Sobre a questão dos partidos – Anton Pannekoek

Introdução: Anton Pannekoek: O Partido e a Revolução – Nildo Viana

O breve texto de Anton Pannekoek sobre a questão dos partidos é interessante por ajudar a entender a evolução intelectual deste pensador. Contudo, apesar da publicação ser de 1932, não se sabe ao certo quando ele foi efetivamente escrito. A princípio, pelo conteúdo, ele aborda a discussão e polêmica que ocorreu entre Herman Gorter e Otto Rühle, dois representantes do comunismo de conselhos, a respeito da “organização unitária” e da “dupla organização” (Authier, 1975), numa época posterior, que pode ser inclusive o ano da publicação. A posição de Gorter era a favor da existência de uma dupla organização, a revolucionária e a dos trabalhadores. A posição de Rühle era a da única organização, aglutinando revolucionários e trabalhadores. A divisão entre essas duas posições no interior do comunismo de conselhos repercute no texto de Pannekoek, pois sua temática se volta para essa questão. Sem dúvida, tudo indica que o texto de Pannekoek surge bem posteriormente, quando já há uma reunificação do comunismo de conselhos na Alemanha. Porém, o texto de Pannekoek não se limita a essa questão, embora ela seja a fundamental, pois também realiza reflexões sobre os partidos, crítica ao bolchevismo e social-democracia, entre outros elementos. Vamos realizar uma breve síntese da discussão de Pannekoek e realizar alguns comentários sobre sua posição nesse período.

O primeiro ponto é destacar que esse texto é datado, embora sua data de produção seja incerta, mas pelo menos é possível localizá-lo entre o período posterior à polêmica entre Gorter e Rühle até os inícios dos anos 1930. As posições de Pannekoek sobre os partidos e sindicatos evoluem e se alteram historicamente, o que muitos leitores e intérpretes não percebem. Pannekoek foi dissidente da social-democracia (ou seja, um indivíduo que agia no seu interior, mas divergindo e criticando, mostrando concordâncias e discordâncias), depois militante do “socialismo radical”[1], e, por fim, um dos mais importantes representantes do comunismo de conselhos e nesse processo de evolução política e intelectual ocorreu um conjunto de desenvolvimentos e aprofundamentos que não se encerram aí (Viana, 2021; Bricianer, 1975). Pannekoek, mesmo após aderir ao comunismo de conselhos, ainda realiza alterações em seu pensamento, embora, tal como anteriormente, no sentido do aprofundamento. Um dos aspectos desse aprofundamento é sua posição em relação aos partidos e sindicatos, que vai se radicalizando e o tornando cada vez mais crítico e antipartidário e antissindical (Braga; Viana, 2021), o que é reforçado não só pelo desenvolvimento de suas reflexões, mas também pela mutação geral de partidos e sindicatos, que são organizações burocráticas cada vez mais integradas ao capitalismo e ao seu serviço.

A reflexão de Pannekoek aponta para a questão do movimento operário e do significado dos partidos políticos em sua relação com ele. Nesse contexto, é possível perceber a distinção que Pannekoek realiza entre as formas de se conceber o(s) partido(s) e sua relação com o movimento operário. O contexto da reflexão é a discussão no interior do comunismo de conselhos (onde o ponto culminante foi a já citada polêmica entre Gorter e Rühle) entre a ideia da existência de “dupla organização”, que seriam as organizações revolucionárias dos militantes e operários revolucionários e as organizações operárias, tais como os conselhos operários e, principalmente (naquele contexto) as uniões operárias (AAUD – vinculada ao KAPD – e a AAUD-E)[2]. Para entender esse contexto mais amplo da discussão em torno da dupla organização e organização unitária é necessário retomar a polêmica Gorter-Rühle.

A polêmica entre a tendência majoritária do KAPD (apoiada por Gorter) e Rühle deu-se através de uma divergência “tática”. Essa divergência se referia ao processo de criação de uma oposição no interior da Internacional Comunista. O KAPD enviou dois delegados e estes retornaram sem resultados e decepcionados com sua reunião com Lênin, que inclusive teria lido trechos do livro O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo para eles (Authier, 1975)[3]. O KAPD enviou uma segunda delegação com o mesmo objetivo e Rühle, ao lado de Jung, foram os enviados. O resultado, no entanto, não foi muito diferente. Rühle, após discussões preliminares antes da realização do Congresso da Internacional Comunista, volta para a Alemanha, pois percebeu que era um “jogo de cartas marcadas”, uma vez que tais conversas indicavam que as “21 Condições” para adesão à Internacional Comunista, redigidas por Lênin, seriam aprovadas. Assim, ele retornou sem participar do Congresso, o que rendeu sua expulsão do KAPD (Partido Comunista Operário da Alemanha), pois os demais integrantes consideravam que era necessário participar e articular uma oposição internacional ao bolchevismo. Rühle passa, então, a defender a “organização unitária”, considerando as organizações de revolucionários desnecessária (no contexto da revolução alemã de 1918-1921). Gorter continuava defendendo, assim como Pannekoek, a necessidade de uma organização revolucionária. Uma confusão que se faz em torno disso é o uso do nome “partido”. A fundação do KAPD, que reuniu os militantes expulsos do KPD (Partido Comunista da Alemanha), ocorreu sob o signo do antipartidarismo, tal como se observa no fato de que Rühle participou da redação do programa do partido (Rühle, 1975)[4] e, tal como em seu artigo, A Revolução Não é Tarefa de Partido (Rühle, 1975) realizou uma crítica radical aos partidos em geral, mostrando seu caráter conservador (e o programa do KAPD declarava explicitamente que ele não era “um partido propriamente dito”). Assim, a ideia de dupla organização é tão somente a concepção que considera que é necessária uma organização de revolucionários além da organização de operários e não a defesa, tal como feita pelo bolchevismo e social-democracia, de um partido político formal, burocrático, parlamentar ou insurrecionalista[5]. A posição da organização unitária, por sua vez, desconsidera a necessidade de existência de uma organização revolucionária, especialmente em momentos revolucionários nos quais a classe operária cria suas próprias formas organizacionais autárquicas e revolucionárias, como os conselhos operários e as uniões operárias (tais como a AAUD e AAUD-E que surgiram no bojo da Revolução Alemã).

O texto de Pannekoek discute a questão do partido, mostrando as diferenças entre o “partido de fato” (ou, como diria Rühle, “propriamente dito”) e outras formas de “partido”. Aqui entra o problema das imprecisões conceituais de Pannekoek e de outros comunistas de conselhos, o que dá margem para interpretações problemáticas e equivocadas (tal como afirmar que existiam “comunistas de conselhos” que defendiam a necessidade de existência de partidos, no sentido de organizações formais e burocráticas, o que é reforçado pela posição dos conselhistas antes de gerarem a sua própria concepção política, ou seja, quando atuavam no interior da social-democracia e socialismo radical). Pannekoek diz que “os velhos partidos de fato” são parlamentares, ou seja, remete para a social-democracia. O objetivo deles é substituir os partidos “burgueses” e conquistar o aparato estatal.

Pannekoek compara esses “partidos de fato” com os partidos revolucionários, como o KAPD (que não é um “partido político propriamente dito”). Esses últimos “nada querem com o parlamentarismo”. O do artigo remete para a ideia de uma concepção segundo a qual o “partido seria um grupo central”. A ideia dos partidos revolucionários é a do partido como grupo central e não a classe operária. Em outras palavras, o “partido revolucionário” é um grupo central no interior da luta operária. Tal como Marx coloca no Manifesto Comunista (Marx; Engels, 1988), os comunistas não são “um grupo à parte” (no texto aparece “partido à parte”, mas partido, naquele contexto, significava tendência, posição política), não possuem interesses próprios, mas são o setor mais resoluto e consciente da classe, aqueles que tem a percepção teórica do movimento em geral. É essa ideia que Pannekoek retoma e nesse contexto coloca que o “partido” aglutina os militantes e operários mais conscientes, organizados, convictos e de formação intelectual mais ampla. Sem dúvida, a base teórica de tal “partido” é o marxismo, embora não o mesmo dos partidos social-democratas, pois estes deformaram essa concepção e a adaptaram para seus interesses burocráticos.

O “partido”, nesse caso, é uma necessidade da classe operária em sua luta contra o capital. Aqui aparece a função das “minorias revolucionárias” ou, para ser mais exato, da organização revolucionária[6]. Por outro lado, há uma divergência com os sindicatos que se consideram “grupo central” e uma aproximação com as uniões operárias (como as que existiram na Alemanha durante a revolução alemã e aglutinavam conselhos operários). As uniões operárias, ou os conselhos operários que são sua base, surgem com a ascensão das lutas operárias, processo em que cada vez setores mais amplos da classe, especialmente aqueles mais avançados, conscientes e organizados, aderem à luta. A relação do “partido” com as uniões operárias é diferente da estabelecida com os sindicatos, pois estes atuam no interior do capitalismo, chegando, ao máximo, ao reformismo, enquanto as uniões e conselhos são produto da autonomização do movimento operário (“autodesenvolvimento revolucionário”), embora a falta de clareza e de “convicção comunista” persistam no seu interior, o que faz parte do ziguezague concreto da luta de classes. Assim, o “grupo central” (a organização revolucionária) busca orientar a classe em sua luta, esclarecer os princípios, etc.

Pannekoek, nesse contexto, afirma que concorda com a ideia de que é necessário um grupo central de princípios marxistas. E afirma que este “pode ser mais tarde chamado de partido ou não”, o que revela sua dificuldade de compreender o problema da relação da linguagem com a luta de classes e dos problemas da imprecisão conceitual. Ele poderia ter feito, tal como fazemos aqui, a distinção entre partido político, como organização burocrática (e aí os seus fins variam de acordo com o partido, embora, no geral, todos anseiem pelo poder, mesmo os partidos periféricos, que são apêndices dos partidos mais fortes, pois os seus integrantes e conchavos existem em função desse objetivo)[7] e as organizações revolucionárias, que são autárquicas[8]. Porém, deixando de lado esse problema formal de Pannekoek, ele sustenta, nessa afirmação, que a organização revolucionária é necessária como “grupo central”. A ideia de “centralidade” (outro problema formal do texto de Pannekoek, no qual se usa uma categoria inapropriada para o que pretende expressar)[9] da organização revolucionária assume importância analítica e política. Porém, Pannekoek coloca a diferenciação ao afirmar que, “em momentos revolucionários”, não deve haver ao lado dela (a organização revolucionária como grupo central) uma organização operária de massas, como no caso da AAUD e o KAPD, sendo a primeira ligada e pertencente à segunda. A razão disso se deve ao fato de que a “massa em luta dentro da qual a vanguarda atua”[10] é o conjunto da classe operária e não uma organização específica e isolada (como a AAUD). Para entender essa afirmação de Pannekoek é fundamental compreender o seu contexto discursivo e interdiscursivo[11]. É somente nesse contexto interdiscursivo que se pode identificar qual é o objetivo e o destinatário do seu discurso[12]. Pannekoek, no fundo, está se posicionando e se referindo ao debate Gorter-Rühle, certamente no contexto posterior (se o texto foi escrito em 1932 ou no ano anterior, por exemplo, isso torna o texto uma reflexão sobre questões contemporâneas que ainda remetiam para a polêmica anterior). O que ele quer dizer é que concorda com Gorter a respeito da necessidade de uma organização revolucionária que tenha “centralidade” e discorda de Rühle que a considera desnecessária. Ao mesmo tempo, no entanto, discorda de Gorter na relação que este estabelecia entre “organização revolucionária” (no caso, o KAPD) e “organização das massas” (a AAUD). Pannekoek pensava que os revolucionários atuam em relação ao conjunto da classe operária e não apenas em relação uma grande organização operária vinculada ao movimento revolucionário (a AAUD). Nesse último aspecto, ele se aproxima de Rühle, mas sem descartar a organização revolucionária e seu significado político de orientação política e teórica. Em síntese, Pannekoek apresenta uma concepção que é um “meio termo” entre Gorter e Rühle, embora mais próxima do primeiro (com quem mantinha relações de amizade e atividades conjunta por muitos anos, desde a dissidência interna na social-democracia holandesa até a constituição do comunismo de conselhos) do que do segundo.

Porém, Pannekoek apresenta uma nova consideração sobre o sentido dos partidos. Ele coloca a ideia do partido como “líder da classe”. Os partidos parlamentares atuam no sentido de liderar a classe nas disputas cotidianas nos limites da democracia burguesa (ou seja, no interior da sociedade capitalista) e os partidos “revolucionários”[13] atuam no sentido de liderá-las para a revolução. A relação de liderança, no entanto, permanece. Contudo, Pannekoek não quer discutir a posição social-democrata e sim a revolucionária. Pannekoek apresenta os argumentos daqueles que julgam necessário um “partido” (leia-se “organização”) revolucionário que tenha centralidade e lidere e eles remetem para as indecisões no interior das massas, problemas variados, o poder de influência da classe capitalista e seus aliados, etc. Nesse último aspecto ele recorda “os fatores reais do poder” da classe capitalista, termos que lembra Lassalle (1987). Porém, Pannekoek recorda que esses processos estão presentes no interior do movimento operário, até mesmo no processo de votação nas suas organizações, nos conselhos, etc. Assim, a preocupação com a “liderança do partido” é justificada não por causa de receio diante de uma “democracia formal” e sim pela concepção de que o proletariado deve realizar sua própria autolibertação. É preciso cuidado para que um setor do proletariado não assuma o lugar da burguesia passando a exercer nova dominação e impedindo a libertação completa.

Pannekoek não é muito convincente e nem suficientemente claro em sua exposição. Por outro lado, confunde o partido (organização de revolucionários, que embora possa ter no seu interior indivíduos proletários e não-proletários) com o proletariado, tal como se observa em sua afirmação segundo a qual “para a libertação do proletariado não basta que surja uma minoria do proletariado e que ela assuma a dominação no lugar da burguesia para governar no interesse do proletariado”. Pois, nesses casos, são os partidos social-democratas e bolchevistas, que cada vez mais raramente contam com operários no seu interior e nada tem a ver com o proletariado para serem considerados uma minoria no seu interior. No caso das organizações revolucionárias (incluindo os que se intitulam como “partidos”, como o KAPD), não se luta para assumir a dominação, pois a ideia é a auto-organização da classe. Claro que no contexto do debate de Pannekoek, alguns pareciam pender para uma posição mais próxima de uma liderança, mas seria preciso acesso a tais concepções para saber se defendiam a liderança no processo revolucionário (e, mais ainda, após a derrota da burguesia, pois só assim seria possível “substituí-la”, como coloca Pannekoek). Isso também depende não só do que diziam alguns adeptos dessas concepções, mas também do processo concreto. Contudo, nesse caso, Pannekoek deveria ter explicitado que mesmo organizações que não desejam e não planejem a liderança do proletariado após a revolução, o fariam, o que ele não fez. Nessa parte do texto, não fica explicitado quem são os destinatários desse trecho, o que impede de verificar qual era a posição defendida por eles. Pannekoek se opõe a uma tática do “partido-líder” (na verdade, organização revolucionária assumindo a liderança) por dois motivos, segundo ele: 1) nesse caso nem todas as forças do proletariado se desenvolvem; 2) nenhum partido, por melhor organizado que seja, pode derrotar a burguesia, apenas o proletariado pode fazê-lo.

Pannekoek visa refutar aqueles que usavam o exemplo bolchevique para apontar a necessidade de uma organização revolucionária como liderança da revolução. Para tal aponta o poder da burguesia na Europa, como suas posses, poder financeiro e espiritual, que não encontrava paralelo semelhante na Rússia. A classe operária também era diferente nesses dois lugares. Na Rússia, com sua situação social específica, burguesia débil, proletariado minoritário, camponeses majoritários, etc., o que ocorreu foi a instauração de uma nova dominação de classe na qual os “novos líderes” (Pannekoek retoma ideia semelhante a do “jovem Trotsky”: o partido lidera a classe, a direção do partido lidera este, ou seja, se estabelece um substitucionismo) exercem a dominação, o que significa que não é um autogoverno das “massas”. É por isso que é necessário lutar contra a ditadura do partido, seja antes, durante ou depois da revolução.

Por fim, Pannekoek apresenta que, nessa concepção, o “partido” é percebido como grupo central e líder de classe. E acrescenta que o “partido” também pode ser percebido como grupo de opinião. Nesse último sentido, existe uma variedade de “partidos” (e grupos, sendo que Pannekoek também cita, nesse contexto, os sindicatos e a União Operária) que disputam a mente dos trabalhadores. Ele apresenta a suposição de que o proletariado, ao se libertar da influência dos partidos que o controlam (aqui se refere, sem explicitar, aos partidos reformistas em geral), tende para o caminho da unidade e clareza na luta de classes. Isso é, parcialmente, segundo Pannekoek, correto, mas “grandes dificuldades efetivas” surgirão: novas resistências, incertezas, problemas de tática e ação, diferenças de opinião, rixas, etc. No começo parece que todas as diferenças desapareceram, mas novas diferenças surgem. Não se trata dos “poderes burgueses” e sim das diferenças no interior do próprio proletariado. Isso ocorre por novas situações trazerem novas questões e o embate com a classe dominante traz a necessidade de decisões difíceis. Além disso, as diferenças de interesses no interior do proletariado, dividido e subdividido pela divisão capitalista do trabalho, é gerador de diferenças de opiniões. Apesar de basicamente haver um mesmo grande interesse de classe, essas diferenças de pormenores, mesmo depois das primeiras vitórias, existem e novas questões aparecem, como, por exemplo, a relação com outros setores da sociedade, como os camponeses, intelectuais, etc., assim como a questão da continuidade da produção e da luta, etc.

Segundo Pannekoek, na luta de opiniões, “pessoas com a mesma opinião se unem em grupos ou ‘partidos’ a fim de poderem conduzir melhor a luta por suas opiniões. Esta luta é necessária para o progresso espiritual que acompanha e sustenta o desenvolvimento da revolução. Não se pode prever no momento como estes grupos serão formados, como as tendências que hoje estão unidas então racharão e os adversários de hoje se juntarão”. Pannekoek, afirma, então, que esse processo não pode ser percebido de forma simplista e nem se iludir com a “fraternidade universal”. No caso das uniões operárias (as duas, AAUD e AAUD-E, às quais Gorter e Rühle estavam vinculados, respectivamente) as diferenças são mais devido a tradições do que contradições novas. Isso não quer dizer que é preciso permitir “partidos de oposição” (aqui tudo indica que ele pensa em partidos bolchevistas e social-democratas) no interior das Uniões, pois a concordância com os princípios destas, voltados para a autodeterminação de classe, unidade de classe através dos conselhos operários, é algo essencial e inegociável. Assim, o movimento de fragmentação crescente parece passar, na época em que Pannekoek escreveu seu texto, para uma unificação crescente, o que não impede o surgimento de novas tendências (ou “partidos”) no interior das uniões. Sem dúvida, tudo indica que Pannekoek se refere à KAUD[14], que reuniu as tendências de Gorter e Rühle (Meijer, 1976). Por fim, Pannekoek conclui que “partidos”, como grupos de opinião, são parte da luta cultural e são necessários para o desenvolvimento da dinâmica do movimento operário.

O texto inteiro de Pannekoek é perpassado por imprecisões terminológicas que abrem espaço para interpretações diversas e equivocadas. Por outro lado, a falta de concreticidade dificulta uma compreensão mais profunda, apesar das referências a situações e organizações concretas. Esse problema se vê na sua discussão sobre “sentidos” atribuídos aos “partidos”, e no conjunto do texto aparecem os partidos tradicionais (social-democratas e bolchevistas, mas em momentos diferentes), organizações revolucionárias (como o KAPD), e, ainda, sindicatos e uniões, sem um devido esclarecimento das diferenças. A discussão sobre partidos como “líder de classe”, “grupo central” e “grupo de opinião” não é suficientemente clara. Porém, deixemos isso de lado para focalizar na concepção de Pannekoek, que é uma defesa dos “partidos” (na verdade, organizações revolucionárias, pois ele descarta aqueles que não estão de acordo com os princípios e com a perspectiva revolucionária, ou, em suas palavras, autodeterminação da classe) como “grupos de opinião” que emergem no processo de luta de classes e derivado dela e da ação burguesa e até das diferenças existentes no próprio proletariado. No fundo, esses “grupos de opinião” são tendências que se unem em torno de concordâncias táticas, posições determinadas, o que não é, efetivamente, um problema no movimento revolucionário, dependendo de algumas questões (o nível de discordância, a influência disso no movimento revolucionário e nas classes inferiores, etc.). Em momentos revolucionários e em uma revolução em marcha, divergências existirão, mas tendem, em alguns setores, a diminuir. Com a vitória da revolução, elas tendem a ser mínimas e sem grande importância (a não ser em questões bem específicas).

Nesse momento, poderíamos encerrar dizendo que Pannekoek tem razão e finalizar o nosso comentário. Contudo, as coisas não são tão simples. Não basta afirmar que Pannekoek apresenta imprecisão terminológica e falta de clareza. É preciso esclarecer o que ficou obscuro, indo além de Pannekoek. Assim, o problema das distintas concepções normativas de partido, como a ideia do partido-líder, partido-central, partido-opinião, se distingue dos partidos e organizações reais. A ideia do partido-líder é defendida pelos partidos propriamente ditos, ou seja, os burocráticos, que, enquanto burocracias partidárias, querem dirigir a classe e posteriormente o aparato estatal. Logo, se no interior do movimento revolucionário se defende uma tal ideia (que não era defendida por Gorter e pelos adeptos da dupla organização e se apareceu tal posição no interior da ala revolucionária desconhecemos quem a tenha assumido) já não é mais uma tendência proletária-revolucionária.

A ideia do partido como “grupo central”, termo problemático, no sentido de setor mais resoluto, com maior firmeza, com percepção mais ampla do conjunto, dos interesses gerais do proletariado, com formação teórica, é a do KAPD, tal como expressa por Gorter. Porém, não se trata de “centralidade”, nem de “grupo central”, o que abre margem para vanguardismos e confusão com a ideia de “partido-líder”. Essa concepção, se for a mesma do KAPD, coloca apenas e tão somente que há uma organização que é revolucionária, composta por revolucionários, que atuam sobre a classe e sobre a sociedade em conjunto, tendo uma coerência, percepção, mais ampla, sendo portadora de uma teoria revolucionária e, por conseguinte, uma estratégia revolucionária. Porém, não é “central”, não é o “centro” e sim parte do movimento cujo objetivo e sentido é a própria autonomização do proletariado, a formação de organizações autárquicas da classe (“auto-organização”), autoformação e autoeducação. O seu objetivo é incentivar, reforçar, contribuir, com esse processo e não ser “central” ou “vanguarda”. O único elemento que poderia dar uma ideia, equivocada, de “centralidade” é a sua importância política e teórica que se revela fundamentalmente no embate com as forças burguesas, a social-democracia e o bolchevismo, ou seja, sua luta política, cultural e teórica contra o bloco dominante e o bloco progressista, contra a burguesia e a burocracia, no sentido de impedir sua influência sobre o proletariado. Esse combate e sua clareza, firmeza, coerência[15], derivados de sua teoria e estratégia revolucionárias, distingue a organização revolucionária (ou mais de uma, se houver) de outros grupos limitados, ecléticos, etc., com suas ambiguidades e equívocos.

Por fim, a ideia de “partidos” como grupo de opiniões, que são todos os grupos que se aglutinam em torno de ideias, revela um problema não só terminológico, pois Pannekoek não deixa claro se considera apenas os grupos formais ou também inclui os informais, já que são meramente de “opinião”. Para uma reflexão mais concreta é necessário identificar quais são esses grupos. Podemos dizer que os partidos propriamente ditos, as organizações revolucionárias, são “grupos de opinião”, embora não se limitem a isso. Assim, o que Pannekoek defende é a “liberdade de opinião e expressão” realizada por “grupos” e que possam se unirem em tendências ou “partidos”. Porém, uma coisa é constatar que diferentes grupos, formais ou informais, podem existir e possuir posições e opiniões diferentes, no interior do movimento operário e do movimento revolucionário, outra coisa é defender sua existência, utilidade ou que a organização revolucionária deva se reduzir a isso (ser apenas um “grupo de opinião”).

Na nossa perspectiva, é possível e aceitável que existam concepções divergentes desde que dentro do espectro do bloco revolucionário, no bojo de um processo revolucionário. Porém, fora disso, o combate é a única opção, pois são forças contrarrevolucionárias que buscam corroer as bases revolucionárias do proletariado. Em termos conceituais, esses supostos “grupos de opinião” podem ser considerados como tendências no interior do bloco revolucionário, que são grupos formais ou informais e entre eles um amplo debate pode e deve ocorrer, o que pode ser facilitado se houver enfraquecimento da influência da mentalidade burguesa e outros processos culturais e sociais da sociedade capitalista.

Nesse sentido, as organizações revolucionárias não podem se reduzir a supostos “grupos de opinião” (e de propaganda), embora também sejam isso, pois suas ações vão além da mera “opinião” (no fundo, as organizações revolucionárias são programáticas, estratégicas e com base doutrinária – no caso de algumas – e teórica – no caso do marxismo e o termo “opinião” é muito restrito para ser usado nesse caso) e propaganda, pois inclui produção artística, teórica, ação política sob variadas formas, participação efetiva nas lutas operárias e no processo de constituição da autogestão e organizações autárquicas. Claro está que, com a vitória da revolução e o estabelecimento da ruptura que significa a abolição do capital e do aparato estatal, as organizações revolucionárias deixam de existir, realizam sua autoabolição, pois não há mais razão para sua existência e os indivíduos revolucionários se integram nas organizações autogeridas da futura sociedade.

Em síntese, o texto de Pannekoek traz várias questões para reflexão, além de expressar a sua concepção num determinado momento histórico, que faz parte de sua evolução intelectual. Evitamos aqui abordar sua evolução posterior, onde há avanços significativos e superação de vários aspectos, embora o problema da imprecisão terminológica não seja superado. Pannekoek, nesse texto, tenta atualizar a reflexão sobre a relação entre os revolucionários e o movimento operário, num contexto determinado, e dando uma resposta que tenta ser uma síntese entre as duas posições revolucionárias que polemizaram no período da Revolução Alemã. Apesar de não ser possível concordar totalmente com ele, não é possível também desconsiderar seus méritos, especialmente seu aspecto crítico dos partidos políticos “propriamente ditos”, e tentativa de pensar uma solução para o dilema da ação revolucionária numa época revolucionária.

Referências
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BRAGA, Lisandro; VIANA, Nildo (orgs.). Anton Pannekoek e a Questão da Organização. Goiânia: Edições Redelp, 2021.
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LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? São Paulo: Global, 1987.
LÊNIN, W. O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. 6ª edição, São Paulo: Global, 1986.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.
MEIJER, H. Canne. O Movimento dos Conselhos Operários na Alemanha (1918-1921). Coimbra: Centelha, 1976.
RÜHLE, Otto. A Revolução Não é Tarefa de Partido. In: AUTHIER, Denis. A Esquerda Alemã. Doença Infantil ou Revolução? Porto: Afrontamento, 1975.
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VIANA, Nildo. Elementos para uma Teoria do Discurso. in: NETO, J. L. M.; ALMEIDA, F. A. (Orgs.). Língua, Literatura e Cultura sob a Perspectiva do Discurso. São Paulo: Científica Digital, 2024.
VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder – Ensaios sobre Linguagem e Sociedade. Pará de Minas: Virtualbooks, 2009.
VIANA, Nildo. O Que São Partidos Políticos? Coleção Esclarecimento. Goiânia: Ragnatela, 2024.
VIANA, Nildo. Organizações: Reprodução ou Transformação? Revista Espaço Livre, vol. 11, num 21, 2016.
VIANA, Nildo. Sobre a História e o Significado do Comunismo de Conselhos. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020a.
VIANA, Nildo. Teses sobre o Capital Comunicacional. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020b.


[1] O “socialismo radical” é um nome que busca descrever o conjunto de indivíduos, grupos e até partidos que romperam com a social-democracia assumindo uma posição mais radical e de “retorno a Marx”, com suas diferenças e problemas e que abriu espaço para o surgimento posterior do comunismo de conselhos. Nesse contexto se inseria a chamada “Esquerda de Bremen” (do qual participavam Pannekoek e Gorter) e os “comunistas internacionalistas” (do qual Otto Rühle fazia parte) na Alemanha, para ficar em apenas dois exemplos.

[2] AAUD: União Geral dos Trabalhadores da Alemanha; AAUD-E: União Geral dos Trabalhadores da Alemanha – Organização Unitária.

[3] Trata-se de um ataque à todas as tendências comunistas revolucionárias que divergiam do bolchevismo (Lênin, 1986), embora o alvo principal fosse Pannekoek e Gorter (que assinavam textos com pseudônimos), mas visava também Bordiga e a chamada “esquerda comunista” na Itália; Sylvia Pankhurst e os comunistas antiparlamentaristas ingleses, entre outros. O próprio Gorter, antes de se tornar um comunista conselhista, escreveu uma obra de resposta, intitulada Carta Aberta ao Camarada Lênin (Gorter, 2025) e Pannekoek também o refutaria na obra “Revolução Mundial e Tática Comunista” (Pannekoek, 1975). As críticas posteriores a Lênin e ao bolchevismo se radicalizam com a emergência do comunismo de conselhos (Viana, 2020a), pois passam a perceber o seu caráter contrarrevolucionário, bem como passam a entender que o regime russo era um capitalismo de Estado.

[4] “Foi Rühle que introduziu no programa e no “Apelo ao proletariado alemão”, a frase: ‘o KAPD não é um partido no sentido tradicional do termo’” (Authier, 1975, p. 34).

[5] Os partidos políticos, em geral, são organizações burocráticas, incluindo os partidos políticos burgueses (Viana, 2024), embora a força da burocracia partidária interna e suas características não deixem espaço para nada mais além da hegemonia burguesa. Aqui a distinção se refere aos partidos progressistas que se dizem representantes do proletariado, tal como a social-democracia e seu parlamentarismo e o bolchevismo e seu insurrecionalismo. Porém, é preciso acrescentar que no interior dos partidos social-democratas e bolchevistas existem divergências internas e mutações históricas, o que torna a percepção das diferenças internas e o jogo de afastamento e aproximações entre ambos algo complexo e que requer um maior nível de concreção (qual partido, tendência, época, etc.).

[6] Em Pannekoek não há uma discussão sobre o bloco revolucionário e sim sobre a organização revolucionária marxista. A ideia de bloco revolucionário é útil para entender a dinâmica geral de todas as organizações, concepções e indivíduos revolucionários. Isso permite, por exemplo, perceber que podem existir mais de uma organização revolucionária (e suas diferenças, como as que possuem ambiguidades, por exemplo), além da existência de indivíduos isolados que são revolucionários, como alguns intelectuais, militantes, e, ainda, grupos juvenis, artísticos, entre outros (e mais recentemente, na história do capitalismo, tendências revolucionárias dos movimentos sociais) que não são exclusivamente políticos, mas que possuem uma perspectiva revolucionária. No caso da reflexão de Pannekoek, ele está pensando na organização revolucionária marxista mais avançada, tal como o caso do KAPD.

[7] Para entender nossa análise dos partidos, cf. O Que São Partidos Políticos? (Viana, 2024).

[8] Sobre organizações autárquicas e sua diferença em relação às organizações burocráticas, cf. Viana (2016).

[9] Embora haja um problema não apenas terminológico, pois a diferenciação entre a ideia do partido como “grupo central” nos partidos progressistas (social-democratas e bolchevistas) e a expressa pelo KAPD não é suficientemente desenvolvida. O leitor tem que fazer uma leitura atenta para entender que, num caso, temos centralidade concreta e prática, noutro apenas “centralidade de princípios” (o que mereceria também uma reflexão mais ampla).

[10] E aqui surgem novos problemas linguísticos, como “massa” e “vanguarda”. O termo “massa”, embora de uso comum naquela época (tal como se vê nas discussões, que inclusive Rosa Luxemburgo e Pannekoek participaram ativamente, sobre “greve de massas”), ganhou novos sentidos posteriormente que se cristalizaram, especialmente nas ideologias sociológicas da “sociedade de massas”, “cultura de massas”, “meios de comunicação de massas”, na qual se destaca o seu caráter amorfo, indiferenciado e passivo (Viana, 2020b). Já o termo “vanguarda” é mais complicado, pois o vanguardismo leninista já existia e era combatido há décadas, o que torna seu uso mais problemático por parte de Pannekoek.

[11] Sobre isso, cf. Viana (2009; 2024).

[12] Nesse sentido, a análise dialética do discurso é fundamental para evitar interpretações equivocadas, pois as análises descontextualizadas dos textos, não apenas (dependendo do caso) do contexto histórico e social, mas também do contexto discursivo (quais eram os objetivos e destinatários do texto de Pannekoek?) e interdiscursivo (com quem ele debatia?), geram equívocos interpretativos diversos. Se lermos o texto de Pannekoek, desconhecendo o debate Gorter-Rühle, a compreensão fica mais difícil, bem como a interpretação tende a ser equivocada. Se identificamos o contexto interdiscursivo, o objetivo e o destinatário (além do contexto sócio-histórico e cultural), fica mais fácil a compreensão e a interpretação correta. Pannekoek tinha como destinatários indivíduos militantes que eram comunistas conselhistas (se o texto foi escrito exclusivamente para a publicação em que saiu, Serviço de Imprensa dos Comunistas Internacionalistas – Persdienst van Internationale Communisten, e escrito ainda no ano de 1932, o que não podemos ter certeza, o destinatário fica ainda mais preciso e o contexto interdiscursivo também, mas não conseguimos estabelecer uma identificação mais sólida sobre esses dois aspectos). Nesse sentido, a análise dialética do discurso é uma ferramenta fundamental para uma interpretação correta dos discursos revolucionários, entre outros. A obra A Análise Dialética do Discurso, em preparação, tende a trazer várias contribuições nesse sentido analítico. Uma versão resumida de um de seus capítulos já está disponível (Viana, 2024) e em 2025 a obra completa será publicada.

[13] No futuro, Pannekoek rompe com essa ideia de “partido revolucionário” (Pannekoek, 2021).

[14] A KAUD (União Operária Comunista da Alemanha) é uma sucessora das uniões operárias e do KAPD, e que reagrupa os herdeiros dessas organizações em seu interior após o recuo do movimento operário alemão depois da derrota da tentativa revolucionária nesse país em 1918-1921 (Viana, 2021).

[15] A clareza e outros aspectos são variáveis de acordo com a tendência. Inclusive o próprio texto de Pannekoek, no qual falta clareza, revela que mesmo indivíduos revolucionários e com ampla formação podem em certos momentos (e textos) ter um grau de clareza limitado.


Sobre a Questão dos Partidos[1] – Anton Pannekoek

O partido como um grupo central

Entre os grupos que consideram a organização de conselhos como o órgão da classe trabalhadora para a revolução proletária e que consideram o método de luta do parlamentarismo e aquele do movimento sindical ultrapassados e ineficientes, ainda há diferenças significativas, principalmente no que diz respeito à questão do partido. Não faz sentido classificar uma tendência ou outra como grupo insignificante. Sabemos com que frequência movimentos que começaram como grupos insignificantes conquistaram o mundo porque seus princípios eram corretos e estavam alinhados às necessidades da época. Então, a questão aqui é examinar os princípios, não se os representantes são numerosos ou não.

Contudo, primeiro é necessário definir o que deve se entender por partido. Os velhos partidos de fato (SDAP [Sozialdemokratische Arbeiters Partei; Partido Operário Social-democrata] e também o CPH [Partido Comunista Holandês]) são partidos políticos que se preocupam antes de tudo com a ação parlamentar; de acordo com seu programa, eles querem conquistar o poder político e então governar no lugar dos outros partidos burgueses através do aparato estatal. A ação política parlamentar é o elemento central; todo outro tipo de ação é secundária ou subordinada a ela. Nada disso se aplica aos partidos revolucionários (como o KAPD [Kommunistische Arbeiter Partei Deutschlands; Partido Comunista Operário] na Alemanha), que não querem nada com o parlamentarismo. Resta, assim como os partidos mencionados tinham seu programa, seu objetivo e seus princípios determinados, eles também querem (partindo de certos princípios e posições fundamentais) liderar ou promover a luta de classes do proletariado pelo comunismo. Um partido assim, portanto, só pode ser um grupo central, não a classe trabalhadora em si; ele pode conter apenas aqueles elementos para quem os princípios são convicções firmes que adquiriram com base em conhecimento científico e numa compreensão mais amplos. O fato de este conhecimento se basear principalmente na doutrina do marxismo é evidente, mas não quer dizer muita coisa, já que partidos como o SDAP e o CPH também recorrem ao marxismo, ainda que o primeiro o faça em um sentido mais limitado.

Estes creem que o partido é necessário como organização dos trabalhadores mais educados, mais conscientes de classe e mais lúcidos que mostram às massas o caminho correto da luta, que as lideram, que elaboram os princípios e as táticas e que retêm o princípio revolucionário em todos os altos e baixos do movimento. Em todo grande movimento de classe, num primeiro momento, apenas alguns, apenas pequenos grupos e minorias agem; os elementos mais ativos e os mais capazes surgem e se tornam os líderes quando, mais tarde, as grandes massas os acompanham. Estas massas, inexperientes, teriam que passar por todos os becos sem saída e ilusões não fosse o discernimento e a experiência do grupo central para encurtar seu caminho. O partido, segundo esta visão, forma, por assim dizer, o cérebro da classe, isto é, em discussões de partido suas mentes mais capazes deliberam sobre as táticas a serem seguidas e outros problemas; ele fornece a literatura necessária para educar as massas e permanece firme quando as massas recaem na passividade.

Aqui se discutiu a contradição entre partido e classe. Na prática, contudo, deve se lidar com outra contradição. Grande parte da classe se dedicou à luta pelos interesses tangíveis imediatos sem se apoiar sobre os fundamentos do partido. Esta foi, portanto, uma organização intermediária, menor e mais avançada do que a classe como um todo, maior e menos orientada para os objetivos que o partido. É assim que os sindicatos se opunham ao partido socialista. Aqui, o partido se impôs a mesma tarefa, a de agir de um modo condutor e direto com base no princípio socialista. Porém, aqui, as resistências e fricções vêm à tona, já que a organização sindical se considera um grupo central que esperava, por sua vez, conquistar e liderar massas ainda maiores e que pensava que podia fazer isto melhor quanto menos estivesse sobrecarregado com princípios socialistas e se estivesse exclusivamente concentrado em melhorias dentro do capitalismo.

Dos anos revolucionários restavam agora na Alemanha o KAPD, como partido, e a AAUD [Allgemeine Arbeiter-Union Deutschlands; União Geral dos Trabalhadores da Alemanha] como organização mais ampla. Esta última era, como síntese de organizações da empresa, síntese de acordo com a divisão de classe, não segundo princípios comunistas. Portanto, deve se estabelecer aqui uma relação similar: o partido como grupo central teoricamente formado com base em seu princípio comunista enxergava como sua tarefa liderar e manter as massas menos educadas da Union maior, guiadas apenas por uma intuição elementar de classe de evitar se perder.

Tudo isto – isto é, a tendência representada no Programa de Unidade da Union –, tudo ou quase tudo isso, nós reconhecemos como correto. Para nós, também, é válida a necessidade de um grupo central condutor no qual os princípios estão claros. Na realidade, a AAUD não evoluiu para uma organização de massa, mas encolheu em um grupo pequeno. A própria Union é pequena o bastante para ser um grupo central fundamentalmente sólido. Ela já consistia exclusivamente de comunistas educados. Ela não precisa de um partido como conselheiro a seu lado. Por outro lado, o partido, na medida em que quer ser exclusivamente um grupo central de princípios *e antiparlamentar*, não tem outra função senão a da Union: atividades de educação, discussão de pontos de discordância, elaboração de diretrizes. Então é apenas uma diferença de nome.

Mas a Union não deve ser mantida aberta como um tanque coletor para uma futura organização de massa? Quando a necessidade de uma organização assim surgir, ela se formará, não importa sob qual nome. Contudo, é pouco provável que seja formada por um ingresso maciço na AAUD. Quando o choque dos grandes eventos gera tensões e movimentos revolucionários que incitam os trabalhadores em maiores massas à luta, é mais provável que isso leve à formação de novos grupos do que à afiliação a grupos mais velhos. Os grupos existentes estão todos sobrecarregados com certa tradição, com programas formulados que estas massas ainda não entendem; estas massas querem lutar sem aceitar outro programa de um partido ou grupo sem se filiar a um grupo existente. Pelo fato de estes grupos incorporarem contradições e rachas tradicionais, eles querem, pelo contrário, demonstrar sua nova unidade. Portanto, nesse caso, terá que se contar mais com a formação de novas organizações de massa do que com o ingresso em organizações existentes.

A relação do grupo comunista central com essas organizações maiores, contudo, quando elas são formadas, também não corresponderá à relação do velho partido e sindicato. Os sindicatos estavam voltados a obter melhorias dentro do capitalismo, ao passo que os novos grupos de massa estavam voltados à luta revolucionária. Ali, a natureza imperfeita, não radical, sem princípios e de objetivos limitados da luta teve que se congelar em um atraso permanente; aqui, ela só pode ser um estado de transição temporário no autodesenvolvimento revolucionário das massas. Em épocas de desenvolvimento revolucionário, a falta de clareza dos objetivos e a falta de uma convicção comunista consistente são um fato inevitável e natural das crescentes massas em luta, mas não podem ser o programa permanente e a organização de massa permanente.

É claro, nestas massas, o desenvolvimento não ocorre igualmente e todo de uma vez e da mesma maneira. Em todos os lugares nas empresas surgirão minorias e as pessoas mais ativas e combativas incitarão, por iniciativa própria, o todo. Mas não devemos nos iludir que estes grupos mais amplos, que nascem da própria luta, serão uma organização intermediária especial ligada à Union ou que adere a ela; menos ainda que a Union possa fundá-las antecipadamente. Elas virão de todos os tipos de organizações atuais; sabe-se bem que aqueles que surgem em meio à prática da luta prática são frequentemente pessoas muito diferentes daquelas que estavam na vanguarda na preparação. Quando a Union exerce sua influência sobre elas, age, então, da mesma maneira que age sobre toda a classe.

Quando falamos da necessidade de um grupo central, de uma vanguarda, não se pensa ela em oposição a uma organização maior, mas em oposição à toda a classe. A luta revolucionária pela libertação só pode ser conduzida pela classe inteira, dividida nas empresas de acordo com sua coerência natural. Pois é verdade que ela entra na luta sem uma visão clara, ainda não premonitória, incitada pela carência e pela necessidade; a vanguarda tenta incutir nela a experiência e o discernimento obtidos por gerações anteriores de lutadores. Frequentemente as massas que estão despertando, confusas com os slogans conflitantes de muitos lados, estão preparadas para tomar os caminhos errados; o grupo central tenta deixar claros suas intuições de classe e seu interesse claramente revolucionário e tornar as massas conscientes. Na decadência e na derrota, o movimento de classe pode se reavivar; o grupo comunista deve manter suas melhores forças unidas.

Portanto, nós concordamos com o reconhecimento da necessidade de um grupo central instruído por princípios marxistas, que pode ser mais tarde chamado de partido ou não. No entanto, há uma diferença, pois, para momentos revolucionários, nós não compartilhamos da opinião de que deve haver a seu lado e ligada a ele, pertencente a ele  uma organização de luta enorme e não comunista, como se pensava, em 1924, a AAUD ao lado do KAPD e especialmente porque, em nossa opinião, a massa em luta dentro da qual a vanguarda atua não será uma organização isolada, mas sim a classe trabalhadora como um todo, em seu agrupamento na empresa.

O Partido como o Líder da Classe

“Não foram os conselhos operários que fizeram a revolução, mas sim o Partido Bolchevique”.

No entanto, existe mais do que apenas uma diferença de nome. O nome contém um bocado de tradição e, como tal, é a expressão de determinadas formas organizacionais e certo objetivo.

A essência do partido inclui uma forte liderança central para garantir a maior unidade de ação possível. O partido é uma organização fechada cujos membros, partindo dos mesmos princípios, pensam em grande medida igual e estão ligados por uma forte disciplina às táticas prescritas pelo partido. As táticas do partido, as quais determinam suas ações, são estabelecidas cuidadosamente por uma discussão minuciosa na convicção de que o futuro do movimento operário depende delas. Isto seria desnecessário se o partido fosse meramente uma associação de propaganda; caso se tratasse de dar clareza às massas, uma grande variedade das visões apresentadas a elas as levará a seu próprio pensamento crítico ao invés de a única posição partidária bem definida. Mas isso se torna compreensível quando o partido busca não só educar, mas também liderar as massas. Para liderar as massas adequadamente, e não para um atoleiro ou a um Putsch [golpe de Estado], todas as mentes mais brilhantes do partido devem desenvolver com perspicácia as táticas que o partido seguirá. Ademais, é então necessário que as massas o sigam com convicção, que reconheçam claramente a retidão de seu trabalho e não se deixem confundir pela grande variedade de visões contraditórias.

Para os partidos parlamentares, é uma questão de conquistar e liderar as massas no campo cotidiano por pontos de disputa parlamentares; o partido revolucionário, por outro lado, se esforça para conquistá-las e liderá-las na revolução. Para os primeiros, a democracia sufragista burguesa é o órgão destas massas; para os últimos, os conselhos operários revolucionários constituem este órgão. Mas a relação do partido com as massas reteve o mesmo caráter em ambos os casos.

Existem, é claro, argumentos de peso em favor desta posição. Não se deve alimentar ilusões quanto às massas proletárias. Quando elas entram na revolução, hesitantes e cheias de dúvida, uma liderança forte é necessária. Em novembro de 1918, as massas na Alemanha elegeram os líderes social-democratas para os “conselhos operários”, deixando estes, assim, à mercê da democracia burguesa. Se houvesse um partido revolucionário poderoso teria sido diferente! *É possível contra-argumentar que os conselhos operários eleitos têm de decidir sempre.* Talvez um partido revolucionário deva ficar de lado sem intervir, obedecendo respeitosamente à “maioria” dos conselhos operários, quando a última, por incapacidade, arruína a luta? O partido deve intervir e deve liderar para salvar a revolução. A história nos ensina que sempre foram as minorias enérgicas que lutaram pela ou não desistiram da vitória pelo coletivo, pela maioria passiva da classe. “Não foram os conselhos operários que fizeram a revolução, mas sim o Partido Bolchevique”, escreveu há pouco o KAZ [Kommunistische Arbeiterzeitung; Jornal Operário Comunista, jornal do KAPD] como ilustração desta tese. A consequência foi, portanto, que o Partido Bolchevique tomou o poder; no início, os conselhos operários, os sovietes, ainda eram convocados algumas vezes para sancionar os atos do governo, mas, depois, o eram cada vez menos.

Contar ou Medir?[2]

Agora, deve se observar primeiro que na representação da “maioria” dos conselhos operários estes órgãos da revolução foram sobreparlamentarizados. Nas grandes lutas decisivas da história mundial, nunca se tratou de uma simples “contagem” de votos; se tratava de poder contra poder. Nem toda pessoa era um número igual, mas cada uma delas era uma força diferente. Nessa luta, a determinação, a habilidade e a energia dos indivíduos atuam; os inflamados arrastam junto os desanimados, então minorias ávidas conquistam vitórias sobre maiorias hesitantes; então as posições de poder econômico frequentemente exercem uma grande dose de influência. É possível que rejeitem isto como antidemocrático, mas para quê? Tempestades sociais estão tão além do julgamento moral quanto as tempestades naturais. Além disso, seria um democratismo equivocado: na grande tarefa histórica do proletariado, todos têm que carregar segundo suas forças, assim, os mais fortes também carregam mais. Portanto, quando, em momentos críticos decisivos, uma vanguarda entusiasmada salta para ocupar esse espaço, ela evita uma derrota ameaçadora, retém a vantagem conquistada, não é necessário dizer que isto não infringe os direitos iguais para todos.

Porém, também nas próprias votações são expressos os fatores reais de poder e das relações de poder. Com que frequência, em períodos conturbados, os parlamentares votaram contra suas próprias convicções sob a pressão ameaçadora das “ruas”? Quando os conselhos operários votam em períodos revolucionários, as forças motrizes como um todo expressarão o que está vivo nas massas e no indivíduo. Então aqui, novamente, toda força pessoal pode exercer influência.

Portanto, não se trata de uma preocupação receosa com a democracia formal quando rejeitamos a tese da liderança pelo partido. É o reconhecimento de que a classe trabalhadora não pode ser libertada, mas de que ela tem que libertar a si própria. Para a libertação do proletariado não basta que surja uma minoria do proletariado e que ela assuma a dominação no lugar da burguesia para governar no interesse do proletariado. Isso seria depois um obstáculo no caminho da libertação completa.

Qualquer tática que esteja fundamentada na incompetência e na imaturidade do proletariado do momento é reprovável, pois negligencia, para o sucesso imediato, a base de um poder de classe duradouro. Uma tática que repouse na oposição entre um partido chamado à liderança e as massas que o seguem, lideradas pelo partido, deve ser rejeitada por dois motivos. Primeiro, porque desta maneira nem todas as forças no proletariado se desenvolverão. Quando outros pensam e agem pelo proletariado, quando ele próprio não é forçado a fazer o maior esforço de todas as forças espirituais e morais, ele nunca alcançará o supremo autodesenvolvimento que é a essência, o propósito e, simultaneamente, a proteção da revolução.

Quando o proletariado acredita enxergar um caminho mais fácil do que o único caminho correto e difícil da autolibertação, ele tenta segui-lo. Ele depende, então, das qualidades pessoais dos líderes; segue com confiança a liderança de um partido que já teve sucesso frequente em pequenas questões. Mas ele se decepcionará. Porque – e este é o segundo motivo – nenhum partido, não importa quão grande ou quão bem organizado, pode derrotar a burguesia. Apenas o próprio proletariado pode fazer isso.

O Poder de Classe da Burguesia e o Poder de Classe dos Trabalhadores

Os porta-vozes do partido, que se sentem superiores às massas ignorantes e passivas por causa de seu discernimento, sempre subestimam o poder da burguesia. Este poder é monstruoso, primeiro por causa das enormes posses desta classe, que transforma tudo em mercadoria, controla tudo, compra tudo e está em posição de, assim que a necessidade exigir, mobilizar meios de violência incríveis em defesa de sua dominação. Segundo, por seu instinto de dominação refinado, que sempre percebe onde deve resistir e onde deve ceder e como toda derrota pode ser transformada em seu oposto por táticas habilidosas. Uma burguesia velha como a inglesa, por exemplo, aprendeu isto muito bem e a alemã já está começando a aprender. Terceiro, através do poder espiritual de sua cultura, que permeia toda a sociedade, une toda a classe média à burguesia e por meio de cem canais, como um bom veneno, inclusive afeta a classe trabalhadora e prejudica seu desenvolvimento. Os social-democratas estiveram acostumados por trinta ou quarenta anos a criticar a incompetência da burguesia em governar, a criticar sua estupidez, a expor o desespero do capital. E qual é a conclusão? A burguesia botou todos no bolso, pois acreditavam que poderiam vencer com o poder do partido em vez de com o poder de classe. E nós podemos dizer que os porta-vozes e líderes de hoje têm qualidades maiores? Alguns, como nós, aprenderam no máximo um pouco (da classe trabalhadora).

Portanto, o exemplo russo não pode ser usado aqui. Havia, na Rússia, uma burguesia fraca e um proletariado fraco, uma maioria esmagadora de camponeses e um aparato governamental totalmente inadequado que havia se tornado obsoleto. Isto permitiu que o Partido Bolchevique, preparado para isso por uma seleção cuidadosa e uma centralização poderosa, tomasse a liderança da revolução e estabelecesse uma nova dominação. Mas mesmo aqui houve momentos, como imediatamente após a revolução de novembro, quando os líderes de partido estavam desesperados perante o exército que avançava e os trabalhadores de Petrogrado, diretamente da força de sua classe, salvaram a situação.

Mas esses porta-vozes não fizeram menos que subestimar o poder do proletariado. Se a burguesia na Europa Ocidental e nos Estados Unidos é diferente do que era na Rússia, a classe trabalhadora também é completamente diferente. Ela herdou, desde os primeiros séculos de uma existência pequeno burguesa, *uma grande* energia e independência pessoal. Durante o século seguinte, sob a pressão da burguesia, ela passou pela escola da grande indústria, das máquinas, o que desenvolveu as forças sociais da cooperação. Ainda não pode enfrentar a burguesia; as forças morais e espirituais necessárias para isto só surgirão na revolução. Mas as precondições estão postas, bem como a capacidade, e nisto reside a base firme da confiança da revolução. Mas o proletariado da Europa Ocidental e dos Estados Unidos encara uma tarefa infinitamente maior e mais difícil que qualquer classe anterior já teve que realizar. É de se estranhar, então, que ela hesite e tente evitar uma decisão o maior tempo possível? A própria impaciência de uma vanguarda pode não ser representativa da maturidade das relações; o escárnio e a zombaria a respeito da passividade das massas não são provas de seu próprio discernimento superior, mas sim de uma falta de discernimento.

A tarefa não parecerá tão enormemente difícil para um partido, pois o domínio de um partido, mesmo que se baseie na classe trabalhadora, ainda não representa uma ruptura tão completa com o passado. É como o líder conservador Delbrück escreveu algumas décadas atrás[3], na ocasião de uma importante vitória eleitoral da social-democracia. Este avanço das massas seria perturbador se eles não tivessem líderes. Mas com líderes é possível se chegar a um acordo, eles são pessoas como nós, que também só cozinham com água[4].

Um novo domínio de classe na forma de um governo de novos líderes – pois, já que o partido “lidera” a classe, então um pequeno grupo de líderes de partido lidera, por sua vez, o partido – é algo bastante diferente do autogoverno das massas.

A Luta Contra a Ditadura do Partido

Um domínio do partido assim poderia surgir como a primeira fase de um movimento revolucionário. Então, seria apenas o começo da luta real pela autolibertação do proletariado. Comunistas revolucionários sempre se comportarão de acordo com o seguinte: apoiarão qualquer movimento de classe, a despeito de sua liderança atual, mas dentro do movimento defenderão a autodeterminação da classe como seu interesse comum mais importante. Em um proletariado moderno, forças poderosas em breve se rebelarão contra uma liderança de partido e irão difama-la como elemento destrutivo, mas elas são precisamente os elementos construtivos do futuro. São as qualidades mais valorosas para a revolução, que devem ser apoiadas e promovidas tanto quanto possível.

Assim: uma vanguarda que se constitui como um partido e se separa da classe a fim de construir o poder do partido e assim ser capaz de liderar a classe não usa suas forças da maneira mais valorosa para o proletariado. Esta última ocorre apenas quando a vanguarda volta às massas repetidas vezes, permite que toda sua força beneficie toda a classe de modo que o poder da classe é desenvolvido. Sua própria organização, na qual discussões, estudos, propaganda e deliberações são conduzidas, é, então, a fonte da qual cada indivíduo retira de novo e de novo – especialmente em tempos de revezes – as forças morais e intelectuais das quais precisa em seu trabalho.

O Partido como um Grupo de Opinião

O partido é visto aqui em primeiro lugar como um grupo central e em segundo lugar como o líder da classe. No entanto, o nome tem um terceiro sentido: grupo de opinião, uma organização daqueles que sustentam visões similares a respeito de questões sociais.

Especialmente na França antes da guerra, o partido social-democrata como uma organização de opinião (organisation d’opinion)e o sindicato como organização de classe foram contrastados. Na França pequeno-burguesa, na qual a intelligentsia burguesa e os grupos burgueses eram representados em grandes números no partido-social democrata, era óbvio que o partido social-democrata não era visto como representante do proletariado, como partido do proletariado, mas sim como um grupo de opiniões socialistas similares; o sindicato era a organização pura da classe trabalhadora. Esta concepção nunca prevaleceu na Alemanha, pois nessa época o partido social-democrata era um representante essencial do proletariado, tanto por sua composição como por sua política.

Agora isto mudou na medida em que, embora o SPD ainda inclua as massas mais amplas, outros partidos e grupos aparecem ao seu lado, todos os quais creem e afirmam ser os verdadeiros representantes do proletariado. E todos estes contam com a revolução; se a classe trabalhadora se erguer apenas uma vez, ela se juntará a nós. Se todos eles aceitam isso, então quer dizer que nenhum deles é em virtude de sua origem ou de sua posição automaticamente o partido operário. Todos são grupos de opinião, grupos de concepções diferentes a respeito do desenvolvimento da sociedade e da tarefa do proletariado. A Union é um deles. E todos eles terão de lutar entre si pela alma do trabalhador.

Às vezes se supõe que a classe trabalhadora, assim que se libertar da influência egoísta dos partidos que a controlam e que competem por influência sobre ela, facilmente encontrará e manterá o caminho da luta de classes clara e unida. Em certa medida isto está correto; quando ela encontrar pela primeira vez sua unidade como classe nas empresas sem consideração pela afiliação organizacional e lutar como uma unidade, terá se dado um grande passo para fora da confusão e da fraqueza na direção da luta consciente. Mas surgirão grandes dificuldades efetivas com a grande luta em si. Sempre surgirão novas resistências e incertezas, as massas sempre vão se deparar com novos problemas sobre como agir; diferenças de opinião provocarão repetidamente rixas. Embora no começo de um movimento revolucionário todas as diferenças pareçam ter sido resolvidas, novas diferenças logo surgirão.

Não estamos falando aqui dos poderes burgueses que só aparentemente foram derrubados, que ressurgem e avançam novamente. Assim como em novembro de 1918 toda a burguesia de repente se tornou vermelha para emergir ainda melhor mais tarde, a social-democracia será, no irromper de uma revolução dos trabalhadores, naturalmente revolucionária e radical para permanecer na liderança e conter, mais tarde, o movimento. Isso não quer dizer nada senão que apenas no decorrer da revolução o proletariado pode se libertar completamente dos poderes do passado. Aqui, contudo, falamos das diferenças que existem dentro do próprio proletariado. Elas surgem apenas porque, em situações constantemente novas, novas exigências são feitas e a oposição de um inimigo poderoso exigir as decisões mais difíceis. Elas também surgem de diferenças de interesse dentro do próprio proletariado. A classe trabalhadora moderna é dividida em diferentes camadas, desde a indústria gigantesca até as menores oficinas, desde a escravidão mecânica mais opressora e sem espírito até o trabalho especializado mais enervante, aqui, ainda vivendo em relações naturais primitivas como a agricultura, ali, trabalhando com uma tecnologia altamente científica. Em todos os lugares as relações vitais e de trabalho e, portanto, também as maneiras de pensar são diferentes; embora todas tenham basicamente o mesmo grande interesse da classe proletária, frequentemente surgirão conflitos nos pormenores das medidas atuais. Então, imediatamente após as primeiras vitórias, surgirão questões como aquela sobre a relação com as outras camadas, com os camponeses, com os intelectuais e questões relativas à continuidade da produção e à continuidade da luta.

Não é preciso dizer que, nesta luta de opiniões, pessoas com a mesma opinião se unem em grupos ou “partidos” a fim de poderem conduzir melhor a luta por suas opiniões. Esta luta é necessária para o progresso espiritual que acompanha e sustenta o desenvolvimento da revolução. Não se pode prever no momento como estes grupos serão formados, como as tendências que hoje estão unidas então racharão e os adversários de hoje se juntarão. A única coisa que importa é não ver o desenvolvimento futuro de maneira muito simplista *e não alimentar a ilusão da unidade fraterna universal e se ressentir da perversidade dos arruaceiros que racharão esta unidade; não acreditar que as organizações que existem agora ou que se deseja formar com o objetivo de uma revolução unitária também poderiam permanecer como uma grande organização unitária do proletariado revolucionário*; e deixar, portanto, que nossos agrupamentos de hoje sejam determinados pela oposição e as demandas de hoje. Nos parece que as diferenças no movimento das Unionen são muito mais tradições do passado do que um começo de contradições futuras reais e que agora isso vale para círculos muito distantes, agora separados. De modo que também não é necessário deixar partidos diferentes abertos a atividades de partidos de oposição dos membros da Union; seu pertencimento à Union, sua concordância com os princípios da Union *de direcionar toda força à autodeterminação e à unidade da classe por meio dos conselhos operários* é sua “posição de partido” essencial. Se parece, então, que estamos passando de um período de fragmentação crescente para um de unificação crescente, isto não exclui que com a evolução do movimento, novas diferenças que poderiam ser chamadas de “tendências” ou de “partidos” podem surgir no interior ou ao lado do movimento das Union. Logo: partidos no sentido de grupos de opinião devem sempre existir no desenvolvimento dinâmico do movimento de classes como expressão da luta espiritual necessária no interior do movimento.


[1] Traduzido por Thiago Papageorgiou. A tradução do presente artigo de Anton Pannekoek foi realizada a partir da tradução de Fredo Corvo para o inglês (ainda não publicada). Nela, adaptamos notas de rodapé que indicavam nomes de partido para o corpo do texto entre colchetes a fim de facilitar a leitura; posteriormente, foram realizadas duas revisões: uma a partir do original holandês, Over het vraagstuk van de partijen (disponível em pdf aqui), na qual, em virtude do conhecimento limitado do idioma, se recorreu ao dicionário bilíngue holandês-alemão Langenscheidt e que gerou poucas alterações, apenas acréscimos aqui e ali; posteriormente, esta tradução foi comparada com a tradução alemã, Zur Frage der Partei (in- Anton Pannekoek, Arbeiterräte: Texte zur sozialen Revolution. Fernwald, Germinal Verlag, 2008, p. 396-405, disponível aqui), na qual foram identificados acréscimos, indicados no próprio texto entre asteriscos (*) ou, em casos de alterações mais substanciais, nas notas. [n. t.]

[2] A tradução alemã omite o título desse tópico. [n. t.]

[3] A tradução alemã, sem oferecer maiores detalhes da fonte, indica que esta é a passagem original: “Este avanço das massas seria perturbador se não soubéssemos que sempre é necessário o espírito de conduzir as massas, o espírito cujos portadores são os líderes, pessoas parecidas com nós”. [n. t.]

[4] Pannekoek emprestou essa expressão do alemão “auch nur mit Wasser kochen”, que possui o sentido de “precisar das mesmas coisas para fazer algo, não ter ou não ser nada de especial, não ser mais capaz que os outros”, algo bastante similar ao “gente como a gente” do português. [n. t.]

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