
Original in German: Die Arbeit im Sozialismus
Publicado em: Funken, 1954, Nr. 11 (Novembro)
O camarada Pannekoek enviou esta contribuição com uma carta de apresentação, da qual queremos citar primeiro um trecho. Ele escreve:
[…] Eu leio alguns artigos na Funken com grande interesse, mas nem sempre com alegria. Tenho que dar razão àquilo que seus melhores colaboradores frequentemente salientam, ao fato de que os fundamentos marxistas de uma boa práxis socialista estão ausentes. Pois eu mesmo em meus melhores anos participei do movimento socialista alemão (por volta e depois de 1900, primeiro da Holanda, depois na própria Alemanha), sinto que a diferença em relação ao presente é muito grande. Não é de admirar que quando se pensa que desde então os trabalhadores alemães primeiro passaram pelo reformismo e pela I Guerra Mundial, depois por 15 anos de ministerialismo e depois pelo vazio espiritual sob Hitler. Enquanto isso, a nova geração foi enganada vez após vez pela degeneração bolchevique do marxismo. Os socialistas alemães, que agora querem criar uma nova base em um novo modelo teórico fundamental, têm assim de dar dois passos: primeiro, atingir novamente o nível da consciência teórica que o SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands – Partido social-democrata alemão] possuía por volta de 1900; e então retomar as abordagens para o posterior desenvolvimento da teoria e da tática como surgiram entre os anos de 1903 e 1914 nas discussões do partido e até 1920 na luta prática (imperialismo, debates sobre a greve de massas e as ações de massa) e dar continuidade a elas. Naquela época e nos anos 1920, foram desenvolvidas muitas novas ideias valiosas e profícuas, mas elas atingiram apenas pequenos grupos; e tudo se perdeu em jornais e revistas que são difíceis de encontrar. O que o SPD aponta agora é um partido completamente burguês, apenas parlamentar, que aspira depois a derrotar o partido cristão através de um excesso de nacionalismo.
Entre os trabalhadores, o principal interesse será dirigido, mais do que a questões organizacionais, à questão do caráter do trabalho no socialismo. Atualmente, a expressão “socialismo” é usada para coisas muito diferentes. Quando falamos de socialismo, sempre pensamos em um sistema de trabalho fundamentalmente diferente daquele do capitalismo. Este não é o caso no capitalismo de Estado russo, ainda que ele se denomine socialismo. Tampouco no caso dos setores da indústria nacionalizados pelo governo trabalhista inglês.
Aqui, os trabalhadores ainda estão subordinados e têm de obedecer ao comando de um diretor nomeado desde cima. Uma mudança fundamental ocorre primeiro quando os próprios trabalhadores são senhores da fábrica, chefiam o aparato produtivo, gerem eles mesmos seu trabalho por meio das decisões conjuntas da equipe. A condição para tal é que os meios de poder do capital através dos quais ele domina a produção sejam exterminados pela revolução da classe trabalhadora. Com isso, a exploração é abolida.
A exploração capitalista significa não só que o capital confiscou o produto do trabalho como sua propriedade e com isso deixou aos trabalhadores apenas a parcela necessária para a vida. Ela também condicionou o caráter particular do trabalho no capitalismo. Esse é o dispêndio da força de trabalho per se, da força de trabalho quantitativa indiferenciada e sua conversão em uma quantia de mais-valor para o capital. O produto mesmo é insignificante contanto que seja vendável. É irrelevante se é uma porcaria ou uma mercadoria de qualidade, se traz alegria para o trabalhador ou se o enoja. Ele não pode expressar seu entusiasmo criativo no produto; ele tem de fornecer uma quantidade tão grande quanto possível de mais-valor por meio do dispêndio de sua força de trabalho até a exaustão. Aqui o ser humano é rebaixado a uma máquina que produz lucro para o capital.
O trabalho no socialismo se diferencia pelo desaparecimento de tudo aquilo que o torna insuportável no capitalismo. Em vez da produção de mais-valor, ele se torna a produção de coisas necessárias à vida e, ao mesmo tempo, atividade natural de todas as forças e faculdades humanas. Quando trabalhadores são os senhores da fábrica e gerem seu próprio trabalho, começam, evidentemente, a eliminar tudo aquilo que fazia do trabalho uma exaustão enfadonha sob o comando dos capitalistas. A repetição sem fim da mesma ação pode ser facilmente substituída por equipamentos automáticos. Por que o capitalismo não faz isso? Porque ele tem à sua disposição força de trabalho que foi rebaixada a autômatos barata o bastante. Igualmente óbvio é o fato de que os trabalhadores não brigarão mais com ferramentas obsoletas e métodos de trabalho improdutivos, mas introduzirão a tecnologia mais avançada em todos em todos os lugares. Com isso, o tempo de trabalho necessário será reduzido significativamente. Além disso, toda a força de trabalho que atualmente serve aos propósitos da produção de guerra, bem como para o luxo e as provisões pessoais da classe dominante, será liberada para colaborar com as necessidades sociais.
Em sua carta impressa na edição de agosto da Funken, Paul Frölich indicou mais um fator da degradação dos seres humanos que trabalham no capitalismo. Através do desenvolvimento da tecnologia e da divisão do trabalho cada vez maior, os seres humanos se tornaram “ferramentas ingênuas, inconscientes deste violento desenvolvimento, partículas mortas da enorme máquina”. “Não conhecem nem as funções nem a finalidade daquilo que produzem”. “O ser humano individual é e se torna cada vez mais parte do todo orgânico. Assim como seu produto, ele se torna um fragmento[1]”. Este é de fato outro aspecto que torna o trabalho no capitalismo uma tortura. Isto fica ainda mais nítido quando o comparamos ao artesanato da Idade Média. Pois o próprio artesão era proprietário de sua ferramenta, de seu meio de produção e podia utilizá-lo de acordo com seu próprio plano. Aliás, deve se levar em conta que, no capitalismo, a divisão do trabalho, em nome de um lucro maior, é impulsionada muito além do que seria tecnicamente necessário.
No entanto, a divisão do trabalho enquanto estrutura técnica-organizatória quer dizer ao mesmo tempo cooperação. As grandes máquinas e grandes empresas podem ser postas em movimento somente pelas grandes multidões de trabalhadores organizados. Quando se fala de trabalhadores aqui, se pensa naturalmente em todos os funcionários, inclusive os técnicos. Agora isso acontece sob o comando do capital. No socialismo, acontece de acordo com a decisão e a vontade da comunidade daqueles que trabalham, por meio da equipe de funcionários. O trabalho é gerido por aqueles que o executam. Como membro da comunidade, todo indivíduo tem de participar não só do trabalho de fato, mas também do planejamento, da organização, da liderança espiritual. Onde o capitalista comanda a organização e supervisiona o todo, vale o que expressa Frölich: os indivíduos, inclusive os técnicos, trabalham cegamente sem saber o que estão criando. No entanto, quando a comunidade precisa ela própria delinear, decidir e efetuar a organização do trabalho, ela também enxerga claramente e sabe o que está criando. E todo membro da comunidade, porque discute com ela, decide e executa, compartilha dessa compreensão. O fato de ele ser uma parte do todo orgânico não é, portanto, um mal, mas uma sorte, não uma degradação de sua personalidade, mas um engrandecimento[2]. O ser humano socializado não é uma degeneração degradada, mas uma forma superior da humanidade. Ele é o novo ser humano do futuro, portador de uma cultura superior.
Então está claro que por meio desse reordenamento do trabalho foram revolucionadas todas as bases dos sentimentos, pensamentos e ações dos seres humanos. A partir da constante colaboração em tarefas comuns, nasce um sentimento de comunidade cada vez mais forte que predomina cada vez mais no caráter dos seres humanos. É a formação mais ampla da solidariedade que antes florescia na luta de classes e que se torna cada vez mais um traço sólido dos trabalhadores na árdua luta pela destruição da dominação capitalista que se encontra diante de nós.
E, por fim, é questionável se ainda será possível chamar o trabalho, isto é, a atividade humana, por esse nome. No capitalismo existe uma diferença fundamental entre trabalho e lazer. No momento em que acaba a labuta do trabalho imposto, começa a vida livre de cada um. Contudo, se por meio do aumento da produtividade, a subsistência de todos for garantida com menor esforço, então a atividade dos seres humanos será cada vez mais dirigida a criar obras que tornam a vida mais rica e a Terra mais bela. Quando tais objetivos ocupam constantemente os pensamentos, a contradição entre trabalho e lazer some na atividade da construção de um novo mundo.
[1] Não conseguimos encontrar esta carta nem a respectiva edição da Funken; Pannekoek cita as três passagens assim, separadas por aspas, como se fossem de trechos diferentes da carta. [n. t.]
[2] Aqui Pannekoek faz uma referência à discussão de Marx sobre o trabalho produtivo no capítulo 14 do primeiro livro de O capital, Mais-valor absoluto e relativo, em que afirma que “ser trabalhador produtivo não é, portanto, uma sorte, mas um azar” (MEW 23, p. 532). [n. t.]
Traduzido por Thiago Papageorgiou.
Excelente texto. Parabéns.