi criada não apenas pela propínqua derrota do Japão, mas também pela enorme fome durante o inverno excepcionalmente cruel de 1944-45, que Marr estima ter matado 1 milhão de vietnamitas, em grande parte devido ao colapso do transporte sob o bombardeio aliado e também à indiferença tanto das autoridades japonesas como francesas.
Marr também oferece um material interessante sobre as tentativas dos japoneses de se apresentarem aos vietnamitas como libertadores da Ásia do colonialismo “branco” e sobre a marca profunda que a tecnologia militar de ponta e o dinamismo de uma potência asiática tiveram em uma população há muito colonizada. Ele dedica um longo capítulo às atividades do tempo de guerra do PCI e do Viet Minh, particularmente na preparação para a insurreição de agosto e setembro. Como história social que se baseia em muitas fontes originais, este relato, como seu relato subsequente da insurreição em si, provavelmente é insuperável em amplitude e profundidade na escrita contemporânea sobre o assunto[11] (é difícil imaginar muitos outros escritores tendo acesso a fontes em tantos idiomas quanto Marr). Contudo, é precisamente aqui que é sentida a presença aguda do ponto de vista “partidário” de Ngo Van, não para concordar ou discordar, mas meramente para se ter consciência das questões como elas foram colocadas por muitos atores. Marr não está, como veremos em um momento, escrevendo o tipo de “nova história social” contemporânea que relega toda política ao epifenômeno e a notas de rodapé, mas fica a sensação (supondo boa fé) de que ele simplesmente nunca considerou ou foi confrontado com a ideia de que havia outra corrente de séria dimensão entre as forças anticoloniais no Vietnã e que a destruição dessa força pelo Viet Minh decididamente deu forma à toda a história que ele está narrando. Assim, em alguns parágrafos, ele se refere à execução de Ta Thu Thau “por um grupo Viet Minh local[12]” e diz que “seus esforços frenéticos para mobilizar uma alternativa anti-imperialista ao Viet Minh no norte geraram poucos frutos[13]”.E isso, com 20 e poucas referências de passagem sem nenhuma importância, é tudo o que Marr tem a dizer sobre a intervenção e a eliminação física de uma força política que, em 1938-39, estava derrotando o PCI nas eleições e que, em 1945, o companheiro de contracapa de Marr, Tran Van Giau, estava enfileirando e executando às dúzias.
Marr diz no prefácio:
A história não são todos os eventos épicos: pessoas “pequenas” fazendo coisas aparentemente desimportantes podem às vezes influenciar o curso dos acontecimentos. Mesmo quando não há efeito demonstrável, precisamos nos lembrar ocasionalmente que vidas estão sendo perseguidas […]. Sem se empenhar de modo algum em escrever uma história da “parte de baixo”, apresentei visões ocasionais desde baixo quando as fontes permitiam. (p. xxv)
No entanto, no caso dos trotskistas, houve um efeito visível, havia fontes (começando com as montanhas de vilificação deles) e ainda assim eles não foram incluídos no livro de Marr.
Seria ridículo dizer que o que determina o sucesso ou não da enorme pesquisa de Marr é seu fracasso em mostrar o trotskismo vietnamita em sua dimensão verdadeira, mas esse fracasso de fato demonstra uma falta de julgamento político que deve levantar questões sobre outras seções, sobre as quais não tenho competência especial para comentar. Seus longos capítulos sobre as manobras da China, dos Estados Unidos, da Grã Bretanha e da França e como exerceram seus respectivos programas no Vietnã em 1945 são cheias de detalhes ricos; como indicado antes, seu capítulo sobre a insurreição de 1945 fora das grandes cidades (às quais a maioria dos relatos anteriores se limitaram) é provavelmente um avanço real na pesquisa. Marr acha, ademais, que se a insurreição tivesse ocorrido apenas em Hanói, ela poderia ter sido derrotada pelos chineses ou pelos franceses; sem dúvida, a capacidade dos Viet Minh de eliminar os trotskistas com tão poucas consequências negativas para eles mesmos tinha algo a ver com a profundidade de sua organização rural (de fato, antes da guerra, o PCI sempre havia sido mais efetivo na população rural, e os trotskistas, nas cidades).
Contudo, mais uma vez, Marr nunca encara de frente o fracasso da estratégia Viet Minh de independência negociada em 1945-46 e em lugar algum menciona o comício em Hanói de março de 1946 no qual Ho Chi Minh teve de arguir com uma multidão cética que ele não os havia traído. É bem possível que os trotskistas vietnamitas estivessem errados em achar que era possível, em agosto e setembro de 1945, realizar uma “revolução permanente” contra a força combinada dos Aliados, mas os stalinistas vietnamitas certamente estavam errados em achar que poderiam negociar a independência com o governo provisório francês e seus ministros do PCF. O fato de Marr nunca considerar o rico material à sua disposição à luz deste problema é um sinal inequívoco de que ele não buscou todos os “efeitos demonstráveis” dos pensamentos e ações dos revolucionários esquecidos de Ngo Van.
* Tradução de Thiago Papageorgiou da resenha The Anti-Colonial Movement in Vietnam, de autoria de Loren Goldner, originalmente publicada em New Politics, vol. 6, nº 3, verão de 1997,feita a partir da transcrição disponível em https://archive.newpol.org/issue23/goldne23.htm. [n. t.]
† Ngo Van, Vietnam 1920-1945, Révolution et contre-révolution sous la domination coloniale (Paris: L’Insomniaque, 1995, 444 páginas).
[1] Uma versão muito resumida do livro Ngo Van, que não possui muito do rico contexto e detalhamento histórico e que nunca corrige a impressão de que o autor é um trotskista ortodoxo, está disponível em inglês com o título Revolutionaries They Could Not Break: The Fight for the Fourth International in Vietnam (London: Index Press, 1995). O título por si só, muito alheio ao original francês e à perspectiva política atual de Ngo Van, diz tudo.
[2] É preciso deixar claro que nem o autor desta resenha nem Ngo Van são trotskistas. Ngo Van foi trotskista antes de 1945, i. e., em uma situação em que o trotskismo internacional, ainda vivendo das energias do próprio Trotsky, parecia ser virtualmente a única oposição de esquerda ao stalinismo, particularmente nos mundos coloniais e semicoloniais. Embora Trotsky estivesse equivocado em uma série de questões na última fase de sua vida, a começar pela natureza da burocracia stalinista na Rússia, ele nunca afundou ao nível da mixórdia proto-stalinista que o trotskismo se tornou na época de Mandel, Frank e Hansen.
[3] É preciso ressaltar que nos anos 1930, a área hoje conhecida como Vietnã era constituída por três áreas distintas: Aname, Tonquim e Cochinchina, todas sob administração francesa. Toda esta resenha utilizará o nome Vietnã. (Indochina, é claro, se refere a Vietnã, Laos e Camboja).
[4] Os trotskistas também tiveram um impacto importante no Ceilão (hoje Sri Lanka), na Bolívia e na Argentina; antes de 1945, porém, o caso do Vietnã era único, até onde sei.
[5] O núcleo deste grupo eram os assim chamados “Cinco Dragões”: Nguyen ai Quoc (mais tarde famoso com o nome de Ho Chi Minh), Phan van Truong, Nguyen an Ninh, Nguyen the Truyen e Phan chau Trinh.
[6] Sob a liderança de Stálin e Bukharin, a IC empurrou o Partido Comunista Chinês a formar uma aliança íntima com o Kuomintang de Chiang Kai-Shek que, em 1927, desarmou a classe trabalhadora de Xangai e lá massacrou milhares de trabalhadores.
[7] Como Ngo Van colocou em uma entrevista após a publicação de seu livro, “a Indochina sob os franceses era uma prisão e não havia nada a se fazer além de se unir contra o carcereiro”. Também foi sugerido que a influência do marxista independente, Nguyen an Ninh, um dos “Cinco Dragões”, possibilitou essa colaboração incomum, já que tanto os intelectuais stalinistas e trotskistas haviam sido profundamente influenciados por ele.
‡ David G. Marr, The Quest for Power (Berkeley: University of California Press, 1995).
[8] Uma crítica que pode ser feita ao livro de Ngo Van é a ausência da discussão da confusão de alguns dos trotskistas quanto à repressão stalinista contra eles, que possivelmente tem suas raízes no período de colaboração de 1933-37 no La Lutte. Esse foi um caso no qual desarmamento teórico precedeu o desarmamento literal. O pano de fundo desta confusão foi a crença dos trotskistas de que os stalinistas eram “mencheviques” e de que eles eram os bolcheviques. Em 12 de setembro de 1945, por exemplo, (num incidente não relatado por Ngo Van) a polícia do Viet Minh em Saigon cercou a sede dos Conselhos Populares pró-trotskistas. Os trotskistas se renderam sem luta. “Nós nos conduzimos como verdadeiros militantes revolucionários. Permitimos que nos prendessem sem usar violência contra a polícia, ainda que estivéssemos em maior número e mais bem armados. Eles saquearam nosso escritório, quebraram móveis, rasgaram nossas bandeiras, roubaram as máquinas de escrever e queimaram todos os nossos jornais” (citado em R. J. Alexander, International Trotskyism (Durham, 1991, p. 970)).
[9] São eles Vietnamese Anticolonialism, 1885-1925 (1971) e Vietnamese Tradition on Trial, 1920-1945 (1981).
[10] O objetivo do Japão em 1940 era, principalmente, fechar a fronteira com a China para evitar que bens chegassem aos exércitos do Chiang Kai-Shek sem ter de assumir os custos integrais de uma ocupação. Os franceses, deste modo, continuaram a administrar a Indochina muito como o regime de Vichy administrou a “zona livre” da França após junho de 1940. Depois da rendição japonesa em agosto de 1945, o jogo virou e o exército japonês foi usado pelos Aliados para policiar partes da Indochina.
[11] Devo ressaltar para fins de esclarecimento, que não sou especialista no Sudeste Asiático e conheço sua história apenas através de relatos convencionais disponíveis em inglês e francês e a partir dos debates do movimento antiguerra nos anos 1960 mencionados anteriormente. Fui motivado da mesma maneira a escrever esta resenha não para estudiosos, mas à luz das questões políticas recentes, de interesse internacional, levantadas pelo livro Ngo Van.
[12] Há versões conflitantes sobre a morte do líder trotskista Ta Thu Thau. Ngo Van apenas diz (p. 344) que ele provavelmente havia sido morto por um comitê popular local em 9 de setembro; Marr afirma (p. 434-435) que ele foi preso e executado em Quang Ngai após um “julgamento perfunctório”; Alexander afirma que ele foi julgado e inocentado três vezes pelo comitê popular e finalmente “executado por ordem do líder stalinista do sul Tran Van Giau” (International Trotskyism, p. 971) (sendo que esse último é a figura que aparece na sobrecapa do livro de Marr em uma conversa com o autor). Mais conhecidos e documentados são os relatos de Ho Chi Minh sobre a morte Ta Thu Thau durante sua viagem a Paris para negociações no final de 1945. Ao ser perguntado sobre isso pelo trotskista francês Rodolphe Prager, Ho “respondeu que Ta Thu Thau e outros líderes trotskistas realmente eram revolucionários e que era uma grande pena que eles tinham sido mortos, mas que isso havia sido feito por oficiais locais do Viet Minh em condições nas quais era impossível para aqueles em Hanói controlarem o que todos os líderes locais estavam fazendo” (ibid.). Depois, durante a mesma viagem, porém, a mesma pergunta foi feita a Ho por Daniel Guérin. Guérin gravou a resposta de Ho: “‘Thau era um grande patriota e choramos sua morte’, Ho Chi Minh me disse sem fingir emoções. Mas um momento depois ele acrescentou em uma voz firme: ‘Todos aqueles que não seguirem a linha que eu impus serão esmagados” (ibid.).
[13] Marr, p. 137. O capítulo de 90 páginas de Marr sobre o PCI e o Viet Minh, ainda que naturalmente concentrado na guerra e acima de tudo em 1945, não faz menção à história complicada das relações entre stalinistas e trotskistas no Vietnã antes de 1939 nem qualquer menção à dominância trotskista nas eleições de 1938 e 1939. Ao longo de todo o capítulo, os trotskistas são mencionados meramente como outra corrente.
Faça um comentário