As Tradições Revolucionárias: O Comunismo de Conselhos – Steve Wright

Steve Wright é professor da Universidade de Monash/Austrália.

Quando lhe pediram para caracterizar a significação da Revolução de outubro, John Maynard Keynes – um dos pensadores mais astutos do capital – sugeriu que 1917 anunciara a vitória do “Partido da Catástrofe”. Para muitos dos revolucionários que ajudaram a estabelecer o movimento comunista internacional, porém, a simples exigência “Todo o Poder aos Sovietes” pareceu apresentar uma nova política de classe, finalmente capaz de ultrapassar os desastres da guerra e a traição.

Um destes revolucionários, o poeta Herman Gorter, cumprimentou Lênin nesta época como “o lutador da vanguarda avançada do proletariado internacional”, e as próprias assembleias nas condições seguintes: “A classe operária mundial encontrou nos Conselhos Operários a sua forma e sua expressão de organização e centralização, para a revolução e para a sociedade socialista” (citado por Shipway, 1987: 105).

Para a maioria das pessoas, Gorter e seu colega Pannekoek, lembram uma remota esquerda pouco conhecida e são relembrados como dois daqueles que foram fustigados por Lênin, em O Esquerdismo, a Doença Infantil do Comunismo. Em 1917, porém, ambos eram figuras proeminentes dentro do movimento revolucionário internacional. Para a concepção deles, a participação dos Partidos e Organizações social-democratas na Primeira Guerra Mundial demonstrou não só a decadência moral da liderança da Segunda Internacional, mas também a bancarrota das formas de organização que trocaram “o centro de gravidade… das massas para os líderes” (Gorter). Contra as velhas organizações de vanguarda, eles contrapuseram os conselhos de fábrica e assembleias; contra o partido social-democrata, um novo “tipo” de vanguarda política, eles se dedicaram exclusivamente ao desenvolvimento da auto-organização dos trabalhadores.

Em grande parte da Europa Ocidental – na Alemanha acima de tudo – tais perspectivas encontraram uma forte ressonância entre 1917 e 1923. Gestado, perto de 1919, dentro do Partido Comunista Alemão – KPD (Spartakusbund – Liga Spartacus) pela sua rejeição ao parlamentarismo e às velhas cooperativas comerciais, “os comunistas de esquerda”[1] formaram um partido novo, o KAPD – Partido Comunista Operário e Alemão – que brevemente obscureceu o seu rival “oficial” em combatividade e influência. Pela sua rede de organizações de trabalhadores filiada à AAUD – União Geral dos Trabalhadores da Alemanha, o esquerdismo adquiriu uma presença importante durante um tempo dentro da classe operária alemã, particularmente nas regiões estratégicas do Ruhr e Bremen. Durante o Putsch direitista do Kapp, tentado em 1920, os seus ativistas tiveram o papel principal nos Exércitos Vermelhos que brevemente dominaram o Ruhr.

As divisões partidárias, as polêmicas contínuas com a maioria da liderança bolchevique e competição no interior do Partido Comunista, agora fundido com a esquerda social-democrata, combinaram-se para debilitar os “esquerdistas” depois do levante da classe operária em 1921. Talvez a mais séria das diferenças internas do KAPD se referia à natureza do partido. Uma ala, em torno de Otto Rühle, afirmou que “a revolução não é tarefa de partido”, sendo este inerentemente uma forma de organização burguesa. Assim, o KAPD deveria se dissolver nas novas organizações operárias, ao contrário dos partidos, os próprios veículos da ditadura proletária. Contra eles, a maioria apresentou uma “teoria da ofensiva”, em que o partido de estrutura (“duro como o aço, transparente como vidro”) buscaria conduzir o proletariado através do exemplo – com nada mais que resultados infelizes, como a desastrosa “ação de março”, realizada no início de 1921.

No início dos anos vinte, quando ficou claro que os soviéticos só eram tal em nome e o Comintern estava subordinado à política externa russa, os comunistas de esquerda finalmente romperam com os bolcheviques. Dentro da Europa, a estabilização relativa da luta de classes depois de 1923, provoca a perda de influência de sua tendência. Voltados para dentro de si, os comunistas de esquerda restantes começaram a reavaliar as suas perspectivas políticas lentamente. Eles, desenvolvendo uma das primeiras teorias do capitalismo de estado, passaram a ver o regime bolchevique como o último produto das “Grandes Revoluções Burguesas da Europa”. Assim como Rühle, muitos também começaram a questionar a utilidade da forma-partido para a ação comunista, enquanto propunham que os grupos de revolucionários deveriam fazer tudo que eles pudessem para “nutrir a auto-iniciativa e autonomia” da classe, e ações espontâneas das massas insatisfeitas, no seu processo de rebelião, criando suas próprias organizações, e que tais organizações, surgindo fora das condições sociais, só pode terminar o arranjo social presente (Mattick, 1978: 84, 85).

Durante os anos trinta, vários pequenos, mas vivos, jornais diários, promoveram um fórum para debate e discussão entre os “comunistas de conselhos”, tal como o esquerdismo passou a se chamar. Talvez o mais conhecido destes jornais tenha sido o de Paul Mattick, chamado ICC – International Council Correspondence (depois Living Marxism[2]) para o qual Rühle, Pannekoek e Karl Korsch contribuíram. Enquanto que o trabalho teórico e análise política avançaram nestes diários, frequentemente de alta qualidade, o isolamento dos comunistas conselhistas continuou na década seguinte: o clima da Guerra Fria seria até mesmo mais prejudicial para eles, pois viram as coligações políticas rivais como simples formas de imperialismo capitalista.

Como muitas outras tendências do antigo movimento comunista, o comunismo de conselho “renasceu” pelas ações radicais dos anos sessenta e setenta. Ainda que não atraindo o mesmo número de que os grupos leninistas, a corrente mostrou, no entanto, uma influência significante na perspectiva da esquerda libertária do pós-1968. Porém, até mesmo seu alcance era aqui largamente indireto, através de outros grupos e pensadores – os situacionistas, Socialismo ou Barbárie, a Tendência de Johnson-Forest[3] – de quem a ruptura anterior com o leninismo os tinha trazido ao contato com os comunistas conselhistas sobreviventes dos anos cinquenta. Em alguns casos os acidentes de história familiar fizeram também o seu papel: Noam Chomsky, por exemplo, teria o seu primeiro encontro com as concepções radicais através da relação afetuosa de um tio comunista conselhista em Nova Iorque.

Em muitos casos, esta reinterpretação libertária do comunismo de conselho levou a uma forma de “conselhismo”, uma ideologia que celebra a democracia direta dos conselhos, ainda reduzindo a luta por uma sociedade sem classes por um projeto de autogestão de trabalhadores da produção (veja, por exemplo, muitos dos argumentos propostos pelo diário britânico Solidariedade[4], durante os anos setenta). Contra isto, uma nova geração de pensadores de extrema-esquerda afirmou que “socialismo não é a administração, pois pode ser uma administração democrática do capital, mas sua destruição completa” (Barrot e Martin, 1974: 105).

Claro que também há muito para se criticar sobre as concepções dos comunistas de conselhistas originais e um debate considerável deve ser realizado sobre em que grau tais visões são de relevância hoje. Certamente um dos defeitos (senão intencional) dos seus esforços se encontra na consequência de sua visão da autonomia da classe operária diante do capital, que autoproclamaram, da qual foi uma compreensão da composição de classe que permanece congelada no tempo. Esta deficiência foi herdada pobremente por alguns dos seus descendentes modernos que igualam as novas demandas da classe operárias, como as questões de raça e gênero, com as quais estão frequentemente entrelaçados, embora, neste aspecto, pelo menos, eles raramente se encontram sós na esquerda. Ao mesmo tempo, de outro lado, o suporte do movimento, a insistência dos comunistas na auto-organização dos trabalhadores como o coração da política de classe não perdeu de nenhuma forma a sua pertinência. Enquanto isso, os conselhos operários revolucionários continuam aparecendo nos momentos de intenso conflito social, nos últimos setenta anos: da Hungria ao Chile, da Polônia ao Irã. O mais recente exemplo ocorreu há quatro anos atrás, durante a rebelião em 1991 no Curdistão; e não será o último.

Bibliografia

BARROT, Jean & MARTIN, François. Eclipse and Re-emergence of the Communist Movement. Black and Red. Detroit, 1974.

BONACCHI, Gabriella. The Council Communists between the New Deal and Fascism’. Telos 30, Winter, 1976.

BRICIANER, Serge. Pannekoek and the Workers’ Councils. Telos Press, St. Louis, 1978.

GERBER, John. Anton Pannekoek and the Socialism of Workers’ Self-Emancipation. 1873-1960. Kluwer Academic Publishers. Dordrecht, 1989.

JACOBY, Russel. Dialectic of Defeat – Contours of Western Marxism. Cambridge University Press, Cambridge, 1981.

KELLNER, Douglas. Karl Korsch. Revolutionary Theory. University of Texas Press, Austin, 1977.

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MATTICK, Paul. Marx and Keynes: The limits of the Mixed Economy. Merlin Press, London, 1971.

PANNEKOEK, Anton. Workers’ Councils’. In: Root and Branch. The Rise of the Workers’. 1975.

RIESEL, René. ‘Preliminaries on the Councils and Councilist Organisation’. Internationale Situationniste 12, now. In: KNABB, Ken. (org.). Situationist International Anthology. Bureau of Public Secrets, Berkeley, 1981.

RÜHLE, Otto. From the Bourgeois to the Proletarian Revolution. Socialist Reproduction. Glasgow, 1974.

SHIPWAY, Mark. ‘Council Communism’. In: CRUMP, John & RUBEL, Maximilien (orgs.). Non-Market Socialism in the Nineteenth and Twentieth Centuries. Macmillan, London, 1987.

SMART, D. Pannekoek and Gorter’s Marxism. Pluto Press, London, 1978.

WRIGHT, Steve. ‘Left Communism in Australia’. Thesis Eleven 1, 1980.


[1] Os comunistas conselhistas foram denominados sob as mais variadas formas, entre as quais “comunistas de conselhos”, “comunistas de esquerda”, “esquerdismo”, “comunistas internacionalistas” (NR).

[2] Conselho Internacional de Correspondência e Marxismo, respectivamente.

[3] O autor se refere aos seguintes grupos: Internacional Situacionista, coletivo ativista francês da década de 50-60, que realizava a crítica do cotidiano e do fetichismo, tendo como alguns de seus representantes: Guy Debord, Raoul Vaneigem, Ash Jorn; Socialismo ou Barbárie, grupo francês que rompeu com o trotskismo na década de 50 e passou a defende a autogestão, contava com Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Bernard Montez, entre outros; Tendência Johnson-Forest, grupo autonomista norte-americano da década de 70 (NR).

[4] Publicado pelo grupo esquerdista inglês, que possui o mesmo nome (Solidarity), tendo como representante mais conhecido Maurice Brinton, autor de Os Bolcheviques e o Controle Operário (NR).

Publicado na Revista Ruptura, publicação do Movimento Autogestionário, Ano 8, número 7, Agosto de 2001. Tradução de Nildo Viana.