Nenhuma aula hoje, nenhuma classe dominante amanhã. Lições de uma greve estudantil – Root & Branch

Original in English: No Rulling Class Tomorrow

[Nota do Crítica Desapiedada]: O texto do coletivo marxista Root and Branch aborda o caso da repressão aos estudantes no dia 4 de maio de 1970, universidade de Kent State, estado de Ohio nos Estados Unidos. Para mais informações históricas sobre esse evento, confira a HQ “Kent State: quatro mortos em ohio”, de Derf Backderf, publicado pela Editora Veneta.

A revolta dos estudantes em maio de 1970 marca uma mudança decisiva no desenvolvimento das forças sociais americanas. É essencial entender o que aconteceu para que quando o movimento cresça novamente, dezenas de milhares de pessoas saibam como levá-lo para frente.

O movimento de Maio não foi um simples protesto contra a invasão no Camboja. A ação contra a invasão do Camboja foi um pretexto para o movimento, pois ela incorpora tudo que os estudantes aprenderam a odiar: decisões de vida ou morte por um punhado de homens no topo; fraudes; imperialismo; racismo; violência. A reação instintiva dos estudantes foi aproveitar o ponto central do poder disponível a eles, suas universidades, e lutar – com a força necessária – contra a polícia, a guarda nacional e outros instrumentos de violência estatal que estavam tentando desmantelá-los. 

No meio da greve, um congressista dos Estados Unidos disse que deve haver uma conspiração por trás das ações dos estudantes, pois como centenas de milhares de estudantes poderiam conduzir a mesma luta em torno da mesma demanda básica em centenas de campus diferentes?

Claro, todos que participaram no movimento de Maio sabem que não havia conspiração por trás, nem mesmo um líder centralizado;  muito pelo contrário, a greve foi espontânea e indispensável para uma resposta ao “modo de vida americano”, que abarcava a guerra (invasão ao Camboja) e a opressão (julgamento dos Panteras Negras). No entanto, a natureza da greve estudantil será difícil de compreender, não só para aqueles no poder que acreditam que quando as massas agem deve existir uma conspiração por trás delas, mas também para aqueles da esquerda que acreditam que somente uma organização centralizada pode liderar uma luta de massas.

Quem eram os verdadeiros líderes da greve de Maio? Eles eram os estudantes de Yale que combateram e ocuparam seus campus por muitas semanas antes da greve se tornar nacional. Eles eram os estudantes de Kent State[1] que superaram a força policial e a força da guarda nacional até que esse último recorreu ao assassinato. Eles eram as dezenas de milhares de estudantes de centenas de campus que tomaram a iniciativa e encamparam, em resposta à invasão do Camboja, do julgamento dos Panteras Negras e da matança no Kent State. A liderança deles criou um movimento centenas de vezes mais significante que qualquer coisa que um partido de vanguarda poderia ter feito ou por aqueles que se colocam à frente como líderes e porta-vozes.

A greve estudantil representa um tipo de luta que não era vista nos Estados Unidos por mais de trinta anos. A coisa mais importante dela foi ter saído fora do controle; não havia líderes que controlavam – ou seja, as pessoas agiram elas mesmas no controle da greve. É claro que as administrações escolares, os porta-vozes auto-designados e semelhantes, acabaram por restabelecer o controle dos estudantes, mas por quase uma semana os alunos controlaram coletivamente suas próprias atividades e seus próprios campus.

Praticamente todas as organizações que existiram antes de Maio se provaram irrelevantes para a greve, na melhor das hipóteses, e recorrentemente eram forças retardadoras e desorganizadoras. Em “New Haven” foi colocado um pouco de energia infrutífera para pressionar o controle trotskista do Comitê de Mobilização Estudantil (CME) para parar de recusar a chamada de uma greve dos estudantes. (Este pequeno exemplo demonstra como a concepção de que as massas devem aguardar por uma vanguarda organizada liderar os grupos leva a um retardamento da iniciativa das massas). Felizmente, os estudantes de New Haven perceberam que poderiam agir por contra própria e começaram a criar e espalhar um chamado para a greve. O CME tentou recuperar o controlechamando para uma reunião em Washington para coordenar uma greve nacional. A reunião colapsou em uma combinação de contenção e irrelevância para a luta, mesmo assim a organização continuou em suas tentativas de explorar a greve para seus próprios interesses. 

A Associação Nacional de Estudantes imediatamente se apresentou como uma porta-voz da greve estudantil e foi aceita assim por grande parte da imprensa. Eles minimizaram o que era mais significativo na greve e a retrataram com uma espécie de protesto lento. Enquanto isso, eles tentaram canalizá-la de volta para a relevância do sistema político, com programas tão contidos como a demanda dos congressistas de forçar a estadia em Washington até eles fazerem algo sobre a guerra – no exato momento em que a morte do congresso como uma força política ficou mais aparente. 

O New Mobe chamou para uma marcha em Washington em resposta à invasão do Camboja antes da greve dos estudantes estar encaminhada. A intenção original era marchar perto da Casa Branca sem permissão, forçando, portanto, apreensões em massa. Nixon sabotou o New Mobe garantindo permissão de último minuto, escondendo as tropas dentro dos prédios e dando instruções estritas para a polícia evitar provocar a multidão até o cair da noite. A marcha se transformou, portanto, em um grande piquenique e formou uma importante ligação para a reintegração do movimento de greve em protestos políticos. A maioria dos líderes do Mobe tinha esperanças para mais um desafio militante, mas os aparatos legais e militares, combinados com a expectativa da multidão que a palavra sobre ação militante poderia vir de cima, impediram que tal ação ocorresse. É claro que daqui em diante o New Mobe só pode ser um empecilho para o nível da luta.    

A questão central aqui não é muito sobre limitações específicas do New Mobe, como a inadequação para o desenvolvimento de uma atividade radical inerente ao movimento de massas, no qual a conexão entre os indivíduos que compõem as massas existe unicamente através de suas relações compartilhadas para uma direção central. O contraste importante não é aquele entre a liderança central boa e má (liberal e radical), mas entre um movimento organizado e ações e metas atribuídas a um grupo central e um movimento que cria formas de organização necessárias para o coletivo tomar decisões e conduzi-las. No primeiro caso, o centro não é realmente um centro (de um total orgânico), mas um aparato externo para o próprio movimento. No segundo – realizado até certo ponto na greve estudantil – o princípio da organização não é o da concentração da tomada de decisões, mas a promoção do desenvolvimento de uma iniciativa ao longo da totalidade das pessoas envolvidas. 

As duas principais orientações sobre questões dentro da esquerda que precederam a greve também se mostraram forças desorganizadoras. Uma delas – expostas por trotskistas e liberais – é que a paz no Vietnã é o único problema que a maioria pode potencialmente ser mobilizada e, portanto, outros problemas não podem ser levantados. Este argumento é usado – em nome da unidade – para tentar separar a esquerda radical do movimento. Por outro lado, há um importante segmento da esquerda que tentou tornar o apoio ao Partido dos Panteras Negras a principal questão para a esquerda. Novamente, em nome da unidade (desta vez com os negros), eles almejaram separar a ala direita do movimento exigindo prioridade para a questão dos Panteras. Embora os dois grupos tenham brigaram sobre isso em todos os locais, um grande número de grevistas apoiou todas as três demandas desde o início e entenderam elas estavam intimamente relacionadas. À medida que a consciência política se espalhava, mais e mais pessoas se moviam nessa direção. O objetivo dos radicais deveria ter sido aumentar os objetivos da greve para refletir os interesses de grupos mais amplos (especialmente os trabalhadores brancos), e não tentar delimitá-los.

Se as antigas organizações e formas se mostraram irrelevantes, quais formas de organização emergiram da própria greve?

A chamada da greve saiu de uma reunião informal no comício de New Haven, no qual cerca de 1.000 pessoas compareceram. Elas elaboraram as demandas e depois se separaram em grupos regionais para espalhar a notícia da greve pelo país. A ideia da greve foi aprovada pelos aplausos da multidão de New Haven. 

Aqui agora nós vemos o princípio mais importante da greve: pessoas tomando responsabilidade por executar ações que eles percebam ser necessárias. Essa responsabilidade também marcou a disseminação da greve. Os comitês grevistas se formaram espontaneamente em centenas de campus e simplesmente começaram a organizar a greve, em resposta ao Cambodja, à convocação da greve de New Haven, e à ação dos estudantes em outros lugares. Seu princípio não era para esperar uma maioria antes de convocar uma greve, mas através da ação ganhar a maioria para a greve.

À medida que a greve tomou forma, comitês grevistas eleitos começaram a tomar espaço. Esse processo não foi completamente geral, entretanto, nisso reside uma limitação séria da greve. Como frequentemente ocorre nesses fenômenos, o conteúdo radical da ação estava muito adiantado na compreensão dos estudantes sobre o que estavam fazendo. Isso, por sua vez, limitou a realização completa de perspectivas que haviam sido abertas. Por exemplo, estudantes que, de fato, tinham ido além da dependência na autoridade em pegar o controle direto de suas ações em seus ambientes de trabalho, passaram seu tempo instando as pessoas a pressionar autoridades políticas ou angariando políticos para a paz. (Em alguns folhetos distribuídos para trabalhadores em Cambridge, Massachusetts, a contradição foi desenvolvida a uma altura surrealista, com a união de uma convocação para uma greve geral com apelos de telegramas aos congressistas!). No mesmo sentido, os estudantes permitiram a reprodução dentro da greve das próprias formas de organização social das quais a greve era uma negação, no surgimento, (na forma dos comitês grevistas) de um corpo especial de administradores. Não obstante, ao mesmo tempo, milhares de estudantes começaram a tomar responsabilidade pelas mais variadas tarefas requeridas pela greve – provisionamento, prospecção da comunidade, piquetes, comitês de dormitório, contatos e similares.

Vale ressaltar a relação com a greve de grupos engajados em atividades estritamente ilegais. Eles mantinham contato com a greve dirigindo comitês, mas faziam seus trabalhos privadamente e em sua própria responsabilidade. Isso fornece uma experiência e um modelo que será útil se e quando o movimento é forçado a desenvolver formas de organizações ilegais e secretas. 

Os estudantes não se voltaram às antigas redes de organizações – N.S.A., Y.S.A., P.L., etc. – para coordenação. Alunos da Universidade de Brandeis criaram um centro de comunicação da greve cuja legitimidade foi aceita em todos os lugares – exceto por certos grupos sectários – pois tomava o princípio não-sectário de espalhar a greve como seu objetivo e comunicar todas as informações pertencentes a esse objetivo. Qualquer operação de comunicação baseado em um princípio narrativo mais restrito teria sido ignorada e considerada ilegítima pelos grevistas. Em toda a cidade e regional comitês coordenados se desenvolveram espontaneamente. A greve se tornou melhor coordenada quando as informações fluíam e assim uma ação exemplar em um lugar era rapidamente aprendida e aplicada em outro local.  É esta coordenação real em ação que conta, não uma organização formal. 

Claro, os estudantes sozinhos não conseguiam manter uma parada sustentada pelo processo legal e ordenado do dia a dia. Contanto que os negócios como de costume continuem pelo resto da sociedade, a pressão por receber créditos pelo ano escolar para evitar prisões e sentenças, sem mencionar danos e mortes pelas mãos do poder de Estado– essas pressões eram irresistíveis para a maioria dos estudantes. 

É neste ponto – quando a greve se desintegra – que a ala esquerda e os liberais se movem em competição pelo restante. As alas aparecem novamente como vanguardas, desde que as massas se formaram diante deles, estavam desaparecendo. O desânimo com as limitações da greve leva particularmente a um retorno ao protesto liberal – campanhas eleitorais entre outros. A administração liberal colegial faz de tudo para encorajar essa rota. 

Taticamente, os radicais deveriam ter como objetivo fazer com que a posse do território universitário – mesmo quando isso fosse inaceitável para os funcionários públicos – fosse uma parte do programa de protesto estudantil durante o período de redução do radicalismo. Mas devemos manter em mente que unicamente o exercício real do poder social exercido por estudantes e trabalhadores pode seriamente balançar o sistema, e isso pode unicamente ocorrer quando a crise reabrir. Essa recorrência, no entanto, agora é inevitável. 

A estabilidade política e militar do regime de Saigon irá, novamente, se tornar duvidoso se mais e mais tropas americanas forem retiradas. As pressões para uma solução final no Vietnã aumentam – tornando mais provável a retomada do bombardeio do Vietnã do Norte, o uso de armas nucleares táticas e a provocação de guerra com a China. A economia continuará a cair em casa, colocando mais e mais setores da população contra Nixon, a guerra e o status quo. Além disso, a política de isolamento de Nixon – já comparável com Lyndon Johnson’s em 1968 – continuará a crescer. A invasão ao Cambodja minou a fé pública de que Nixon está terminando a guerra. Os protestos massivos contra a guerra destroem o discurso de Nixon de restabelecimento de uma unidade nacional. Dada sua base cada vez menor de apoio social, Nixon será cada vez mais forçado a usar soluções militares e policiais em casa. Quando a crise reabre, as pessoas em todos os lugares devem assumir responsabilidades e agir.

Unite Now (Unidos Agora).

A greve pode se espalhar? A imprensa recebeu com alegria um incidente na cidade de Nova York, onde aproximadamente 400 trabalhadores da construção passaram pelas barricadas policiais no City Hall e atacaram estudantes militantes. Eles não mencionaram muito os dois homens não identificados de terno que lideraram os trabalhadores, ou o fato de que a hostilidade dos trabalhadores era mais direcionada ao regime do prefeito Lindsey do que aos estudantes. A imprensa tentou fazer desse ataque uma típica resposta dos trabalhadores a greve dos estudantes, sem indicar que as operações de construção foram uma fração relativamente privilegiada da classe trabalhadora ou que essa posição está agora em grande risco de ser prejudicada, uma situação que, se alguma coisa reforçou sua intolerância tradicional.

De fato, relatos de todo o país indicam que os eventos de Maio marcam uma mudança nas atitudes dos trabalhadores americanos, especialmente jovens trabalhadores. Os estudantes recrutadores eram bem recebidos nas áreas dos portões das fábricas em Cambridge, Massachusetts, apesar do ressentimento tradicional da cidade, e o mesmo parece ter acontecido em diferentes casos e lugares. A dureza da ação dos estudantes, longe de despertar sentimentos de lei e ordem entre os trabalhadores, parece ter tornado os alunos credíveis como algo mais do que pirralhos mimados. Na capital do país, Washington, o símbolo da paz feito com as mãos, punhos cerrados sorrisos e palavras de encorajamento foram distribuídas aos grevistas repetidamente por motoristas de caminhão, taxistas e atendentes de estacionamento, entre outros. Muito mais trabalhadores de colarinho branco e azul participaram de marchas locais em todo país do que nunca. 

Relatos de trabalhadores que queriam sair em apoio a greve chegaram de todos os lugares. Um grupo de trabalhadores autônomos em Framingham, Massachusetts, declararam doença para que assim pudessem se posicionar contra a guerra, e ações similares foram generalizadas. Um número de greves selvagens foi reportado em Long Island, Nova York, e Providence, Massachusetts. Antes de Maio, até a ideia de trabalhadores apoiarem a ação estudantil pareceria ridícula; o que é surpreendente não é que eles não conseguiram fazê-lo desta vez, mas que em diferentes lugares ele falaram sobre fazê-lo. Foi iniciado um fermento que continuará a se aprofundar enquanto a atual crise continuar.

A greve também criou uma base muito melhor para o apoio dos estudantes aos trabalhadores – se os estudantes a usarem. É preocupante, por exemplo, que tenha havido pouco apoio evidente para os “wildcat teamster” e as greves do correio. Agora, contudo, os estudantes devem ser capazes de entender a importância do suporte a tais ações. Seria de grande valor se estudantes informais formassem forças tarefas em cada universidade ou cidade para ajudar greves locais, incluindo ambas mobilizações de suporte estudantil e, quando útil, engajar em ações diretas de diversos tipos. Além disso, os contatos entre estudantes e trabalhadores que emergiram da greve devem ser mantidos por meio de discussões, contatos pessoais, abertura de moradia no campus para jovens trabalhadores etc. 

Existem diversos níveis nos quais o movimento estudantil e os desenvolvimentos entre os trabalhadores tenderão a convergir. 

  1. O imediato fardo econômico da guerra na classe trabalhadora cresce mais e mais pesado. Salários reais estavam em declínio desde a escalação da guerra em 1965. Agora, o desemprego diminui enquanto os preços continuam subindo. O fato de os gastos com a guerra agora prejudica mais do que ajuda a economia, mina a integração da classe trabalhadora no sistema militar. No passado, trabalhadores e empresários apoiaram alegremente o aumento das ordens de guerra como um antídoto para o aumento do desemprego; agora a produção de guerra claramente não é solução. Como a economia continua a declinar, trabalhadores irão achar seus interesses econômicos imediatos os unindo aos estudantes em oposição à guerra.
    Desemprego afetará especialmente os jovens. Trabalhadores mais velhos terão consideráveis seguros desempregos a não ser que uma grande depressão se desenvolva, enquanto trabalhadores jovens serão demitidos e incapazes de encontrar empregos. O desemprego pode também radicalizar comunidades hippie, que são dependentes do apoio a empregos marginais, cuja ocorrência aumentará à medida que se tornarem mais escassos. Até mesmos estudantes que deixam a faculdade com diplomas avançados estão tendo dificuldades em conseguir empregos nessa primavera.
     
  2. O movimento dos trabalhadores como um todo está saindo de sua integração conservadora de seu status quo americano e se tornando mais militante. Enquanto isso, a posição protegida dos sindicatos está sobre ataque — até uma publicação comercial liberal, como “Business Week” (Semana Empresarial) está pedindo a revogação da Lei Wagner, com sua proteção à negociação coletiva. 1970 pode ser a maior onda de greves desde 1946.
  3. Há diversos sinais de que a fartura geral e a rebeldia estão se espalhando para além do campus, principalmente para os jovens da classe trabalhadora. A indicação mais impressionante disso é a série de revoltas no ensino médio que se espalharam pelo país no ano passado, culminando em várias greves no ensino médio em Maio. Outra é a impaciência generalizada dos jovens trabalhadores com barganhas coletivas e ordenadas relatadas pelos líderes sindicalistas e a onda crescente de greves selvagens provocada por jovens trabalhadores. Ações como a greve estudantil de Maio ajudam no surgimento e cristalização desse espírito; rebelião é infecciosa. 
  4. A greve estudantil e as ações independentes dos trabalhadores compartilham da mesma rejeição aos líderes burocráticos e expressam a mesma ideia do controle da luta continuar nas mãos deles próprios, os grevistas. Apenas esse tipo de luta pode superar a visão cínica que todos estão lutando por si próprio, que a luta política é inútil pois somente instala novos líderes corruptos no lugar dos antigos. 
  5. Enquanto o movimento estudantil permanecer no nível dos protestos políticos, não faria o menor sentido para a grande maioria da classe trabalhadora americana, os quais entendem sem ajuda de nenhuma organização radical, que decisões reais são feitas pelos grandes homens e que tentativas de influenciá-los por pessoas comuns são inúteis. A greve estudantil, por outro lado, representa um esforço para o verdadeiro poder social dos estudantes — exatamente como os trabalhadores fazem quando fazem greve. Por esse motivo, dá um exemplo aos trabalhadores da forma que suas ações podem assumir quando estão prontos para intervir em assuntos políticos.

O movimento continuará, até certo ponto, durante o verão e a reabertura das faculdades no outono. Quando irá reabrir novamente em Maio, não pode ser previsto. Parece que acontecerá, certamente. O problema não é não ter uma organização preparada para ação nesse ponto — as greves terão que criar suas próprias organizações quando estiverem prontos para mover e serão capazes de fazer como fizeram em Maio. O que é preciso é um entendimento entre todos que irão compor o movimento do que é necessário, do que eles querem que aconteça. Os pontos seguintes são oferecidos como base para a discussão por todos que buscam ações futuras:

  1. Bases de operação como universidades, escolas, prédios públicos, TV e estações de rádio, fábricas e escritórios devem ser ocupados no início do movimento e defendidos durante a ação da massa e o controle de equipamentos reféns.
  2. O slogan deveria ser “Dessa vez todos estão indo a greve”. Somente uma greve geral tem o poder de parar a guerra e as máquinas opressoras. Greves estudantis não deveriam ser simplesmente um fim em si mesmas, mas um modo de criar uma base para outros agirem. Devemos argumentar que todo mundo sabe que a guerra e os loucos em Washington devem ser parados. As pessoas não podem deixar os estudantes se levantarem e serem abatidos sem ajuda por assumirem uma responsabilidade que todos deveriam compartilhar. 
  3. O controle da greve deve ser deixado nas mãos dos próprios grevistas. Problemas na greve devem ser debatidos e decididos entre todos os grevistas. Grupos envolvidos em diversas atividades devem se encontrar regularmente para uma discussão coletiva de seus trabalhos e da base política.  As reuniões das massas, usadas por tanto tempo como fóruns para associações concorrentes ou para exercícios em uma democracia parlamentar vazia, devem ser usadas para relatar a todos os grevistas do trabalho dos grupos menores (incluindo grupos políticos tradicionais, bem como comitês de ação orientados a tarefas), discussão política da greve, convites para participar de ações específicas etc. 
    Comitês de coordenação de greve para faculdades, escolas, fábricas, escritórios etc. devem ser eleitos pelo maior número de grevistas, sujeitos a lembrança instantânea por eles, com novas eleições a cada poucos dias, enquanto a greve continuar, para mantê-los representativos do sentimento atual. Os conselhos de coordenação de cidades ou regiões devem representar esses comitês grevistas eleitos para fins de trocas de informações em uma área mais ampla. Somente tal estrutura irá proibir a emergência de uma greve burocrática. Esse é um mal não apenas em si mesmo, mas porque destrói a tomada de coletiva de responsabilidades e o controle, que é o coração e a fonte de energia da greve.
  4. No campus, enquanto a greve se espalha, os grevistas e seus órgãos devem agir conscientemente como autoridade legítima em conflito com o sistema de autoridade dos políticos e administradores que se opõem a eles. A greve obtém sua legitimidade não de um reconhecimento pelos representantes de uma velha ordem, mas pela participação dos grevistas na criação de uma nova ordem. 
  5. Os objetivos e demandas da greve devem ser universalizados. Isto é dizer que diferentes grupos devem ser encorajados a se juntar a greve com intuito de pressionar suas próprias demandas. As sementes desse processo já podem ser vistas em Maio; por exemplo, Libertação das Mulheres (Women’s Liberation) na capital de Washington, convocou as mulheres trabalhadoras à greve, para combaterem as constantes indignidades de seus trabalhos diários, bem como em apoio a demandas dos estudantes. 

As três demandas da greve de Maio refletem, agora, a óbvia inter-relação entre os problemas da greve, a guerra nos campus e a repressão de dissidentes. À medida que a crise se alarga, amplia a base do movimento, a medida em que todos os principais problemas que afetam diferentes setores da população estão relacionados, como facetas do mesmo sistema, ficará mais clara. É exatamente esta compreensão da natureza total da mudança que é necessária, que trará essa mudança. No momento em que as demandas da greve se tornam mais amplas, a impossibilidade de atingi-las dentro do modelo existente de sociedade se torna mais evidente – e a possibilidade de alcançá-los através da ação coletiva cada vez mais ampla de pessoas se torna aparente.

Se os estudantes fazem greve.. Não existe escola. Se os trabalhadores fazem greve… não há guerra.

[1] [N.T.] Kent State é uma universidade localizada no estado de Ohio nos Estados Unidos. No mês de Maio do ano de 1970 houve um massacre no campus da Universidade onde a guarda nacional de Ohio atirou contra uma multidão de estudantes, ocasionando quatro mortos e nove feridos. (Fonte: Site – Kent.edu)

Traduzido por Fernanda Reis e revisado por Gabriel Teles a partir da versão disponível em: https://libcom.org/library/no-class-today-no-ruling-class-tomorrow-root-branch-1970. Panfleto original em: No Rulling Class Tomorrow.

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