
Original in English: Serfdom in a Free Society
[Nota do Tradutor – Thiago Papageorgiou]: O ensaio Serfdom in a Free Society, originalmente publicado na Wester Socialist (Boston, EUA, setembro de 1946) foi traduzido com base na transcrição de Adam Buick e na revisão corrigida de Geoff Taugh, disponível no marxists.org.
Na tradução, citaremos a tradução para o português brasileiro de Hayek, O caminho da servidão (Tradução e revisão: Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. 6ª ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), seguida da edição em inglês publicada pela Routledge (F. A. Hayek. The Road to Serfdom. London & New York: Routledge Classics, 2001) entre colchetes; indicaremos correções à tradução como “tradução corrigida” e alterações por questões sintáticas como “tradução alterada”. A obra de Beveridge não possui tradução integral para o português, portanto, traduziremos as passagens a partir das citações de Mattick e indicaremos as referências a partir da edição utilizada por Mattick, disponível no archive.org. Opto por não incluir nestas notas a marcação [n. t.].
Servidão em uma Sociedade Livre
The Road to Serfdom. By Friedrich A. Hayek, University of Chicago Press, 1944 (250 pp.; $2.75).
Full Employment in a Free Society. By William H. Beveridge. W. W. Norton & Co., New York, 1945. (429pp; $3,75).
Estes dois livros são dedicados aos “socialistas de todos os partidos”. Hayek quer desencorajá-los, Beveridge tenta encorajá-los. Ambos os autores falam em nome da ciência e lidam com a realidade e a necessidade de planejamento capitalista. Mas o que aparece para Hayek como o caminho da servidão, parece ser para Beveridge a estrada de uma sociedade livre.
A Rússia e a Alemanha provaram para Hayek que o socialismo não leva à liberdade. A garantia mais importante da liberdade, sustenta ele, é um sistema de propriedade privada. Planejamento e liberdade não combinam. Sem um mercado de trabalho e um exército industrial de reserva, por exemplo, a disciplina só pode ser mantida por castigo físico, motivo pelo qual o socialismo implica o trabalho escravo. A “liberdade coletiva” de que os planejadores falam é, na opinião de Hayek, “a liberdade ilimitada do planejador de fazer o que quiser com a sociedade[1]”.
Se o planejamento deve existir, ele deve ser em favor da competição, e não contra ela. E isso, defende Hayek, não deve ser muito difícil, pois “a tendência ao monopólio e ao planejamento não decorre de ‘fatos objetivos’ e incontroláveis, mas de opiniões[2]”. O movimento em direção ao totalitarismo se origina principalmente dos dois grandes interesses escusos: o capital organizado e o trabalho organizado. Estes interesses são prejudiciais ao bem-estar social.
Embora Hayek se compadeça tanto dos pobres capitalistas como dos pobres trabalhadores, ele coloca a culpa de sua situação difícil em seus próprios ombros. “O sucesso do liberalismo”, diz ele, “tornou-se a causa de seu declínio[3]”. Foi a “impaciência […] em face do lento progresso da política liberal[4]” que instigou o “marxismo e foi o marxismo que levou ao fascismo[5]”. Embora tenham lhe oferecido a mão da liberdade, as classes inferiores foram idiotas o bastante para querer o braço inteiro e foram castigadas com a servidão do capitalismo de Estado que, para Hayek, significa “socialismo”.
Culpa o marxismo
Hayek culpa o marxismo pela tendência totalitária, mas seu conhecimento dessa perigosa doutrina é menos que parco. Ele entende o conceito marxiano de acumulação de capital, por exemplo, apenas no sentido tecnológico restrito de “concentração da indústria”. No entanto, para Marx, esta concentração é apenas um aspecto do processo de acumulação. Ademais, Hayek pressupõe que o marxismo fomenta a concentração industrial no interesse do Estado totalitário emergente. Ele próprio acha melhor que os meios de produção estejam em “muitas mãos”. Mas para o marxista a questão não é transferir o controle dos meios de produção de muitas a menos mãos e, eventualmente, a uma mão, mas de eliminar o controle dos meios de produção por “mãos” enquanto tais, seja uma, sejam várias.
Hayek acha melhor ter os meios de produção em muitas mãos, mas não diz em quantas. Em que momento o processo de concentração da indústria deve ser encerrado? Na realidade, é claro, não pode ser encerrado a não ser que a acumulação de capital seja interrompida, isto é, se o próprio capitalismo não for abolido; e Hayek está determinado a salvá-lo. Mas ele não pode admitir que o capitalismo leva por si próprio a sistemas de capitalismo de Estado. É por esse motivo que ele descreve o crescente fascismo no interior da estrutura capitalista como uma abundância de liberalismo. Mas, uma vez que o “sucesso do liberalismo” envolveu a destruição progressiva das liberdades capitalistas, ele pode muito bem ser descrito como o totalitarismo emergente.
A bancarrota de Hayek
Ao contrário daquilo em que Hayek quer que seus leitores acreditem, o “sucesso do liberalismo” fomentou, e não perturbou a competição. A sociedade competitiva de Hayek sempre foi monopolista, isto é, o monopólio capitalista dos meios de produção e a posição monopolista do Estado. E se a sociedade competitiva tem seus monopólios, a sociedade monopolista não deixou de ser competitiva. Não há necessidade de restaurar a competição; ela nunca nos abandonou. Tudo que aconteceu é que o capitalismo e a acumulação de capital se espalharam. Por causa do processo de acumulação, a competição de Hayek se tornou competição monopolista e a competição monopolista levou à competição entre Estados totalitários. No Estado totalitário, todas as camadas estão engajadas nele até a morte. Assim, o capital finalmente triunfou sobre toda a humanidade. O capitalismo “ideal” é sempre o atual e, quer Hayek goste ou não, o princípio da competição capitalista só se realiza plenamente na guerra total.
Sem dúvida, o ataque de Hayek àqueles que se referem à servidão totalitária como uma “nova liberdade” é completamente justo. Porém, quando fala em nome da “antiga liberdade” do capitalismo liberal, ele apenas equipara “meras palavras” com “meras palavras”. Ele deveria saber, e provavelmente sabe, que suas propostas tanto nos campos nacional como internacional para refrear a tendência capitalista ao totalitarismo não podem ser concretizadas e, mesmo que pudessem ser concretizadas, somente trariam mais uma vez à tona o que pretendiam destruir. Esta situação desesperada reduz o economista, Hayek, a um mero propagandista da livre iniciativa. Por isso a popularidade de seu livro, que não é mais do que um testemunho da bancarrota de seu autor e dos interesses que ele representa.
II
Beveridge é o propagandista dos “adversários” de Hayek. Ele representa uma forma estendida de totalitarismo distinta da grife restrita de Hayek. Consequentemente, há mais “pró-marxismo” em Beveridge do que há “antimarxismo” em Hayek. No entanto, Marx é meramente pilhado, e nunca é mencionado por Beveridge e mesmo assim apenas de segunda mão por meio de Keynes. Beveridge considera esta uma sequência a sua obra Report on Social Insurance [Relatório sobre a previdência social], publicada anteriormente. Desta vez, porém, ele escreve não como um “ministro temporário”, mas como um “cidadão privado” preocupado com o desemprego, que o interessa tanto não por causa de seus males “físicos” quanto por causa de seus males “morais”. “O maior mal do desemprego não é a carência que ele pode ocasionar”, diz ele, “mas o ódio e o medo que gera”, assim “como o maior mal da guerra não é físico, mas espiritual, não as ruínas das cidades e a matança de corpos, mas a perversão de tudo aquilo que há de melhor no espírito do homem[6]”. Planejar pelo pleno emprego, então, serve antes de tudo à regeneração espiritual do homem.
Depois do sermão, a obra começa. A regeneração do homem deve ser justificada através do uso de dados estatísticos, argumentação rigorosa, termos técnicos e diversos apêndices, bem como um índice. Descobrimos que a carência é uma falta de renda, e a ausência de carência, o resultado de renda suficiente. Para a maioria das pessoas, uma renda implica emprego. Para abolir a carência, deve ser garantido o emprego. Somente o Estado pode fazer isso com eficiência. Deve se possibilitar que ele planeje o pleno emprego.
Pleno emprego significa que “sempre deve haver mais vagas de trabalho do que homens desempregados”, que “o mercado de trabalho deve sempre ser um mercado de vendedores em vez um mercado de compradores[7]”. Deve haver um ponto final a todas as práticas restricionistas, sejam elas exercidas pelo capital ou pelo trabalho organizado. É claro, não pode existir uma abolição completa do desemprego. Em algumas de suas formas, ele é um acompanhamento necessário da mudança econômica. Mas o desemprego inevitável deve ser de curto prazo e deve ser enfrentado satisfatoriamente por meio da previdência social.
No passado, o mercado de trabalho sempre foi um mercado de compradores. Beveridge percebe que alterar isto mudaria muitas instituições existentes. Hayek teme que estas mudanças evoluiriam para o trabalho escravo. Mas Beveridge, embora admita o perigo, crê na possibilidade de evitá-lo. Ele acha possível “fazer com que a Grã Bretanha seja novamente uma terra de oportunidades para todos[8]” (o que ela nunca foi). Admite, naturalmente, que “o problema de manter o pleno emprego é mais complicado em uma sociedade livre do que seria em um regime totalitário[9]”. Contudo, de seu ponto de vista atual, ele ainda considera isso alcançável. No entanto, se a experiência demonstrasse que “a abolição da propriedade dos meios de produção é necessária para o pleno emprego, esta abolição teria de ser levada a cabo[10]”.
Beveridge se recusa a tomar parte nas querelas de hoje entre a propriedade privada e o controle estatal pois é favorável a ambas, seja separadamente ou de maneira mista. E porque é a favor de ambas, crê estar em uma posição neutra e imagina que suas propostas são igualmente necessárias e aplicáveis ao liberalismo, a uma economia mista, ao Estado totalitário, ou até mesmo ao “socialismo” como ele o entende.
Aparentemente Beveridge sabe que não é o mercado, mas o controle capitalista dos meios de produção que força os trabalhadores a aceitarem suas condições miseráveis. A exploração continua independente do clima do mercado, embora continue ainda melhor na presença do desemprego. Mas até mesmo a perda completa do mercado de trabalho deixa intactas todas as medidas de controle essenciais. Os campos de trabalho forçado não precisam ser instalados de uma vez; a ideologia correta, junto das organizações operárias corretas, ainda devem funcionar em países como os Estados Unidos e a Inglaterra.
Ao diagnosticar o desemprego, Beveridge descobriu que “a relação da demanda total com a oferta total é o elemento singular mais importante na questão[11]”. A guerra confirmou “a possibilidade de assegurar o pleno emprego pela socialização da demanda sem a socialização da produção[12]”. Para evitar o desemprego, o Estado deve estabelecer
um programa de longo prazo de despesa planejada dirigida pelas prioridades sociais e projetada para dar estabilidade e expansão ao sistema econômico. Seu principal instrumento é um novo tipo de orçamento, fundamental não só para determinar as depesas públicas, mas também para influenciar as despesas privadas.
A ciência econômica de John Maynard Keynes
Teoricamente, esta ideia se baseia no que Beveridge considera a revolução no pensamento econômico iniciada por Keynes. Entre outras coisas, Keynes descobriu em 1936 o que se sabia há um século, a saber, que o emprego depende dos gastos e que o “automatismo” do mercado não garante gasto suficiente para o pleno emprego. Keynes descobriu que nem todas as poupanças são gastas. Se a expectativa de lucros for baixa, haverá pouco incentivo para gastar. Isto resulta em expansão insuficiente de capital e desemprego.
Uma vez que poupanças não gastas tendem a produzir depressões, o resultado é que depressões podem ser curadas pelo gasto das poupanças. Se os capitalistas que fazem as poupanças não encontram maneira de investi-las de modo lucrativo, o Estado deve sempre encontrar maneiras e meios de investi-las independente da perspectiva de lucro. A atividade econômica assim iniciada terá efeitos cumulativos, de modo que o investimento não lucrativo aqui proporcionará investimento lucrativo ali e, por fim, todo mundo sairá ganhando.
O problema econômico, então, é encontrar uma técnica de manipulação que fomentará, direta e indiretamente, investimentos na expansão de capital. A aplicação de Beveridge do princípio de Keynes é resumida em suas sugestões ao Ministro da Economia Nacional. Todo ano o Ministro deve tomar uma decisão cardinal:
depois de estimar quanto, pressupondo o pleno emprego e de acordo com a taxação que propõe, pode se esperar que os cidadãos privados gastem por ano em consumo e investimento privado, ele deve propor naquele ano uma despesa pública suficiente, com esta despesa privada estimada, para empregar toda a força de trabalho do país […]. O Estado deve gastar mais do que extrai dos cidadãos por meio dos impostos, a fim de usar o trabalho e outros recursos produtivos que seriam desperdiçados no desemprego[13].
O Estado pode fazer isso, aponta Beveridge, pois possui um comando ilimitado sobre o crédito da nação. Pode taxar e tomar emprestado e tomar emprestado novamente e liquidar com juros o que tomou emprestado taxando mais uma vez. Em suma, pode continuar a fazer o que está fazendo agora. Ninguém deve ficar alarmado com a probabilidade de uma dívida nacional que aumenta progressivamente. A renda nacional real permanece incólume assim; o máximo que pode resultar da dívida é uma transferência de renda entre diferentes camadas da sociedade. E pode ser que isso nem ocorra , pois “se a cobrança anual de juros é paga a partir dos rendimentos de um imposto de renda que é proporcional à renda, não há transferência alguma em virtude da dívida[14]”.
A Proposta de Kaldor
Para mais detalhes, Beveridge encaminha seus leitores ao trabalho de Nicholas Kaldor sobre Os Aspectos Quantitativos do Problema do Pleno Emprego na Grã-Bretanha[15], que constitui o Apêndice C. Supondo que o governo planejará a taxa de investimento nacional como um todo, e com uma grande série de outras suposições, Kaldor chega à conclusão de que teoricamente não há motivo para que o governo, com a ajuda do Conselho Nacional de Investimento, não seja capaz de garantir estabilidade e adequação na despesa nacional como um todo. É claro, talvez isso fosse verdade, contanto que o grande número de hipóteses e suposições de Kaldor fossem aplicáveis à realidade capitalista, contanto que os controladores e os controlados fizessem todas as coisas que a teoria de Kaldor exige e nada que pudesse perturbar seu funcionamento. Mas nem Kaldor nem Beveridge confrontam suas teorias com as realidades do capitalismo.
Ambos, não obstante, abordam o problema do pleno emprego do ponto de vista das necessidades imediatas e no que diz respeito a suas consequências de longo prazo. À medida que a renda nacional aumenta conforme a acumulação de capital, a política do governo deve ser ajustada regularmente para manter o pleno emprego. A taxa de suas despesas de investimento deve ser aumentada ou a produção crescente deve ser completamente absorvida pelo consumo crescente. “Em última análise”, afirma Kaldor, “o governo pode ter que aumentar a propensão ao consumo com métodos mais radicais de redistribuição de renda – quando não for mais possível arcar com o grau de desigualdade de renda que pode ser sustentado durante o período de investimento relativamente alto[16]”.
A realização de todas as expectativas baseadas na economia keynesiana depende de uma acumulação de capital acelerada. A teoria funcionará contanto que os trabalhadores possam ser explorados o suficiente para fazer com que ela funcione. Embora Keynes tenha dito e Beveridge reafirme que “há espaço para ambos: promover investimento e, ao mesmo tempo, promover consumo[17]”, eles ainda defendem que o investimento vem em primeiro lugar, e o consumo, em segundo. E ainda que seja verdade que os homens devem trabalhar antes de comerem, no capitalismo, uma maior produção não implica um consumo maior para os trabalhadores. E é o consumo dos trabalhadores, nós presumimos, que Beveridge quer aumentar. Até agora, um investimento que cresce progressivamente foi possibilitado pela diminuição progressiva daquela parcela da produção total que atende as necessidades de consumo dos trabalhadores. Sem dúvida, o rápido desenvolvimento da produtividade do trabalho permitiu um aumento nos salários reais. Porém, o aumento do padrão de vida em termos de salários foi possível apenas porque a taxa de exploração cresceu ainda mais rapidamente. Neste sentido, naturalmente, uma acumulação progressiva de capital ainda pode gerar um aumento nos salários reais a despeito da diminuição do consumo dos trabalhadores em relação à produção total. Mas não faz sentido se referir a esse processo como uma “redistribuição de renda”.
Teoria e Prática
A única redistribuição possível por meio de uma acumulação de capital em aceleração é aquela familiar de produzir menos homens ricos e mais homens pobres. Maior investimento gerando maior investimento implica não só o gasto de “poupanças” à mão, mas também a produção de “poupanças” ainda maiores. O mais-valor criado deve criar um mais-valor ainda maior para assegurar uma taxa de expansão do capital suficiente. Chegará um momento em que as necessidades de investimento contínuo excederão os rendimentos da exploração atual, pois, enquanto o capitalismo perdurar, não há limite para o primeiro, mas há limites bastante definidos para o segundo. Independente de quanto crédito o governo possa ter e independente do pouco medo que possa sentir diante da maior das dívidas, a taxa de investimento para que o processo de acumulação prossiga precisará de mais mais-valor do que encontra à disposição. Neste momento, é claro, Kaldor e Beveridge anunciariam que “não é mais possível arcar com o grau de desigualdade de renda” que predominou durante o período de investimento relativamente alto e que esperam que o Estado “aumente a propensão ao consumo[18]” com um decreto governamental.
Aparentemente, então, Beveridge gostaria de acabar com a acumulação de capital por meio da acumulação de capital. Suas sugestões para aumentar tanto o investimento quanto o consumo significariam, porém, fazer com duas vezes mais eficiência o que qualquer sistema capitalista tenta fazer, isto é, elevar a produtividade do trabalho e reduzir o custo das atividades não-produtivas. “Redistribuição radical de renda” paira no futuro como o resultado da exploração imediatamente aumentada. Mais uma vez o “socialismo” é concebido como a recompensa do comportamento não-socialista no presente imediato e no futuro próximo. E, mais uma vez, é concebido como um presente do governo.
Conflitos no Interior do Capitalismo
No entanto, a direção do investimento não é uma questão de escolha governamental entre várias alternativas. Em certa medida, ela é influenciada, sem dúvida, não pelo raciocínio, mas pela luta entre diferentes interesses capitalistas e entre o capital e o trabalho. Onde esta luta é posta de lado temporariamente pela ação governamental, a luta entre concorrentes capitalistas ainda continua. Livros como o de Hayek e o de Beveridge descrevem esta luta. Mas seus pontos de vista opostos são apenas reflexos da luta entre os grupos que representam – a luta pela conquista ou manutenção de posições de controle em um sistema que derrota todo controle que não é aquele que assegurará a existência desse sistema. O fato de que nesta luta os Beveridges e não os Hayeks estão vencendo deveria indicar que a tendência de desenvolvimento ainda é determinada pelas pressões incontroláveis da acumulação de capital baseada em uma relação social exploradora.
Quem é o governo que interrompe e inicia tão sabiamente a acumulação de acordo com as necessidades dinâmicas da sociedade? Em dado momento era a executiva dos “competidores” de Hayek. Depois se tornou um monopólio capitalista entre outros monopólios. Agora é, ou está em processo de se tornar, o monopólio completo que determina a política nacional em sua totalidade. Compete com monopólios similares e com blocos monopolistas pela maior parcela da exploração mundial. A força competitiva de uma nação consiste em sua capacidade produtiva, a qual está baseada amplamente no tamanho de seu aparato produtivo e de sua força de trabalho. A realidade das lutas competitivas, apenas, inviabiliza investimentos para aumentar a “propensão ao consumo”. O processo incompleto da concentração de capital reforça a falta de planejamento da expansão de capital. Mais do que nunca antes a acumulação não faz sentido de um ponto de vista social; pode servir muito bem aos grupos dominantes, mas somente porque ainda é uma acumulação pela acumulação. Este fato reduz a teoria de Beveridge a uma tentativa de transformar as necessidades de hoje na virtude de amanhã e indica a incapacidade do capitalismo de ter uma teoria econômica. Seus economistas meramente dão apoio ideológico a práticas capitalistas em mutação.
Futilidade
Se as propostas de Beveridge para a Inglaterra, a despeito de sua ingenuidade, pudessem atender aos funcionários do governo em sua luta com a ânsia organizada do capital privado, suas propostas internacionais não atendem a ninguém e são simplesmente ridículas. Baseiam-se nas promessas vazias da Carta do Atlântico e na esperança insensata de uma autoridade internacional engajada em uma “política de boa vizinhança”. Ele vislumbra a possibilidade de uma administração planejada do comércio capitalista internacional que beneficie todas as nações, incluindo as áreas atrasadas. Tudo depende da boa vontade dos homens. Nas palavras de Beveridge, capitalistas, monopolistas e governos devem se considerar os agentes de uma política mais ampla do que aquela de seus próprios interesses. O controle dos movimentos do capital, das trocas, de matérias primas e produtos alimentícios, importações e exportações deve ser levado a cabo com a perspectiva de evitar depressões e desemprego sem mergulhar em guerra. Obviamente, porém, os dirigentes de hoje não estão preocupados com as sutilezas da teoria econômica moderna. Eles estão se preparando para novas guerras e mais destruição por meio das quais a crise do capitalismo se impõe.
[1] O caminho da servidão, p. 157 [p. 162], tradução corrigida.
[2] O caminho da servidão, p. 65 [p. 46], tradução alterada.
[3] O caminho da servidão, p. 44 [p. 19].
[4] Ibid.
[5] O trecho entre aspas trata-se de uma paráfrase de Mattick de uma passagem de O caminho da servidão (p. 50 [p. 28]), na qual Hayek cita diretamente F. A. Voigt (Unto Caesar, 1939, p. 95), que diz: “o marxismo levou ao fascismo e ao nacional-socialismo porque, em essência, marxismo é fascismo e nacional-socialismo”. [n. t.]
[6] Beveridge, p. 15.
[7] Beveridge, p. 18-19.
[8] Beveridge, p. 21 (destaques de Mattick).
[9] Beveridge, p. 23.
[10] Beveridge, p. 23.
[11] Beveridge, p. 26.
[12] Beveridge, p. 29.
[13] Beveridge, p. 31, p. 136.
[14] Beveridge, p. 394.
[15] Nicholas Kaldor, “The Quantitative Aspects of the Full Employment Problem in Britain” in: Essays on Economic Policy vol. I. Londres: Gerald Duckworth & Co. Ltd., 1964.
[16] Kaldor, p. 73.
[17] Beveridge, p. 100.
[18] Beveridge, p. 393.
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