O Poema Imundo – Luiz de Oliveira

A gente nasce assim mesmo
Num lugar fechado, daqueles escuros
Claros
Que as pessoas ficam suadas ou
Exaustas feito pedreiro ao meu dia
e que dia! [não-outro-dia]
Se delicia com a mentira da cegonha
que brisa e onda quem criou isso
tava perdido em maconha

A gente saí feito jato do cano de descarga
E entra pela válvula da vida
Eu chego primeiro, quero calor e aconchego
Deveria ter falado à outro, mais perdido
E melindroso

A gente nasce e esquece de tudo, quando adulto
Passa, cai, levanta e trupica
Levanta, sacode a poeira e dá a volta
Embaixo da sola do patrão, é claro
Achou que ia ter superação
Mindset e coaching com razão
querendo te enfiar mil ideologias
Feito cristão
Não! Aqui não!

Aqui onde o calor é igual arguadente em puteiro
Na esquina da passa quatro
Lá na zona que dá calor na puta malfadada
Caiu na vida, na rotina ou de quatro?
Não importa! Dinheiro na mão, pagamento na mesa ao lado
Gozo cronometrado, pagamento adiantado
Prazer surrupiado, engano por trocados

E a repressão segue, desde que a gente nasce
e Freud fala: É mãe!
E a gente nem se sabe o que é, lá se cresce e vem outra mulher
A garota da sala, a professora, a vizinha de riba, a menina da esquina

E vai se dinheiro
Tum Dum Tum Dum Dum
A máquina de dinheiro se enche
Ao final do expediente se dá pra comprar
Uma coxinha e o patrão a sua casinha
Em condomínios fechados onde se pode
Inclusive
Ter Sol, água e ar a bater em seu rosto
De orgulhar do esforço
Trabalhem enquanto ele dorme
Descansa enquanto a gente sofre
Se tivesse chibata, usava
Se ameaça chama de meta
Vou nem dizer o resto
Que vai que me processa

E tome coragem, 51 é verdade
Chega a ser covarde, mas se engole
As durezas com aguardente e cerveja

Vai a pé e leva a quentinha
no almoço parece um picolé
nem defunto pararia em pé
E não para!
Mas vivo de dar um jeito
Comer para ficar forte, trabalhar
Dar no coro e transar

Eu como para te comer
E te como, se me permite
Com prazer ou sacanagem
Sem um pouco de castidade
Se quiser, tomar em outro lugar
Na faça cerimônias e vai se deitando
Não tenho tempo para descanso

Deve ser a repressão, talvez a escravidão
Deveria me rebelar, portanto, me entregar
Sem espanto, quem sabe?
Deve ser a mãe com o varal das roupas
A prostituta que usa roupas fogosas
A mulher de roupas dengosas

Devem ser a roupas que me deixam assim
Com a ausência delas, o que seria de mim?
Ausente da repressão que me castra?
Balançaria por aí, pela praça, pela esquina
Parando a avenida em plena 24 de outubro
Campinas e venham

Vejam, um homem nu correndo e balançando
Os jornais noticiam:
– Um homem nu e negro
Ouvi as conversas de fofocas
– Ah! Essas minorias, no meu tempo…
No teu tempo, que já se foi, agora é meu tempo
De retirar o moinho interminável de hamster reforçado
Destruir o trabalho alienado, do homem
explorando o homem, a mulher
Já que exploraram a mulher, a criança, o homem em 14 horas diárias, em fábricas lotadas
Em carvão e seda
Seda que parece doçura,
Mas é dureza feito açúcar
de rapadura que não se morde
mas se chupa feito cana-de-açúcar
nossa primeiro introdução
No solo massapê que hoje
Desértico não dá de comer

Num lugar árido e inchuvoso
numa terra que se vende gozo, mas no carnaval
Nos outros dias somos santos(ufa), somos em cima do muro
Nos dias que se fazem calor
E no outro também
que parecem um convite ao inferno
A um drinque ou um prazer fortuito
Feito na noite que corre veloz
Feito carro de racha
Feito rapidinha na raxa
Que gera filho, responsabilidade e
chupeta

Nessas horas que homens buscam heróis de gaveta em roupas, acessórios
Comprados com seu suor-salário
Onde gera lucro e consumo
Homens que, antes de tudo, são seres
Que carregam o esqueleto que os sustentam

Se encontram agora desarmados no transe hipnótico
Seja do pecado ou do prazer-lazer-comprado
No parque ou na viagem, tudo à parcelas

Homens e mulheres que assim como eu, você e tanto outros anseiam um futuro
Que parece vir a ser um pedregulho
Um pseudofruto, um sabor amargo
E profundo

Feito do caos e do absurdo e ainda assim, homens e mulheres regem suas vozes para
Um futuro
Que vem com força e soca o muro
Escancara as dores à vizinhança
Sacode com o vento a lembrança
De que tempos são estes
Em que homens são cruéis
Em meio à mesquinhez
Em que homens são fiéis
À embriaguez
Em que homens anseiam o fim
De sua mortalidade
Em que é preciso ter fé na humanidade
Ou seria de vez?

Se entregar ao pessimismo resolvesse isso
Era só ler algo sofrido que se daria por satisfeito
Era só viver a mediocridade por parcelas
Mas somos homens, seres que vivemos por inteiro
Que somos regidos nos anos inteiros, por dias inteiros, por um amor inteiro

Homens completos que desejam
Um carinho completo
Um sexo por completo
Uma refeição completa
Uma viagem que o completa
Uma vida a ser completa
e contemplada

Uma vida que não seja nem totem e nem tabu
Que não tenha que tomar no cu
Que não tenha nada de mentiras
Nem feito sob encomenda ou sob medida
Uma vida digna e já basta
Uma vida e já estaria em meu agrado
Com o perfume de teu jasmim ao meu lado
Uma doçura que me impediria de ser
Um alecrim dourado de campos solitários